Desafios da universalização do saneamento encerram segundo dia de evento

29/11/2017 - 22:39

O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e o atual Atlas de Despoluição das Bacias Hidrográficas, da Agência Nacional das Águas (ANA), são bases para a construção dos estudos e posicionamentos do Instituto Trata Brasil. Nesta quarta-feira (29), segundo dia de III Encontro Internacional de Revitalização de Rios e I Encontro das Bacias Hidrográficas de Minas Gerais, o coordenador de Comunicação da entidade, Rubens Filho, apresentou a palestra ‘Desafios e avanços da universalização do saneamento básico no Brasil’, focando nos principais indicadores dos serviços de água e esgotamento sanitário do país.

Filho apresentou estudos sobre os benefícios econômicos e sociais da expansão do saneamento no Brasil, enaltecendo os reais ganhos que a sociedade brasileira pode obter com a chegada dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário para 100% da população.

Destacando que seriam necessários R$ 316 bilhões para universalizar os serviços de água e esgotamento no Brasil, ele apresentou o que nós brasileiros ganharíamos, em 20 anos, com essa hipotética medida. “Somente o sistema de saúde do país iria reduzir seus gastos em R$ 7 bilhões. O trabalhador brasileiro também teria um acréscimo no seu salário num total geral de R$ 82 bilhões, se considerarmos as ausências no trabalho que hoje ocorrem por problemas de saúde ligados ao saneamento”.

O representante do Instituto Trata Brasil também apresentou dados chocantes em relação ao saneamento no país. Em pleno 2017, 34 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada. Cerca de 50% da população não possuem rede de coleta de esgoto e 42% dos esgotos não são tratados. “Falta de saneamento básico implica diretamente na saúde das pessoas. Dados de 2013 dão conta que 400 mil internações anuais ocorrem no Brasil por diarreia, que é a doença primária da falta de saneamento básico”, falou.

Veja a apresentação:

 

20 anos da Lei das Águas

Em janeiro de 2017, completou-se 20 anos que foi criada a Lei nº 9.433, conhecida como Lei das Águas. O texto tem como fundamento a compreensão de que a água é um bem público, sendo sua gestão baseada em usos múltiplos – abastecimento, energia, irrigação, indústria e outros – e descentralizada, com participação de usuários, da sociedade civil e do governo.

Elaborada para se tornar um instrumento moderno, democrático e contemporâneo da gestão dos recursos hídricos, a Lei das Águas instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), reconhecendo a necessidade de gestão ambiental para resolver os profundos e negativos impactos da degradação de áreas de nascentes, rios e reservatórios.

Nesse contexto, Wagner Soares Costa, da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) e o professor José Claudio Junqueira, da Escola Superior Dom Helder Câmara, debateram as mudanças, avanços e as expectativas da Lei das Águas no território brasileiro.

Costa iniciou sua fala destacando os avanços que a lei trouxe, mas sugeriu mudanças e ajustes futuros. “Nem tudo é excelente, mas é claro que avançamos nesses 20 anos. Por outro lado, a lei também não é imutável, ela deve ser ajustada aos padrões da época. Não alterada em sua essência, mas com ajustes que facilitem e que deem um novo rumo, diretrizes para o momento atual”.

O representante da Fiemg também levantou fragilidades relacionadas à governança dos recursos hídricos que foram criadas a partir da Lei. “É considerado que existe um baixo nível de coordenação de todos aqueles organismos que foram criados com a norma e reduzida a articulação entre ministérios e esses órgãos. Somente no governo federal são 17 entidades públicas trabalhando os recursos hídricos e a gente não tem tido uma noção muito boa dessa coordenação, principalmente de políticas públicas voltadas pra saneamento e para a água”.

Trazendo uma visão dos usuários de água na estrutura dos Comitês de Bacia Hidrográfica, Costa disse que o segmento é tido erroneamente como o “vilão da história” e que caberia aos CBHs – que, segundo ele, por muitas vezes carrega unicamente a visão da sociedade civil nas discussões – arbitrar sobre essa divisão, que acaba por excluir as empresas. Ele também propôs reflexões quanto aos modelos de gestão das agências de bacia – que, a seu ver, deveriam ser organizações públicas.

O professor José Claudio Junqueira, por sua vez, se contrapôs inteiramente à ideia de mudança na norma. “Nós precisamos é de maior efetivação desta lei. E todos nós brasileiros sabemos de uma coisa: tudo que for para este Congresso Nacional é retrocesso na certa. Então, vamos trabalhar com o que já temos”.

Mesmo reconhecendo os muitos avanços da lei, principalmente ligados à democratização dos processos decisórios dos recursos hídricos, Junqueira apontou fragilidades que hoje os Comitês de Bacia Hidrográfica enfrentam e das dificuldades da efetivação dos Planos de Recursos Hídricos. Contrapondo o palestrante que o precedeu, ele apontou a necessidade de o segmento de usuários pagarem um valor superior ao que atualmente é pago como recurso da cobrança pelo uso da água.

Veja a apresentação:

 

Rios de Preservação Permanente

Associados ao crescimento das demandas humanas, os rios têm sido transformados e modificados com a perda de suas características naturais, o que impacta diretamente na diversidade biológica original. Sobre o tema, o professor Paulo dos Santos Pompeu, da Universidade Federal de Lavras (UFLA), discutiu como a preservação de trechos de rios sem barramentos ou outras grandes interferências humanas, os chamados rios de preservação, poderiam constituir em uma importante estratégia, a longo prazo, para a conservação destes ambientes e sua biota associada.

“Trata-se de uma figura jurídica exclusiva do Estado de Minas Gerais, que não existe no resto do Brasil. Ele serve para manter o equilíbrio ecológico, proteger paisagem natural, favorecer educação ambiental, o desenvolvimento de práticas náuticas e favorecer condições para a pesca amadorística”, contou.

Para ele, contudo, esta é a parte que menos interessa da lei. “A parte mais importante é o que que não pode ser feito num rio de preservação: você não pode modificar o leito e suas margens, remover sedimentos para lavra, exercer atividades que ameacem extinguir espécies da fauna e nem utilizar o recurso hídrico como execução de obras ou serviços. Na prática: a lei impede mineração em seu leito e barragem hidrelétrica. E isso pode funcionar como um instrumento de planejamento extremamente importante”.

Atualmente, sete rios mineiros são assim classificados: o Cipó, o Peruaçú, o Pandeiros e parte dos rios São Francisco, Jequitinhonha, Grande e Tijuco.

Ao final, Pompeu sugeriu que o Santo Antônio seja transformado em rio de preservação permanente, a fim de contribuir para a revitalização da bacia do Rio Doce.

Veja a apresentação:

 

Ainda durante o segundo dia de evento, o professor José Carlos Mierzwa (USP) apresentou uma visão geral sobre o reuso de água no país, colocando-o como uma das opções para se combater a atual crise de disponibilidade. Gustavo Mallaco, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba; Matheus Cremonese, do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, e Paulo Roberto Machado Carvalho, do CBH Rio Grande, também apresentaram um retrato da conjuntura das respectivas bacias.

O dia foi encerrado com o encontro da sociedade civil pelas águas.

Veja as fotos da tarde do segundo dia de evento:

Amanhã, último dia de evento, haverá ainda as palestras ‘A legislação Europeia e a avaliação ecológica dos rios – Portugal, União Europeia’, por Maria João Feio (Universidade de Coimbra); ‘Atlas Esgotos – Despoluição de bacias hidrográficas’, por Marcos Von Sperling (UFMG); ‘Vazão Ecológica’, por Yvonilde Medeiros (UFBA); e ‘São Francisco: Escassez Hídrica, Transposição e Revitalização’, por Anivaldo de Miranda Pinto (CBH Rio São Francisco) e João Suassuna (Fundação Joaquim Nabuco).

À tarde, haverá ainda as palestras ‘Conjuntura das bacias do alto São Francisco’, por Antônio Eustáquio Vieira (CBH Rio Paracatu); ‘A importância das instituições de fomento para o apoio técnico e financeiro às ações de saneamento, meio ambiente e a revitalização de rios’, por Giuseppe Campos Vicentini (Funasa); ‘Práticas conservacionistas do solo e de água’, por Demetrius David da Silva (UFV); ‘Estudo hidrogeológico da aba oeste do Sinclinal Moeda – Metodologias e avaliações’, por Danilo Almeida (Water Services Brasil); e ‘A sociedade na luta pelas águas: Gandarela’, por Maria Tereza Corujo (UTE Águas do Gandarela/ CBH Rio das Velhas).

O III Encontro Internacional de Revitalização de Rios e I Encontro das Bacias Hidrográficas de Minas Gerais será encerrado às 17h30 com apresentação de documentos e encaminhamentos.

A revitalização em debate

Com o objetivo de apresentar as melhores experiências sobre a preservação de rios no mundo, tanto no campo quanto na cidade, o III Encontro Internacional de Revitalização de Rios e I Encontro das Bacias Hidrográficas de Minas Gerais irão reunir, entre 28 e 30 de novembro, no Minascentro, pesquisadores dos Estados Unidos, Europa e América Latina.

Os encontros são uma realização do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas (FMCBH), Projeto Manuelzão, Agência Peixe Vivo e Governo do Estado de Minas Gerais, por meio do IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas).


Mais informações:
revitaliza@cbhvelhas.org.br