Projeto do Rodoanel ameaça importantes unidades de conservação da bacia do Rio das Velhas

01/03/2021 - 12:01

O governo de Minas Gerais e a Vale assinaram um acordo bilionário para reparação dos danos provocados pela tragédia de Brumadinho, que aconteceu há dois anos, e deixou mais de 270 vítimas, entre mortos e desaparecidos, além do desastre ambiental causado na bacia do rio Paraopeba. O termo foi assinado com o valor de mais de R$ 37 bilhões, no dia 04 de fevereiro. Parte dos recursos oriundos da indenização vai financiar a construção de um Rodoanel na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), no entanto especialistas de meio ambiente dizem que a proposta do governo de Minas causaria grandes impactos ambientais.

O Rodoanel já vem sendo discutido há mais de 20 anos e é a promessa do poder público para a redução de acidentes no Anel Rodoviário de Belo Horizonte. A ideia é que a infraestrutura desafogue o fluxo de tráfego pesado do Anel e possibilite a queda de cerca de mil acidentes por ano. A nova malha viária contemplaria quatro alças – Norte, Oeste, Sudoeste e Sul – sendo o entroncamento entre três rodovias principais, as BRs-381, 040 e 262, com extensão prevista de pouco mais de 100Km. O projeto vai custar R$ 4,5 bi, sendo que R$ 3,5 bi serão bancados pela Vale, como prevê o acordo fechado com o governo para reparação da tragédia em Brumadinho.


Confira o mapa do Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) que exemplifica as alças:


Uma das preocupações em relação ao projeto do Rodoanel é relacionada ao dano ambiental. Supressão de vegetação, perda de biodiversidade, mudança na legislação e destinação de recursos compensatórios de danos ambientais permeiam a discussão sobre o projeto do governo de Minas que coloca a bacia do Rio das Velhas na rota dos impactos.

O secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Marcus Vinícius Polignano, aponta desvio de finalidade no projeto. “Os recursos da compensação ambiental da tragédia na bacia do Paraopeba serão usados para financiar uma obra que não tem nada a ver a com a reparação do dano ambiental em uma área que não tem ligação com a bacia hidrográfica atingida. Além disso, o traçado do Rodoanel, até onde temos conhecimento, interfere em áreas que tem um grau de preservação grande, como por exemplo o entorno do Rola Moça na alça Sul e importantes áreas de recarga e de preservação ambiental na alça Norte”.

O governo de Minas informou por meio de nota que “os valores do acordo foram pleiteados para fins de compensação e não de reparação, não interferindo, portanto, na parte destinada a reparar os danos junto à população local”.

Alça Sul

De acordo com o traçado do Rodoanel, a alça Sul interceptaria a unidade de conservação de proteção integral Monumento Natural da Serra da Calçada (Brumadinho e Nova Lima), o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça (Belo Horizonte, Brumadinho, Nova Lima e Ibirité) e grande área de Mata Atlântica, Cerrado e campos rupestres ferruginosos, além de mananciais, regiões com potencial turístico e várias propriedades rurais e condomínios.

Com base em um levantamento técnico promovido pelo Fórum Permanente São Francisco, a Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda) emitiu uma nota demonstrando a importância ambiental e a necessidade de que o governo estadual preveja alternativas para o traçado do Rodoanel. “Nossa maior preocupação é com a Serra do Rola Moça e com a Serra da Calçada por onde passará a alça Sul. A ideia é que o governo de Minas faça novos projetos para a futura rodovia, com o menor impacto socioambiental possível. As atuais propostas causariam grandes impactos”, afirmou a superintendência executiva da Amda, Maria Dalce Ricas.

A região da Serra do Rola Moça e da Serra da Calçada é constituída de Mata Atlântica preservada, campos rupestres ferruginosos e quartzitos, que formam corredores ecológicos, preservam a biodiversidade e abrigam animais ameaçados de extinção.

O secretário de Infraestrutura de Minas Gerais, Fernando Marcato, esclareceu que o governo avalia um traçado alternativo para o projeto, a pedido da Amda. “Sabemos que todo projeto de infraestrutura gera impacto, é inevitável. O que tentamos fazer é diminuir isso ao máximo. Até o momento, duas áreas sensíveis integram o traçado previsto para a alça Sul do Rodoanel. São as serras Rola Moça onde o traçado não passa dentro da área de proteção ambiental, mas margeia, e a da Calçada onde há a previsão de fazer um túnel. Dos 17,6 km da alça Sul do Rodoanel, que é a mais sensível do ponto de vista ambiental, 40% será em viaduto e túnel, que são soluções para diminuir impacto na flora e fauna”, garantiu.

Alça Norte

A alça Norte do Rodoanel será construída no Vetor Norte, região onde estão situados a Linha Verde, o Centro Administrativo, o Aeroporto Internacional Tancredo Neves e os municípios de Lagoa Santa, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Vespasiano, além de dezenas de unidades de conservação, grutas e mananciais para o abastecimento de água desses municípios.

A região do Vetor Norte tem características ambientais peculiares. Possui grande quantidade de cavernas, grutas, cursos d’água subterrâneos e calcário devido à sua formação geológica, denominada Carste. As rochas carbonásticas são como um queijo suíço, tornando o ambiente extremamente vulnerável, principalmente em relação à proteção dos lençóis freáticos.

De acordo com o Instituto Estadual de Florestas (IEF), são mais de 20 áreas protegidas na região, em diversas categorias de unidades de conservação como monumentos naturais, áreas de proteção ambiental e parques estaduais, conservando o patrimônio natural e espeleológico. “Pouco tempo antes do decreto do Rodoanel, em um único decreto, o governador revogou três decretos muito importantes. Um deles associado ao processo de ocupação do Vetor Norte. E outros dois que excluem o Sistema de Áreas Protegidas do Vetor Norte. O preocupante disso tudo é que o berço das ciências naturais brasileiras, a região cárstica, vai perder áreas que deveriam ser protegidas e que já eram indicadas como áreas para se tornar unidades de conservação de proteção integral. Um outro alerta é que a região vai se tornar um polo de ocupação de uso do solo que pode ser danoso do ponto de vista da preservação ambiental e da conservação do Rodoanel, o que pode transformar a via no que é o Anel Rodoviário hoje”, esclareceu Marcus Vinícius Polignano.

A necessidade de se debater normas ambientais e um traçado que prejudique o meio ambiente nos fóruns de participação popular de política ambiental foi suscitada pelo secretário do CBH Rio das Velhas. “Não somos contra a ideia do Rodoanel, mas há de se pensar no melhor desenho para não trazer mais danos. Os impactos ambientais e hídricos devem ser amplamente discutidos com a sociedade e os Comitês de Bacia dos rios das Velhas e Paraopeba para que possamos ter uma solução que resolva”, finalizou Marcus Vinícius Polignano.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Fotos: Bianca Aun, Ohana Padilha, Marcelo André e Paulo Vilela