As lutas e desafios do CBH Rio das Velhas diante de mais um desastre ambiental provocado pela mineração em Minas Gerais

01/02/2019 - 21:43

Uma reunião  extraordinária convocada para resolver questões cotidianas do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) se transformou em compartilhamento de angústias e ânsia por respostas. E não poderia ser diferente. Após o rompimento da barragem de rejeitos da mina Córrego do Feijão, de propriedade da empresa Vale, em 25 de janeiro em Brumadinho, os integrantes do Comitê se viram completamente envolvidos com a situação de crise ambiental, ainda que a área não pertença à bacia e se encontre dentro da bacia hidrográfica do rio Paraopeba, curso d’água drasticamente atingido por um tsunami de lama.

Uma tragédia que tentou ser impedida pelo próprio CBH Rio das Velhas em abril de 2016. Entre as diversas formas de luta que está envolvido, uma delas foi redigir uma moção entregue ao Governo do Estado de Minas Gerais na qual não concordava com licenciamentos para alteamentos, ampliações e novas barragens de rejeitos de mineração que seguissem os mesmos moldes da que se rompeu em 2015, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG). A queda da barragem Fundão, de propriedade da mineradora Samarco, é considerada como provocadora do maior desastre ambiental do país. Foram 43,7 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro, o que causou a morte de 19 pessoas, atingiu a bacia do rio Doce e percorreu 663 km até encontrar o mar.

O pedido contido na moção, também realizado pelo Ministério Público em 2016, só foi atendido agora depois de uma decisão liminar (provisória) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que proibiu, na terça-feira (29), que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) autorize barragens do mesmo modelo das de Mariana e Brumadinho. Na quarta-feira (30), foi publicada a RESOLUÇÃO CONJUNTA SEMAD/FEAM nº 2.765, página 26, do Diário Oficial de Minas Gerais e assinada pelo atual Secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Germano Luiz Gomes Vieira, que determina a descaracterização de todas as barragens de contenção de rejeitos, alteadas pelo método a montante, provenientes de atividades minerárias, existentes em Minas Gerais e dá outras providências.

Mas o “Mar de Lama Nunca Mais” ainda não teve a mesma sorte. Projeto de Lei de Iniciativa Popular 3695/2016, cujo objetivo é aprimorar a legislação sobre segurança e licenciamento ambiental de barragens, recolheu 56 mil assinaturas e foi entregue em julho de 2016 para votação na Assembleia Legislativa pelo Ministério Público de Minas Gerais e, desde então está parado aguardando aprovação. “Uma das coisas que o projeto colocava é que não poderia ter mais barragens à montante e que não poderia haver nenhuma aglomeração humana em um raio de 10km, a partir da barragem, que é uma área de auto salvamento. E, lamentavelmente, tanto a mineração quantos os políticos ajudaram a derrubar o projeto, que era da sociedade”, explica Marcus Vinicius Polignano, presidente do Comitê da Bacia do Rio das Velhas e do Fórum Mineiro de Bacias Hidrográficas.



Reunião Plenária Extraordinária do CBH Rio das Velhas aconteceu na tarde de ontem, 31 de janeiro, em Belo Horizonte.
Crédito: Ohana Padilha


Acesse a tramitação do projeto no site da ALMG.

Mais ação, menos justificativas

Durante a reunião, o presidente do CBH Rio das Velhas reforçou aos conselheiros presentes que o momento é de ação. “Agora é hora de mudanças, não de justificativas. A gente tem uma cultura histórica de passar a mão na cabeça, de querer acobertar e não aprofunda a crise. Se existe laudo falso ou se o laudo não é confiável, então pra que laudo?”, questiona Polignano sobre um dos pontos importantes de mudança que é a revisão do modelo de aprovação utilizado pelo Estado, já que tanto Mariana quanto Brumadinho tinham os seus laudos aprovados.

Rodrigo Lemos, presidente da Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC), endossa a fala do presidente do CBH Velhas sobre a necessidade de revisão do modus operandi do Estado. “O que aconteceu em Brumadinho a gente não pode mais chamar de acidente, de fatalidade. Temos que dar o nome certo que é de crime e nesse crime tem várias ausências. Tem a do empreendedor, mas tem também de um modelo que a gente optou por seguir de licenciamentos. Como que agora você consegue confiar em um atestado de barragem? Como você separa um bom empreededor de um mau empreededor?”, questiona Lemos.

“Desde a década de 80 aconteceram vários acidentes e eles vão sendo replicados, mantendo esse mesmo sistema de mineração. Agora podemos avançar um pouco mais. Acompanhei a tragédia da Samarco e dessa vez estamos acompanhando também. Muda o cenário ambiental, mas a tragédia humana é imensurável. Não temos noção de onde vamos chegar. Nem eles sabem [a Vale]. Eles tem os dados dos funcionários, mas uma parte da população nem vai aparecer”, desabafa o coordenador do Subcomitê Nascentes, Ronald de Carvalho Guerra.

Para o vice-presidente do CBH Rio das Velhas e integrante do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), Ênio Resende de Souza, é preciso rever esse dissociamento do licenciamento ambiental com os recursos hídricos, ainda mais sendo a mineração uma atividade intimamente ligada ao uso da água. “O nosso sistema não é integrado e isso é muito grave. Faz-se o licenciamento para uma mineradora de uma barragem, matando um córrego, matando um rio, sem consultar um Comitê. Existe o COPAM que cuida do licenciamento e existe o Conselho Estadual de Recursos Hídricos que cuida da gestão das águas de forma muito limitada. Eu acho tem que retomar a integração para o licenciamento ambiental com os recursos hídricos”, alerta o vice-presidente.

Durante a reunião também ficou decidido, em caráter de urgência, que a CTOC irá realizar o levantamento de todas as barragens que existem ao longo da bacia do Rio das Velhas, para que, com essas informações em mãos, sejam tomadas medidas burocráticas e legais à respeito dessas barragens.


Veja as fotos da reunião:


Solidariedade ao Paraopeba

Desde a tragédia em Brumadinho, o CBH Rio das Velhas e o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) decidiram prestar solidariedade ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba (CBH Rio Paraopeba), que não recebe recursos de cobrança pelo uso da água. Para tanto, foi concedida a estrutura física do CBH Rio das Velhas, na região central de Belo Horizonte (MG), para que a presidência e os outros atores envolvidos com o desastre pudessem se reunir e dar celeridade ao acompanhamento da situação do Rio Paraopeba.

Também foi organizada uma entrevista coletiva em Brumadinho (MG), na quarta-feira (30), com a participação do presidente do Fórum Nacional dos Comitês de Bacias Hidrográficas (FNCBH), Hideraldo Bush, do presidente do CBHSF, do presidente do CBH Rio das Velhas e do FMBH, Marcus Vinicius Polignano e do presidente do CBH Rio Paraopeba, Winston Caetano de Souza. O objetivo foi esclarecer para a imprensa sobre o trabalho desempenhado em conjunto pelos Comitês, o acompanhamento do monitoramento da qualidade da água do rio Paraopeba e a reivindicação para que o CBH Rio Paraopeba integre oficialmente as tomadas de decisões referentes ao processo de recuperação da bacia, além da cobrança por justiça do poder público e da empresa Vale, causadora da tragédia.

Serra da Piedade em risco

Protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o conjunto arquitetônico e urbanístico da Serra da Piedade, em Caeté (MG) está ameaçado pela mineração. A AVG Empreendimentos Minerarios S.A. entrou com pedido de autorização no Governo de Minas Gerais para voltar a explorar o local. Integrante do Subcomitê Poderoso Vermelho, Júlio Bernardes, propôs uma moção durante a reunião geral para que o CBH Rio das  Velhas, junto ao Movimento SOS Serra da Piedade, o Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM ) e a Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA Brasil e CSA Minas), se unissem para evitar que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) aprove o pedido de licença da empresa, impedindo que a atividade econômica possa causar ainda mais impacto ambiental, comprometendo nascentes e o acesso da água, que já é escasso na região. Atualmente, o licenciamento está adiado, porém ainda não foi retirado de pauta na secretaria. A moção foi aprovada por unanimidade.

Outra moção aprovada durante a Plenária foi relacionada ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho e as outras barragens de rejeito presentes no Rio das Velhas. Além de se solidarizar com a população atingida pelo desastre, os integrantes do comitê pedem responsabilização pela tragédia provocada pela empresa e a avaliação das barragens de rejeitos de alto potencial de risco no Velhas.

Veja o documento:

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Canalização do córrego Tejuco é aprovada

Após atender as ressalvas dos pareceres do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), da Agência Peixe Vivo e da Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC) do CBH Velhas, à respeito da canalização do córrego Tejuco na bacia do Ribeirão Arrudas para construção da Arena MRV, o novo estádio do Atlético – MG, os conselheiros do comitê aprovaram, por unanimidade, o pedido de outorga do empreendimento.


Veja a entrevista coletiva:

 




Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Michelle Parron / Fotografia: Ohana Padilha
comunicacao@cbhvelhas.org.br