Há dois anos, no dia 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem B1 da Mina de Córrego do Feijão, da empresa Vale, despejou 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro, alterando os rumos da história de Brumadinho e do Rio Paraopeba. A lama rompeu a estrutura e, ferozmente, arrastou casas, pousadas e pontes; contaminou a água, solo e animais; destruiu vidas, sonhos, famílias e histórias. Essa lama de rejeitos avançou centenas de quilômetros, atravessou mais de 20 municípios, causou 259 mortes e deixou 11 desaparecidos.
Duas leis – uma federal e outra estadual – foram sancionadas para evitar novas tragédias. “A legislação, advinda após o desastre do rompimento da barragem de rejeito da Vale, em Brumadinho, proporcionou mudanças no ordenamento jurídico no tocante a gestão de barragens de mineração”, esclarece o membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), integrante do Grupo de Trabalho de Barragens, Valter Vilela.
A legislação para regular as estruturas só foi sancionada após as tragédias de Brumadinho (2019) e de Mariana (2015). Primeiro, em âmbito estadual, com a Lei 23.291, de 2019, conhecida como Mar de Lama Nunca Mais, que proibiu a construção, instalação, ampliação ou alteamento de barragem onde existe comunidade na área de autossalvamento, áreas que ficam abaixo de barragens, sem tempo suficiente para receber socorro em caso de rompimento.
A lei vetou também a possibilidade de licença para construção, operação ou ampliação de barragens com alteamento a montante, mesmo modelo das de Brumadinho e Mariana. Mas permite essas estruturas se não houver método alternativo, o que deve ser comprovado pelo estudo de impacto ambiental.
Já em âmbito federal, a Lei número 14.066 só foi sancionada em 1º de outubro de 2020, aumentando as exigências de segurança e estipulando multas administrativas às empresas que descumprirem as normas com valores que podem chegar a R$ 1 bilhão.
A nova legislação proíbe a construção de reservatórios pelo método de alteamento a montante, o mesmo usado em Brumadinho, em que a barragem vai crescendo em degraus, utilizando o próprio rejeito da mineração. No entanto, segundo especialistas, a legislação ainda é frágil e o segmento é marcado pela autorregulação, o que não descarta as chances de um novo rompimento.
Um dos pontos frágeis diz respeito ao Plano de Ações de Emergência para Barragens de Mineração, o PAEBM que, na proposta original, dizia que deveria ser debatido com toda a comunidade e teve o grau de participação alterado pela Câmara.
Outro exemplo é sobre a mudança de conceitos em relação às zonas de autossalvamento. A nova legislação proíbe que sejam construídas barragens que coloquem comunidades em zonas de autossalvamento, que são regiões onde não dá tempo da defesa civil ou grupos de emergência chegarem. Só que a lei flexibilizou a definição de zonas de autossalvamento e confundiu com zonas de salvamento secundário.
A legislação também não trouxe avanços em relação ao tipo de encerramento das barragens à montante. A lei prevê a descaracterização – drenagem da água – e o fechamento da estrutura, mantendo o rejeito. Mas, a expectativa era que a lei determinasse o descomissionamento, ou seja, da retirada de todo o rejeito.
A lei ainda submete a descaracterização a uma “viabilidade técnica”, o que seria uma brecha, na visão de especialistas. E foi mantido também o modelo em que as mineradoras contratam empresas de auditoria que emitem laudos sobre a segurança das barragens.
Ameaça à bacia do Rio das Velhas
Praticamente metade das barragens do Brasil estão em Minas Gerais. São cerca de 360. E só há quatro fiscais da Agência Nacional de Mineração (ANM) para monitorar todas as estruturas do estado.
A bacia do Rio das Velhas conta com uma lista de sete barragens sem garantia de segurança que inclui B3 e B4; Forquilha I, II e III; Maravilhas II; Vargem Grande. Na rota da lama dessas barragens estão localidades como São Sebastião das Águas Claras, Honório Bicalho, Raposos, Ouro Preto, Itabirito, Rio Acima, Sabará, Santa Luzia, Lagoa Santa, Jequitibá, Santana de Pirapama, além da captação de Bela Fama, da Copasa, que abastece a capital e seus arredores.
“O rompimento de uma das barragens de rejeito no Alto Rio das Velhas ocasionará, entre outras calamidades e problemas ambientais, sociais e econômicos a paralização da captação de água de Bela Fama, em Nova Lima, pertencente à Copasa. Esta captação é feita no leito do Rio das Velhas e a Companhia retira, em média 7.400 l/s, para abastecimento de aproximadamente 2, 4 milhões de pessoas em Raposos, Nova Lima, Sabará, Santa Luzia, São José da Lapa, Vespasiano, Lagoa Santa e Belo Horizonte. O CBH Rio das Velhas está cumprindo com suas obrigações legais visando garantir a preservação das águas do Rio das Velhas”, afirma Valter Vilela.
Além disso, a bacia do Rio das Velhas ainda tem três barragens em nível 3 de risco de rompimento. Todas as três são da mineradora Vale. Uma delas fica em Macacos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A B3/B4, da mina Mar Azul, tirou o sossego do vilarejo de Nova Lima. Duzentas pessoas estão fora de casa desde fevereiro de 2019. As outras duas barragens que têm risco iminente de rompimento na bacia do Rio das Velhas são Forquilha I e Forquilha III, em Ouro Preto.
“A barragem B3/B4 está sendo descomissionada conforme comunicado da Vale ao CBH Rio das Velhas realizado em novembro de 2020. Já as barragens Forquilha I e Forquilha III serão descaracterizadas e para conter os rejeitos de um rompimento hipotético das citadas barragens a Vale está construindo uma ‘Estrutura de Contenção à Jusante’ em concreto compactado a rolo e com uma galeria de desvio. A obra deverá ser concluída até março de 2021”, explicou Valter Vilela.
Veja as fotos do rompimento da barragem da Mina de Córrego do Feijão:
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Fotos: Robson Oliveira, Michelle Parron, Léo Boi e Leonardo Ramos