Os vereadores de Belo Horizonte negaram ao prefeito Alexandre Kalil (PSD) o pedido para aquisição de empréstimo 160 milhões de dólares – o equivalente a cerca de R$910 milhões– para impulsionar o Programa de Redução de Riscos de Inundações e Melhorias Urbanas na Bacia do Ribeirão Isidoro, no vetor Norte de Belo Horizonte. A votação ocorreu no dia 16 de março.
Parte dos recursos seriam usados para financiar intervenções para solucionar inundações em quatro córregos principais: Vilarinho e Nado, em Venda Nova; Terra Vermelha e Floresta, na Região Norte da cidade. A urbanização de áreas de risco, como as ocupações Dandara, Esperança, Vitória, Rosa Leão e Helena Greco, também faziam parte do projeto.
Atualmente, a Ocupação Izidora, na região Norte, localizada às margens do Ribeirão Onça e de seu afluente o Izidora, é o lugar mais crítico em períodos chuvoso. Isso porque a ocupação não possui infraestrutura básica onde existem áreas de inclinação e regiões geologicamente instáveis. Além disso, próximo à ocupação se encontra a Avenida Vilarinho, uma via de 6,5 km alagável do início ao fim. A avenida tem risco crítico de inundações quando as precipitações atingem 40 milímetros em cerca de 30 minutos.
Veja fotos dos locais:
Vereadores X PBH
Com 27 votos “sim” e 12 “não” o empréstimo foi negado. Eram necessários 28 votos para sua aprovação. Presidindo a reunião, Nely Aquino (Pode) não teve direito a voto; Cláudio do Mundo Novo (PSD), presente remotamente, não registrou o voto.
Bella Gonçalves (Psol) compôs o grupo de parlamentares que apoiou a proposta de Kalil. Ligada à causa das ocupações urbanas, a vereadora esclareceu o posicionamento. “O projeto fez uma junção um pouco perversa de dois componentes de duas propostas distintas. O primeiro diz respeito a indústria das enchentes com a construção de bacias de contenção. Sabemos que a solução para as inundações na Vilarinho é mais ampla e a solução envolve melhorarias no sistema de drenagem, que inclusive a prefeitura já iniciou obras nesse sentido. O segundo diz respeito à urbanização de uma região que não tem acesso à água, esgoto, luz e outros serviços essenciais. A região tem uma importância ambiental, pois ali encontram-se uma quantidade enorme de córregos, nascentes e matas virgens que devem ser preservados. O poder público precisa fazer ali uma urbanização que leve em conta o meio ambiente e que garanta direitos mínimos de vida”, explicou.
A vereadora Bella lamentou a derrota. “Estávamos discutindo os direitos das famílias de Venda Nova, da Região Norte e da Izidora. Famílias em que as condições de vida são inimagináveis para muitos. Foi uma derrota do ponto de vista da urbanização e também não vejo vitória do ponto de vista das enchentes na Vilarinho. Perdemos um recurso que traria melhorias sem ter outra solução”, finalizou.
Críticos da proposta apontaram a falta de clareza em relação à destinação do dinheiro e às condições de pagamento da dívida. Para a vereadora Fernanda Altoé (Novo) a culpa pela não aprovação do projeto é da própria PBH. “Nos momentos de discussões do projeto, solicitamos números do caixa da Prefeitura, como receita, capacidade de endividamento e pagamento do município. A prefeitura teve tempo hábil e não nos repassou esses dados.” A vereadora se disse a favor das obras, mas, segundo ela, é preciso justificar a falta de recursos que exigiria a tomada de empréstimo.
A PBH informa que o empréstimo negado para obra na Vilarinho seria complemento de recursos. Em 2019, a Câmara aprovou a operação de crédito de cerca de R$ 200 milhões. Segundo a PBH, estão em execução intervenções no reservatório Lareira, além da estrutura hidráulica de captação de escoamentos superficiais. Os reservatórios Vilarinho 2 e Nado 1 já foram licitados. Estão em fase de elaboração de projeto básico o reservatório D. Pedro I, além do aumento de volume do reservatório Vilarinho 1 e a readequação dos vertedouros dos reservatórios Várzea da Palma.
O prefeito Alexandre Kalil (PSD) lamentou o resultado e responsabilizou vereadores por eventuais problemas futuros de inundação na região do Isidoro. “Lamento! Os vereadores trabalhando contra Belo Horizonte. Enchentes, agora, a população trata é com a Câmara Municipal”, disse em nota.
A PBH informou ainda que “o empréstimo é essencial para dar continuidade ao processo de melhorias já iniciado pela Prefeitura na região do Vilarinho que, tradicionalmente, sofre com os efeitos dos temporais, pois previa a construção de outros reservatórios no entorno da bacia e intervenções urbanísticas. O empréstimo destinava-se a complementar o conjunto de obras necessárias a equacionar por completo os problemas de inundações em Venda Nova, destinando cerca de 83 milhões de dólares para execução de seis reservatórios.
Além disso, a PBH esclareceu que o projeto previa, ainda, a recuperação de nascentes e cursos d’água e a implantação de parque público e áreas de preservação ambiental. “Esta é uma área de grande relevância e sensibilidade dos pontos de vista urbano e ambiental. Com dimensões equivalentes a área contida pelo anel da avenida do Contorno, a região apresenta 64 cursos d’água, 280 nascentes, além de ser responsável por aproximadamente 20% da drenagem em terreno natural da cidade”, esclareceu a nota.
Moradores e comerciantes revoltados
O veto dos vereadores deixou os moradores e comerciantes da região indignados. A proprietária de uma loja de peças automotivas, Kátia Carvalho desabafou. “Eu senti vergonha. Tenho a loja na Vilarinho há 12 anos e no período das chuvas vemos enchentes, carros sendo arrastados, lojas inundadas e até mesmo mortes. Se fosse favorável a eles, com certeza, iria passar. Eles vetaram um projeto que iria favorecer milhares de pessoas. Agora, a gente não sabe se essa obra que está em andamento vai continuar. Se continuar, não vai aguentar o fluxo de água. Tinha que ter a continuação”, explicou.
Charlene Cristiane Egídio é uma das líderes da ocupação Rosa Leão, no Izidora. “Para nós foi a maior decepção, especialmente com os 12 vereadores que votaram contra. A aprovação do recurso beneficiaria não só o Izidora, mas toda a cidade. As enchentes na Vilarinho são um problema antigo do município. Além disso, são mais de nove mil famílias vivendo em condições precárias, sem acesso ao saneamento básico. Lutamos para preservar o meio ambiente, mas sozinhos não conseguimos muita coisa, por isso, o sentimento é de revolta”, afirmou.
O integrante do Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Comupra), Itamar de Paula Santos, morador do entorno do Izidora, ressaltou a importância de pensar no próximo. “A urbanização do Izidora, localizada no baixo Ribeirão Onça, é extremamente necessária e uma proposta que nunca havia sido feita. Perdeu-se uma oportunidade de empregar recursos para a melhoria da qualidade de vida de uma população que vive sem o básico. Quando uma pessoa ocupa um cargo de representatividade precisa ter cuidado e pensar no que é melhor para a população. Não é uma questão de quem está certo ou errado. A democracia não é isso que estamos vendo acontecer!”, falou.
O CBH Rio das Velhas
O coordenador do Subcomitê Ribeirão Onça, também representante da prefeitura de Contagem, Eric Machado, destacou a importância do diálogo. “A prefeitura precisa ouvir os envolvidos, não só propor ações. Os projetos apresentados pela PBH tendem a ser de macrodrenagem, com grandes obras de contenção. O ideal seria pensar na microdrenagem com áreas verdes, jardins, hortas comunitárias, passeios, entre outras soluções que permitam a infiltração da água no solo. Infelizmente a prefeitura tem apresentado uma dificuldade de exercer uma gestão compartilhada, apresentando soluções prontas sem dialogar com os envolvidos. Vários desses movimentos, como por exemplo o Izidora e o Vilarinho, têm projetos que ambientalmente são mais interessantes para o município e a prefeitura deveria escutá-los”, disse.
A não abertura para diálogo por parte da prefeitura e a adoção de um modelo que historicamente se mostrou ineficiente na cidade de Belo Horizonte foram algumas das críticas colocadas pelo secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Marcus Vinícius Polignano. “O Comitê sempre foi a favor do diálogo nos processos que envolvem a gestão das águas no território. O CBH Rio das Velhas não foi chamado para o debate, que precisa envolver diversos seguimentos entre moradores, o Comitê, sociedade e o poder político, no caso os vereadores. A não aprovação por parte da Câmara do recurso para a prefeitura executar o Programa de Redução de Riscos de Inundações e Melhorias Urbanas na Bacia do Ribeirão Isidoro ocorreu por uma falta de esforço político. Foi uma perda coletiva e faltou bom senso dos vereadores na hora de votar, visto que estamos em um momento em que não podemos rasgar recursos, principalmente relativo as águas. O CBH Rio das Velhas defende um modelo de cidade mais resiliente às águas e essa resiliência significa pensar a drenagem urbana. Não são ações pontuais que resolverão o problema, mas sim programas amplos e diversos para solucionar as enchentes e problemas de urbanização”, disse.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Fotos: Bianca Aun