No dia 25 de janeiro de 2019, há cinco anos, a população de Brumadinho foi testemunha e vítima do rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão, de responsabilidade da Vale. Aproximadamente 12 milhões de m³ de rejeitos foram despejados na Bacia do Rio Paraopeba, matando mais de 270 pessoas e atingindo mais de 20 cidades ao longo da bacia. A tragédia também impactou o abastecimento de água na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e aumentou a preocupação sobre as condições das 51 barragens de minério em nível de emergência em Minas Gerais. Ainda hoje, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), e a população deste território, convivem com as consequências desse rompimento.
Os impactos diretos e indiretos na Bacia do Rio das Velhas
Inaugurada em 2015, após um período crítico de escassez hídrica, a captação a fio d’água no Rio Paraopeba tinha como objetivo criar mais uma camada de segurança para o abastecimento de água na RMBH e servir de apoio para a segurança hídrica na Bacia do Rio das Velhas. É importante notar que cerca de 71% da população da bacia mora nessa região, situada na porção mais alta do rio. Isso quer dizer que, estando o Rio das Velhas sobrecarregado no abastecimento da RMBH, todo o restante da população na bacia a jusante sofreria também com a escassez hídrica.
Segundo a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), o Sistema Paraopeba, constituído pelas represas de Rio Manso, Serra Azul e Várzea das Flores, construídas nos afluentes do rio, contribui hoje com 28% do abastecimento de Belo Horizonte e 48% da RMBH. Quando ocorre o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, a captação direta na calha do Paraopeba fica comprometida pela contaminação causada pelo rejeito de minério e é imediatamente interrompida.
“Na crise hídrica de 2014/15, o Rio das Velhas praticamente secou – o que não é permitido por lei. Você não pode matar um rio nem mesmo para suprir a necessidade de abastecimento. A Copasa, sempre sendo alertada por esse problema depois dessa crise, resolveu então ver onde que ela poderia melhorar a segurança. Buscou-se melhorar o Sistema Paraopeba, composto por três reservatórios. Diferente do Sistema Rio das Velhas, cuja captação é feita diretamente do rio, o Sistema Paraopeba eram três afluentes do Paraopeba e seus reservatórios que, felizmente, não estavam na calha do rio. Foi aí que se iniciou o processo de captação de água na calha do Paraopeba. Com a tragédia da Vale em Brumadinho, aquela onda de lama destruiu a captação da Copasa que estava na margem do rio, e nós voltamos ao cenário pré-crise hídrica de 2014”, resume o geólogo e pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) e membro do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, Paulo Rodrigues.
Nesse sentido, os Comitês das Bacias Hidrográficas (CBHs) dos Rios das Velhas, São Francisco e Paraopeba se uniram, logo após a tragédia, na cobrança por reparações das consequências que afetam a todos. Para a bacia do Rio das Velhas, a principal reparação consistia em construir um outro ponto de captação no Paraopeba que pudesse cumprir a função daquele que foi comprometido no rompimento da barragem. Em agosto daquele mesmo ano, a Vale se comprometeu, diante dos Ministérios Públicos Estadual e Federal, a construir um novo ponto de captação no Paraopeba, 12 km a montante do local onde a lama foi despejada. De adiamento em adiamento, cinco anos se completaram sem que o compromisso fosse cumprido. Questionada sobre esta questão e outras, a Vale não se pronunciou até o momento do fechamento desta matéria.
Veja mais fotos do rompimento em 2019:
As alternativas na mesa
Ronald Guerra, vice-presidente do Comitê, reflete sobre quais são as alternativas para garantir a segurança hídrica na bacia frente aos riscos que a atividade minerária impõe. “A tragédia que ocorreu em Brumadinho afetou também o imaginário das pessoas, a relação que elas têm com a própria bacia hidrográfica e com a segurança. Há muitas barragens na bacia do Rio das Velhas. Qualquer acidente pode ter as dimensões que ocorreram nessas grandes duas tragédias [Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019]. Esse é um risco objetivo que mexe com a segurança das pessoas”, pontua. Nesse sentido, há inúmeras propostas de ampliação dos sistemas de captação já existentes, das quais algumas ainda carecem de maior discussão, tendo em vista que qualquer intervenção humana gera impactos ambientais em maior ou menor grau.
Após a tragédia, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) impôs alguns Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) à Vale no intuito de garantir a reparação possível e necessária à devastação causada. Um deles, o TAC “Água”, teve recursos para as Bacias do Paraopeba e do Velhas recentemente aprovados. “O TAC Água define a entrega de projetos para ampliação do Sistema Rio Manso. Além disso, há um projeto de barramento que a gente vê com uma expectativa não muito positiva que é na Ponte de Arame [no leito do Rio das Velhas]. Há o sistema de captação do Ribeirão da Prata, do Ribeirão Macaúbas… estes últimos são estudos previstos como ampliação com poços artesianos, bem detalhados e sendo discutidos com um olhar cuidadoso para o impacto que eles podem também causar no território da bacia”, conta Ronald.
O CBH Rio das Velhas vê com precaução a proposta do barramento Ponte de Arame por ser um cânion com uma área extensa de Mata Atlântica e que guarda vestígios arqueológicos – e, segundo Ronald, seria mais bem aproveitado como uma Unidade de Conservação própria para turismo. O barramento seria construído a jusante da barragem de Rio das Pedras, cujo processo de desassoreamento vem sendo discutido no âmbito do Comitê, e essa nova barragem poderia agravar esse problema.
Possível novo barramento no Alto Velhas preocupa o CBH Rio das Velhas e também Ronald Guerra
Ainda como desdobramento do TAC Água, o projeto “Água & Sustentabilidade: Segurança Hídrica para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH)” prevê o aporte de R$ 7,5 milhões, provenientes da compensação pela tragédia da Vale em Brumadinho, a serem investidos na sub-bacia do Rio Maracujá, no Alto Rio das Velhas, em ações do CBH Rio das Velhas de recuperação de áreas degradadas que já estão em andamento. Essa microbacia vem sofrendo com voçorocas e despejo de resíduos sólidos e esgoto. Por se encontrar a montante da RMBH, a bacia do Maracujá é estratégica para garantir a segurança hídrica não só da região metropolitana, como de toda a Bacia do Rio das Velhas. Além disso, no mesmo TAC está prevista a construção de uma adutora com cerca de 29km que vai interligar os sistemas Paraopebas e Velhas, bem como de captações a fio d’água nos ribeirões Macaúbas e Prata, ambos afluentes do Paraopeba. Tudo isso ampliaria a capacidade de abastecimento do Sistema Paraopeba, atuando diretamente na insegurança hídrica que poderia atingir a RMBH e as cidades a jusante se se dependesse apenas do Sistema Rio das Velhas.
Assista e saiba mais sobre a ameaças das barragens no Alto Velhas:
A questão das barragens na Bacia do Rio das Velhas
Hoje, na Bacia do Rio das Velhas, há 51 barragens em nível de emergência, três das quais estão em alerta máximo e se encontram na região alta do rio. Segundo Paulo, o Quadrilátero Ferrífero, onde estão localizadas as nascentes do Rio das Velhas, possui uma característica única no planeta: devido ao fato de o minério de ferro ser um aquífero de grande qualidade, uma vez que não se dissolve na água como outros elementos, e de que, nessa região, esse minério está localizado em topo de morro, zona em que a absorção da água das chuvas é maior, a atividade mineradora destrói os aquíferos responsáveis pelas nascentes dos rios. “Então, nós temos um sério problema: ou você preserva as zonas de recarga e os aquíferos para o bem de todos – inclusive dos empresários e das empresas, que necessitam da água para suas atividades – ou você minera, o que vai beneficiar apenas os empresários da mineração, em detrimento do interesse público. Aí temos um conflito hídrico gravíssimo, que não existe em nenhum outro lugar do mundo, só no Quadrilátero Ferrífero”, alerta.
Conclusão: o rompimento de barragens não é o único nem o maior problema. Paulo também chama a atenção para o fato de que mesmo as barragens que não estão em risco podem estar despejando metais pesados e produtos químicos nos rios, uma vez que não há fiscalização suficiente para assegurar que a água drenada das barragens esteja livre desses elementos. Questionada sobre se a mineração ao longo da Bacia do Rio das Velhas compromete a qualidade da água captada, a Copasa informou que “o monitoramento é feito pelos órgãos ambientais. Entretanto, a Companhia também monitora a qualidade da água bruta captada para verificar sua capacidade de tratamento e, até o momento, a estação de Bela Fama [no Sistema Rio das Velhas] atende a todas as condições para fornecer uma água dentro dos padrões de potabilidade definidos pela legislação”.
Para Ronald, a preocupação do CBH Rio das Velhas coincide com o pensamento do Paulo Rodrigues: a mineração no Quadrilátero Ferrífero, berçário do Rio das Velhas, é um ponto de extrema atenção: “O mais importante é observar que a gente precisa ampliar todo o programa de revitalização das cabeceiras do Rio das Velhas, que abastecem a RMBH, pensando em aumentar a oferta de qualidade e quantidade de água através da proteção desses mananciais. Todo esse sistema de exploração na cabeceira tem tido desdobramentos da grande mineração em pequenas minerações, que estão surgindo com licenciamentos mais simplificados e transportando minério bruto ou minério tratado através das rodovias – e que, no final da história, é adquirido, principalmente pela Vale para ser exportado no mercado internacional”, lembra.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Leonardo Ramos
*Fotos: Leonardo Ramos; Michelle Parron; Fernando Piancastelli; Alexandre Gabriel