Cobrança pelo uso da água: o que dizem os usuários

09/07/2024 - 14:19

Por toda a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, são muitas as atividades que contribuem para a economia local, estadual, nacional e, por vezes, internacional. Para muitas delas, a captação de água pode ser essencial para a produção: energia elétrica, agropecuária, mineração, saneamento, entre outros, são setores que necessitam captar grandes volumes de água para entregar seus serviços. Esses são os usuários de água da bacia, que, após obterem do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) a outorga para captação do recurso hídrico, passam a pagar pelo seu uso.


Esses recursos angariados são repassados para os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) através das Agências de Bacias. No caso do CBH Rio das Velhas, quem faz essa gestão é a Agência Peixe Vivo. A agência é responsável pelo apoio técnico em todo o processo de aplicação dos recursos da cobrança pelo uso da água, enquanto o Comitê decide como, quando e onde aplicar esses recursos. Por ser um CBH de gestão descentralizada nos Subcomitês, o uso dos valores arrecadados pelo Comitê do Rio das Velhas na cobrança geralmente segue as demandas apresentadas pelos conselheiros dos Subcomitês, pessoas com senso de pertencimento ao território e conhecedores das necessidades locais.

Sociedade civil, usuários, poder público… todos são beneficiados com as ações do Plano Plurianual de Aplicação (PPA) definido pelo Plenário do CBH Rio das Velhas. Os usuários, no entanto, são aqueles que pagam pelo uso da água e podem ver diretamente os benefícios que os recursos da cobrança lhes devolvem. Neste passeio pelo território da Bacia, conheça alguns desses usuários e veja o que eles pensam sobre a Cobrança pelo Uso da Água.

“Toma lá, dá cá”

Em Nova União, Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), Walter Caetano toca um empreendimento secular. Um dos dez filhos de Sérgio Caetano, ele faz parte da terceira geração que produz aguardente na Fazenda Vista Alegre. Hoje, sob o rótulo da Cachaça Germana, bebida artesanal conhecida internacionalmente, a produção de cachaça em sua propriedade depende da água para manter sua qualidade. “A gente não consegue produzir cachaça sem uma boa fonte de água. A água cumpre papel vital. A gente precisa de aproximadamente 15 litros de água para fazer um litro de cachaça. A água com a cachaça é uma relação muito íntima”, explica Walter. Em sua propriedade, Walter conta com cerca de 15 nascentes, das quais cuida com dedicação. Segundo ele, a Fazenda Vista Alegre, com mais de 100 hectares, preserva mais do que a legislação exige por ter consciência de que sem água, não há produção. “A legislação fala em 20% de preservação, nós temos quase 50% A gente preserva porque nós dependemos muito dessa água”.

Walter considera que a cobrança pelo uso da água é uma via de mão dupla: por preservar o meio ambiente e por pagar pela água que usa em sua propriedade, ele pensa ser justo que o usuário receba de volta benfeitorias. “Há que se cobrar pelo uso da água, indiscutivelmente, mas fazer com que parte desse recurso retorne para o produtor. A gente tem duas coisas a fazer: toma lá, dá cá”. A sub-bacia do Rio Taquaraçu, onde a propriedade de Walter está inserida, já recebeu diversos projetos hidroambientais, como recuperação de nascentes e matas ciliares degradadas e, especificamente em Nova União, um projeto, finalizado em 2023, para recuperação de nascentes em Áreas de Preservação Permanente (APPs), onde foram investidos mais de 1,5 milhões de reais.

“Pensar no coletivo”

Produtor de hortaliças no município de Caeté, na região do Médio Alto Rio das Velhas, Marcelo Nunes capta água num afluente do Ribeiro Bonito para irrigação. Conhecida na região, a Horta do Milton já foi reconhecida por sua sustentabilidade, recebendo, em 2023, o Prêmio do Produtor Rural Sustentável. Marcelo é um dos membros da Família Nunes, responsável pela horta. “Na minha produção rural, a importância da água é total, porque, sem ela eu não consigo produzir. Diferentemente de outros cultivos que podem ser regados pela chuva, eu tenho que irrigar realmente todos os dias”, conta Marcelo. Responsável pelo fornecimento de vegetais como alface e brócolis para Belo Horizonte, a Horta do Milton está situada numa área em que foi decretada o conflito pelo uso da água – o que significa que a demanda por água na região é maior do que a disponibilidade de recursos hídricos.

Nesse sentido, Marcelo reflete que o consumo de água precisa ser tratado coletiva e racionalmente. “Aqui nós estamos numa região de conflito pelo uso da água, ou seja, há pouca água para muitos usuários. Então, para conseguirmos continuar com a nossa produção, tivemos de adaptar bastante coisas para aumentar a nossa eficiência e diminuir o uso da água para conseguir continuar produzindo a mesma quantidade. Para reduzir o consumo de água, nós mudamos o nosso manejo e fomos atrás de novas tecnologias, reduzindo o desperdício na tubulação a quase zero”, comemora. Dessa forma, ele entende que a cobrança pelo uso da água é essencial nesse contexto. “O pagamento pelo uso da água, no meu ponto de vista, é essencial, porque graças a um Subcomitê do Rio das Velhas conseguimos fazer mudanças nas nossas propriedades, além de construir barraginhas e curvas de nível, o que aumentou bastante a água na nossa região. Não para a gente, mas para os vizinhos, porque produzimos a água mesmo para os vizinhos. Se a gente pensar no coletivo, não vai faltar água para ninguém. Com a cobrança, foi possível fazer vários programas aqui”, conclui.

“Brotando água onde não brotava”

Welton Silva é produtor de hortifruti na Fazenda Lagoinha, de 46 hectares. A propriedade fica a cerca de 30 km de Várzea da Palma, no Baixo Rio das Velhas. A produção de Welton fornece alimento para as escolas da cidade. Localizada na sub-bacia do Ribeirão Cotovelo, a fazenda utiliza água do lençol freático para a produção. Segundo Welton, a região foi intensamente desmatada há cerca de 30 anos. “As matas ciliares foram desmatadas há mais de 25, 30 anos, cerca de 70% da vegetação”. Além disso, devido à atividade pecuária e a plantação de eucaliptos, o solo da região é compactado, o que dificulta a infiltração da água, causando enchentes.

Welton celebra as intervenções de melhoria ambiental em estradas rurais que foram feitas em 2017 na Unidade Territorial Estratégica (UTE) Guaicuí, onde mora. O projeto construiu, nos municípios de Lassance e Várzea da Palma, 450 barraginhas, além de realizar o plantio de 700 mudas nativas, num investimento de quase R$ 1 milhão. Segundo ele, as águas do subsolo têm estado mais abastecidas e a quantidade de enchentes diminuiu desde então. “Serviu bastante. Tem muito lugar que tá brotando água, onde há 40 anos atrás não brotava. Essas barragens funcionam como um filtro, a água vai descendo e se infiltrando lentamente. Segura muito a água também, até quase o mês de junho. Quando vem aquela chuvarada de 50, 80mm em uma hora e meia, em duas ou três horas ela vai embora, vai carregando os adubos, desce para o povoado… até ajudou a diminuir as enchentes”, comemora.

“Os valores são muito pequenos em relação ao benefício”

Quem já participou de alguma atividade do CBH Rio das Velhas provavelmente já o conheceu. Antes de o Comitê do Rio das Velhas nascer, Ronald Guerra já estava atuando em defesa das águas. Carinhosamente chamado de Roninho, ele foi um dos caiaqueiros que percorreram o rio na expedição “Manuelzão Desce o Rio das Velhas”, em 2003, pelo Projeto Manuelzão. Hoje Vice-Presidente do CBH Rio das Velhas, Ronald é também produtor rural e usuário de água. Sua propriedade, RPPN Fazenda Nascer, em São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto, possui atividade de piscicultura, para o qual possui outorga. Além disso, ele possui também uma produção de doces, chamada “Vovó Pia Sabores Artesanais”. Na UTE Nascentes, região do Alto Rio das Velhas, onde se encontra a propriedade de Roninho, uma das principais pressões é a da mineração. Localizada no Quadrilátero Ferrífero, a UTE sofre com erosões e voçorocas causadas pelas atividades minerárias na região e que ameaçam os trechos mais altos do Rio das Velhas com assoreamento e contaminação com metais pesados. No entanto, o CBH Rio das Velhas realizou, entre 2017 e 2018, um projeto de revitalização de quatro microbacias da região, as dos córregos do Andaime, Jequiti, Afogador e São Bartolomeu, que também beneficiou sua propriedade.

“A cobrança é importante porque ela não significa muito no custo geral da propriedade. São valores muito pequenos em relação ao próprio benefício que a cobrança”, reflete Roninho. Para ele, a cobrança contribui para as políticas públicas de saneamento e abastecimento, num trabalho integrado entre o Comitê e os órgãos públicos. Quando o Comitê tem seus instrumentos implementados, tem uma gestão efetiva, fez o seu o seu plano diretor, isso tudo faz com que ele tenha maior vitalidade para construir todo esse processo da revitalização e faz com que ele possa trabalhar de forma mais integrada com os diversos setores institucionais para garantir essas políticas de revitalização. O valor cobrado não significa muito custo na vida do produtor. Mas significa muito resultado da construção de políticas públicas para a revitalização”, celebra.

Por fim, Roninho deixa um recado a todos os usuários. “Se a gente consegue trabalhar juntos, todos os produtores, todas as pessoas que possuem outorga, o setor produtivo, com certeza a gente vai conseguir fazer projetos e trabalhar muito mais para revitalização do próprio Rio das Velhas e um programa de fato mais sólido, que reverte para as propriedades, reverte para todo o sistema. O ganho é geral. O pensamento de que a outorga é uma cobrança que onera todo o meu sistema produtivo é um pensamento muito pequeno, porque muito maior é o resultado da aplicação desse recurso”, conclui.


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Leonardo Ramos
*Fotos: Ealter Caetano/Acervo pessoal; Leo Boi; Fernando Piancastelli