Entrevista com Ênio Resende: conselheiro se despede do Comitê depois de 23 anos de dedicação ao Velhas

06/04/2021 - 8:58

Uma longa história com a agricultura em Minas Gerais. Uma outra longa história com o Rio das Velhas. Com mais de 40 anos de atuação na Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado Minas Gerais) e mais de 23 anos ocupando diversas posições no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Ênio Resende se despede da linha de frente para se aposentar, mas com a promessa de continuar a apoiar e a “ombrear”, como ele mesmo diz, com aqueles que continuarão dedicados ao trabalho pela revitalização e preservação da bacia do Velhas.

Em uma conversa sobre meio ambiente, agricultura, água e, claro, sobre as conquistas e os desafios do Comitê – que tem a presença do ex-conselheiro desde a sua instituição 1998 – Ênio fala sobre o Velhas, sobre os guardiães do rio, sobre o papel da agricultura na oferta de água e porque é tão importante o envolvimento com a vida.

Como surgiu a sua ligação com o meio ambiente e, por consequência, com as águas?

Eu sou engenheiro agrônomo e funcionário da Emater desde 1980. Houve um momento da minha carreira que resolvi abraçar a parte ambiental, que foi o que me motivou a fazer agronomia. Em 1991, fui fazer um mestrado na Universidade Federal de Lavras sobre bacias hidrográficas, algo novo na época. Lá eu estudei o impacto da agricultura sobre a qualidade das águas em três microbacias hidrográficas. Meu estudo me fez dar uma guinada para essa área profissional, que é a parte de meio ambiente, mais especificamente na parte dos recursos hídricos. Quando eu voltei do mestrado, assumi a coordenação da área de meio ambiente na Emater. Desde esse período eu passei a assumir cadeira no Copan (Conselho de Política Ambiental), estive presente no momento da criação do Comitê, em 1998, e fiz parte de várias representações ambientais que existem em Belo Horizonte e no Estado.

Ao estudar os impactos da agricultura na qualidade da água e atuar tanto tempo com ações no meio rural, você deve conhecer de perto este assunto. Como você olha para o papel da agricultura na manutenção e preservação da água?

Antes de ir para o Comitê e da minha formação e atuação profissional na agricultura, eu já havia percebido a importância do espaço rural para água e o meio ambiente como um todo. A agricultura sempre teve um destaque muito grande por alguns motivos. Um deles é com relação ao tamanho da área ocupada pela agricultura. Se a gente for ver o território de Minas Gerais, praticamente ¾ do Estado são ocupados com áreas agrícolas e esse tamanho tem uma implicação muito grande, pois sendo maior é ele que tem mais resposta. Com a chuva, a maior quantidade de água cai sobre as áreas agrícolas.

Agora pensando nas mudanças climáticas, as plantas ajudam na liberação de oxigênio, na absorção do gás carbônico e as áreas agrícolas abrigam a fauna, muitos pássaros, cobras, muitos bichos, animais silvestres, lugar que eles encontram abrigo e alimento. A cobertura vegetal da agricultura também proporciona a infiltração da água no solo com mais facilidade do que o asfalto e o concreto. Então, a agricultura tem tudo a ver com a água. Não se faz gestão das águas sem envolver a agricultura e os produtores rurais. Eu considero que o agricultor seja, talvez, um dos mais importantes atores na gestão de recursos hídricos.

Sabemos que as sub-bacias hidrográficas têm suas particularidades de acordo com a região onde estão inseridas. O CBH Rio das Velhas traz uma gestão descentralizada, através dos Subcomitês, que olha para as sub-bacias e para as particularidades dos seus territórios. O resultado dessa descentralização é positivo?

O CBH Rio das Velhas foi o primeiro Comitê e talvez seja o único que tem essa estrutura descentralizada e isso tornou as coisas mais assertivas, porque traz um alicerce sólido de atuação. A descentralização foi um dos passos mais importantes do Comitê ao reconhecer que o trabalho tem que vir de baixo para cima, pois são nas micro ou sub-bacias que moram as pessoas que precisam da água de fato, que precisam do meio ambiente preservado. É importante ouvir e reconhecer a legitimidade desses cuidadores das águas. Costumamos usar até uma expressão que diz que “os Subcomitês são a alma do Comitê”.

Se a descentralização foi para você um dos passos mais marcantes na história do CBH Rio das Velhas, quais foram os outros momentos importantes que você vivenciou nesses mais de 23 anos de participação?

Se não me engano, em 2001, o Comitê fez o trabalho do enquadramento do Rio das Velhas em classes de qualidade de água, um passo gigantesco naquela época. Outro momento marcante foi a Meta 2010, que era nadar, pescar e navegar no Rio das Velhas. Foi com a meta 2010, seguida da meta 2014, que as ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto) do Arrudas e do Onça foram criadas e várias outras ETEs construídas pela Copasa no interior do Estado.

Um outro momento foi a provocação do Comitê para a criação da Agência Peixe Vivo e, com ela, a instituição da cobrança pelo uso da água. A cobrança é um instrumento fundamental para que o Comitê tenha recursos financeiros.

A criação do Plano Diretor da Bacia do Rio das Velhas e a elaboração dos Planos Municipais de Saneamento para diversos municípios da bacia também são ações significativas do Comitê.

Já na parte de sistemas de informações, criamos o Siga Rio das Velhas, um instrumento muito avançado que armazena informações geográficas digitais.

E uma das últimas grandes conquistas foi a instituição do Convazão (Grupo de Controle de Vazão do Alto Rio das Velhas), motivado pela preocupação em melhorar a oferta de água do Rio das Velhas nos três meses mais críticos do ano, que são julho, agosto e setembro.

Sobre os desafios, quais o Comitê precisa enfrentar daqui para frente?

Eu acredito que os desafios já estão em curso. O maior que nós temos agora é com relação a quantidade de água no Alto seguimento da bacia. A instituição do Convazão, que comentei anteriormente como uma conquista, vem dessa preocupação de melhorar a oferta de água do Rio das Velhas. Apesar do grande esforço, não tem uma solução pronta. Este ano, mesmo com as boas chuvas, nós vamos lidar com o mesmo problema e, talvez, de forma mais grave. Paralelamente a esse fato, Belo Horizonte é uma metrópole que precisa de muita água para atender a população, as indústrias, o comércio e tudo mais. Outra necessidade é estancar um pouco o crescimento desordenado da urbanização.

Outro desafio que já começamos a trabalhar é por uma maior interiorização do Comitê. É levar a agenda de recursos hídricos para as prefeituras e câmaras municipais nos 51 municípios, para que cada um tenha um trabalho municipal, quer seja de saneamento, revitalização de um pequeno córrego, ou com o lixo. Enfim, qualquer ação ambiental que dê repercussão na qualidade e na quantidade da água.

Vivemos um momento de gestão ambiental desafiador no país. Diante da realidade que se apresenta hoje, o que motiva você a acreditar na transformação e no trabalho pela preservação do meio ambiente? É possível acreditar na mudança?

O que me motiva a acreditar que existe a possibilidade de uma mudança positiva são as pessoas. Elas são a principal fonte de mudança. O que me faz acreditar no trabalho do Comitê é ver que há muitas pessoas envolvidas, motivadas, vestindo voluntariamente a camisa por essa causa. Existem inúmeros exemplos de pessoas aguerridas que, desde o começo, estão lutando, remando, trabalhando nisso. Temos que acreditar nas pessoas, nas mudanças e o Comitê do Rio das Velhas é um exemplo. O Comitê é essa caixa de ressonância, de repercussão, em que as pessoas participam e podem ouvir depoimentos de outras pessoas que cuidam do rio.

Se as pessoas são a principal razão de você acreditar na mudança, para aquelas que ficam no Comitê qual é a mensagem que você quer deixar no seu encerramento de ciclo?  

Para todos esses guardiães da água, que são os conselheiros do Comitê, mesmo as pessoas que não têm cargo ou função, o mais importante é ter envolvimento com a vida. O envolvimento com a vida é o que nos move para trabalhar, para encontrar respostas aos nossos anseios. E a vida depende de água, de um ar com qualidade, de biodiversidade, dos animais, das plantas, dos solos, dessa harmonização que existe na natureza. Então, a mensagem que deixo, pela minha experiência, minha vivência, é que esse é o caminho. O caminho de trabalhar em prol dos outros. Quem faz um trabalho como esse não pensa somente em si, pensa no todo, pensa na bacia.

Eu diria que é uma boa batalha, uma batalha justa e legítima. Onde quer que eu esteja, eu continuarei apoiando esse trabalhando, abraçando esse trabalho, pois acredito que ele é o verdadeiro trabalho pela vida.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Michelle Parron
*Fotos: Lucas Nishimoto e Ohana Padilha