Entrevista: Juliana Calábria (UFMG) e o projeto que monitora o novo coronavírus no esgoto de BH e Contagem

19/05/2020 - 15:00

Em meio à pandemia da COVID-19, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolvem um projeto-piloto de monitoramento do esgoto em Belo Horizonte e Contagem, para mapeamento da ocorrência do novo coronavírus. O objetivo é descobrir as informações que o esgoto pode conter sobre a disseminação da doença em comunidades específicas, ao longo do tempo.

Os pesquisadores colhem amostras das Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) dos Ribeirões Arrudas e Onça e da rede coletora de esgoto doméstico. O projeto Monitoramento Covid Esgotos é desenvolvido pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia ETEs Sustentáveis, sediado e coordenado na UFMG, em parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).

Subcoordenadora do INCT ETEs Sustentáveis, a professora Juliana Calábria é uma das coordenadoras do projeto. Como ela explica nessa entrevista, o mapeamento vai possibilitar inferir a quantidade de pessoas infectadas pelo coronavírus em Belo Horizonte, e os dados deverão ser cruzados com os das autoridades de saúde, obtidos com os testes clínicos, atuando de forma complementar.

A pesquisa deve durar dez meses e contará com apoio da Secretaria de Saúde de Minas Gerais e da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais).

1) De que maneira o mapeamento da ocorrência do novo coronavírus poderá subsidiar a gestão pública sobre a pandemia?

A ideia é verificar a ocorrência do vírus em diferentes regiões, de modo a identificar áreas com maior ou menor prevalência. Nós vamos a cada 15 dias divulgar esses resultados e mostrar como está ocorrendo a circulação do vírus no esgoto, indicando aquelas regiões aonde tem maior circulação. Nessas regiões, a Secretaria Estadual de Saúde deve ir ao local e tomar medidas mais restritivas, ou eventualmente intensificar a testagem clínica individual nessa população, que mostrou maior ocorrência do vírus. Já nas áreas de menor ocorrência, a Secretaria de Saúde continuará reforçando as medidas de isolamento, de prevenção, de lavagem das mãos, mas eventualmente é uma área menos problemática. Esse trabalho faz um mapeamento indireto e a gente pode estimar, portanto, o número de pessoas infectadas na população de forma indireta, sem haver a necessidade da testagem clínica. Vendo de forma regionalizada a circulação do vírus e aonde ele está presente e sua maior concentração, isso permite um mapeamento indireto da ocorrência da doença na população, já que tanto pessoas com sintomas da COVID-19, quanto os assintomáticos, excretam o vírus nas fezes.

2) Há evidências da transmissão do vírus por meio das fezes (transmissão feco-oral)? Um rio contaminado, por exemplo, poderia ser um foco de transmissão?

Não existem dados científicos até o momento que tenham mostrado que a rota de transmissão feco-oral tenha ocorrido, que alguém tenha contraído a COVID-19 através da via feco-oral. Não obstante, existem várias pesquisas mostrando que essa poderia ser uma possibilidade porque o vírus está presente nas fezes e, portanto, presente no esgoto. Apesar do tempo de sobrevivência desse vírus no esgoto, em princípio, segundo as pesquisas, ser baixo, cerca de dois a quatro dias, numa temperatura de 24°C, que é a temperatura média do esgoto, não se sabe se uma pessoa entrar em contato com o esgoto direto, ou com aerossóis formados a partir desse esgoto, ou com água contaminada, ela contrairia essa doença. O fato é que em cidades como Belo Horizonte, onde temos uma boa cobertura de saneamento, não se teria risco para a população já que a população, na maior parte da cidade, não entra em contato com o esgoto diretamente. Reforço que essa pesquisa está fazendo a detecção do Sarvs-CoV-2 em amostras de esgotos, nós não estamos analisando amostras de rio. Se o esgoto passa pelo tratamento na ETE, é de se esperar que esse vírus, por ser menos resistente que os vírus entéricos normais, que normalmente causam diarreia na população, seja capaz de ser removido durante os processos de tratamento realizados numa ETE.

3) Quais foram os critérios para escolha dos pontos de coleta das amostras de esgoto?

São pontos que representam bairros de diferentes níveis socioeconômicos e índices de vulnerabilidade social, bem como são locais que tem hospitais – portanto, a gente também faz a análise aonde tem contribuição de lançamento de esgoto hospitalar. O primeiro resultado indicou que, de 26 amostras, o vírus estava presente em oito delas, mostrando que o vírus está circulando na cidade de Belo Horizonte, o que era esperado.

4) Trabalhadores e pesquisadores da área de saneamento devem tomar cuidados especiais para não contraírem o vírus?

As companhias de saneamento, os profissionais que trabalham com esgoto devem sim tomar todos os cuidados, porque estão trabalhando com esgoto, que tem vários organismos patogênicos, como bactérias, protozoários, os vírus entéricos (adenovírus, poliovírus, etc). Normalmente, esses profissionais já utilizam os Equipamentos de Proteção Individual [EPIs] e, no laboratório, os profissionais que manipulam, filtram esgoto, fazem diferentes tipos de análises físico-químicas e microbiológicas a partir do esgoto, normalmente tomam esse cuidado, usando luvas, máscaras, trabalhando com esse material dentro de capela de fluxo laminar. Os cuidados são os mesmos de sempre para quem trabalha com esgoto. Não é porque agora que o novo coronavírus foi detectado no esgoto que nós vamos passar a tomar cuidados. Os cuidados devem ser tomados sempre.

 

Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiz Ribeiro
*Fotos: Bianca Aun e Divulgação