O perigo é iminente. No Brasil, 45 barragens das mais de 24 mil existentes, apontam risco de rompimento, segundo o último Relatório de Segurança de Barragens, publicado pela Agência Nacional de Águas (ANA) em 2018. O documento não esconde que outras bacias hidrográficas brasileiras estão ameaçadas. Com o objetivo de unir forças para exigir mudanças e evitar que aconteçam novas tragédias em outros Estados do Brasil, como os provocados em Minas Gerais pela Samarco (2015) e o recente rompimento da barragem da Vale na mina Córrego do Feijão, os comitês de bacias hidrográficas de todo país estiveram em Belo Horizonte, nos dias 12 e 13 de fevereiro, para 58º Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas.
Na presença de representantes do governo estadual, federal, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o presidente do Fórum Nacional de Comitê de Bacias, Hildebrando Buch, o presidente do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas (FMCBH) e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Marcos Vinícius Polignano, o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba (CBH Rio Paraopeba), Winston Caetano de Souza, a ativista ambiental do Movimento Pelas Serras e Águas de Minas Gerais, Maria Tereza Corujo e os integrantes de comitês de todo país trouxeram à luz suas preocupações e propostas para medidas urgentes que devem ser cobradas do poder público.
Mesa debateu os riscos das barragens de rejeito de Minas Gerais. Crédito: Michelle Parron
Foram propostos e elaborados documentos que questionam os procedimentos adotados atualmente nos licenciamentos ambientais para mineração; que cobram o esclarecimento da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Agência Nacional de Mineração (ANM) sobre a real situação das barragens em todo território nacional; que pedem o posicionamento de deputados e senadores com relação a criação e participação efetiva dos mesmos nas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) relacionadas à mineração; que exigem a criminalização da Vale pelo desastre ambiental com a barragem que se rompeu em Brumadinho (MG); que demandam a participação do CBH Rio Paraopeba no gabinete de crise para tomada de decisões à respeito da tragédia causada pela Vale na calha do rio.
“O Fórum Nacional de Comitês está aqui em Belo Horizonte, conjuntamente com o Fórum Mineiro, contribuindo nas propostas e nos encaminhamentos. Nossa maior preocupação agora é a recuperação e revitalização do rio Paraopeba e não vamos aceitar que o comitê do Paraopeba fique de fora de todas as discussões da revitalização e recuperação do rio”, afirma Hildebrando Bush, presidente do Fórum Nacional de Comitê de Bacias.
Bacias em alerta
Após o desastre com a lama de rejeitos que invadiu o rio Paraopeba, a bacia hidrográfica do rio São Francisco, curso d’água que percorre 2.300 km por cinco estados brasileiros, entrou em alerta. E não é para menos. São quase 200 km do Paraopeba que estão intoxicados com a queda da barragem Mina Córrego do Feijão, o que impossibilita o uso da água que está indo em direção ao São Francisco. “Temos uma intoxicação que é crônica e a gente entende que esse problema não diz respeito somente a Minas Gerais. É um evento nacional, já que compromete a bacia do São Francisco. E estamos aqui no Fórum de Comitês para trazer essa dimensão”, relata o presidente do FMCBH e do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinicius Polignano, sobre a importância da presença dos outros comitês no Fórum para colaborarem neste processo.
Anivaldo Miranda, presidente do CBHSF, cuja bacia é responsável por abastecer 70% da região Nordeste do Brasil, preocupa-se com as águas que vão chegar no lago de Três Marias, local onde o rio Paraopeba deságua no São Francisco. “Um desastre como esse, que comprometeu um rio de grandes dimensões e da importância como é o Paraopeba, afeta todo mundo. Nós estamos preocupados porque há outras barragens que, se desmoronarem, poderão atingir o São Francisco com muito mais gravidade e não podemos correr esse risco”, alerta o presidente.
Presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda (à esquerda). Presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano. Crédito: Michelle Parron e Ohana Padilha
Monitoramento revela instabilidade dos rejeitos
Responsável por realizar o monitoramento diário das condições da água do Paraopeba, seu nível de contaminação mineral e a velocidade com que o rejeito avança pelo curso d’água, todos os dias o IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) publica em seu site a evolução dessas análises. Segundo Marília Carvalho de Melo, diretora geral do órgão, como a barragem não estava em operação desde 2016, o rejeito apresentava uma consistência mais seca, o que está provocando um movimento mais lento pela calha do rio. Mesmo assim, as notícias do IGAM não são otimistas: “a gente viu que não estava caminhando tão rápido e que mais pra frente a turbidez desaparecia, só que esses sólidos não desaparecem, eles estão sendo depositados no fundo do rio e temos que avaliar, com cuidado, como isso vai permanecer ao longo do tempo, porque com chuvas maiores esse rejeito pode ser revolvido e voltar a aparecer na água”, explica a diretora.
Marília Melo, diretora geral do IGAM, fala sobre o monitoramento de água em trechos do rio Paraopeba. Crédito: Ohana Padilha
Em relação aos metais presentes nas análises da água, o IGAM explica que foram encontrados ferro, manganês e alumínio que são característicos do próprio rejeito. Nos primeiros 20 km, após o rompimento da barragem, a preocupação do órgão foi por ter encontrado mercúrio, cromo e chumbo, informação que foi levada a Secretaria de Estado de Saúde e motivou que o Estado suspendesse o uso de água bruta ao longo do Paraopeba até o município de Pará de Minas. Alguns metais já não aparecem mais nas últimas amostras, mas o chumbo permanece.
Veja as fotos dos dois dias de evento do Fórum Mineiro de Comitês:
CBH Rio Paraopeba no centro das decisões
Preocupados com as decisões tomadas em esfera pública com relação a recuperação da bacia do rio Paraopeba, os presidentes do CBH Rio Paraopeba, do CBH Rio das Velhas e do CBH Rio São Francisco elaboraram um ofício, ainda no dia 28 de janeiro, endereçado ao MPMG, ao atual governador do Estado, Romeu Zema, à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) e ao IGAM, solicitando que o comitê do Paraopeba integrasse as discussões e decisões sobre revitalização da bacia.
Para Winston Caetano, presidente do CBH Rio Paraopeba, o comitê age na ponta, junto com a população, e tem o papel de informá-la. Atualmente são 72 membros divididos em quatro segmentos (poder público estadual, municipal, usuários de água e sociedade civil) que conseguem ter um olhar mais próximo com relação as soluções mais apropriadas para a bacia.
“Em um momento desses que é a construção do nosso Plano Diretor [de Recursos Hídricos], eu espero que a gente esteja na ponta dessas decisões e das soluções a serem tomadas. Uma das nossas preocupações é agir para que não aconteça o que aconteceu com o comitê do Rio Doce com o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana. O comitê ficou, praticamente, fora das decisões tomadas. E um comitê, até mesmo pela sua lei de criação, deve ser o protagonista da bacia. Nossa preocupação é de estar inserido no processo desde o início”, explica o presidente que se preocupa por ainda não ter recebido um retorno oficial dos órgãos em relação ao pedido contido no ofício.
Moradores do lago de Três Marias querem urgência da Vale e do poder público
Para conter a ansiedade e esclarecer os moradores dos municípios no entorno do lago de Três Marias, que seguem preocupados com os impactos da chegada dos rejeitos da queda da barragem da Vale em Brumadinho, o CBHSF organizou, no dia 4 de fevereiro, um encontrou em Felixlândia que os prefeitos representando os municípios da região, piscicultores, pescadores, agricultores, comunidades tradicionais, ribeirinhos, empresas de abastecimento, usuários e a sociedade civil para que o poder público e a empresa Vale prestassem esclarecimentos à população.
Na oportunidade, foi gerada a Carta de Felixlândia, que cobra da Vale ações imediatas de monitoramento e contenção dos contaminantes, com uso da melhor tecnologia nacional e internacional para impedir a pluma de rejeitos que se desloca pelo rio Paraopeba. Também solicita um plano alternativo como a construção de diques ou barreiras filtrantes a jusante da usina Retiro Baixo para evitar que o material contaminado chegue à represa de Três Marias. E o apoio do governo federal (ANA, Codevasf), do governo estadual (SEMAD, IGAM), do Ministério Público Federal, do Ministério Público Estadual, e também aos poderes constituídos, para que atentem a recorrente problema com barragens e com a impunidade dos crimes ambientais.
“Hoje, em Três Marias, há uma grande preocupação. Só no lago oito cidades dependem do turismo e da psicultura, sem contar com as atividades agrícolas. Essa gente está super preocupada. O que aconteceu em Mariana e Brumadinho pode se repetir e envolve a bacia do São Francisco. Olha quantas barragens nos temos no rio das Velhas, no rio Paraopeba e em Paracatu. Se algo como isso acontece em Paracatu, por exemplo, adeus São Francisco. Nossa responsabilidade é muito grande e pede ações de todas as frentes”, explica Altino Rodrigues Neto, integrante do CBHSF na região do Alto São Francisco.
Altino Rodrigues Neto, integrante do CBHSF na região do Alto São Francisco (à esquerda). Winston Caetano, presidente do CBH Rio Paraopeba (à direita). Crédito: Michelle Parron e Ohana Padilha
“Será que vai ter que matar todos os nossos rios e 100 mil pessoas para que o setor minerário pare?”
Durante o encontro do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas, os participantes entenderam que é de fundamental importância pressionar o Congresso Nacional sobre a mudança na legislação ambiental atual. Ao contrário de se flexibilizar as leis, é preciso tomar medidas mais efetivas e mudanças estruturantes com relação ao procedimento adotado para licenciamento de barragens.
Representante da sociedade civil na câmara técnica do Conselho Ambiental de Minas Gerais e integrante do Movimento pelas Serras e Águas de Minas Gerais, Maria Tereza Corujo, a Teca, acompanha os licenciamentos e a situação das barragens no estado de perto. A ativista relembra que, após o rompimento da Samarco, ela e muitos outros tinham a esperança de que aquele evento seria um divisor de águas na forma de tratamento da mineração como atividade econômica, mas isso não aconteceu. “Nós ficamos três anos testemunhando a impunidade, a não mudança das normas e um gravíssimo retrocesso das nossas normas ambientais. Será que vai ter que matar todos os nossos rios e 100 mil pessoas para que o setor minerário pare?”, desabafa a ativista.
Para Polignano, presidente do FMCBH e do CBH Rio das Velhas, é fundamental a mudança na legislação de segurança barragens. “O que nós queremos é que se mude a legislação em nível nacional, que se instale as CPIs no Senado e na Câmara Federal, para que se apure não só as responsabilidades, mas as fragilidades todas da legislação que permitiram que essa situação criminosa acontecesse em Minas Gerais”, afirma.
No próximo encontro do Fórum Nacional de Comitês de Bacia que será realizado em Fortaleza (CE), o presidente do FNCB, Hildebrando Bush, explica que a proposta é que se monte um grupo de trabalho que irá até o Congresso Nacional para discutir a legislação a respeito dos barramentos. “Há muita flexibilização nessa lei e não podemos deixar isso acontecer, porque são vidas que morrem, são animais que morrem, é a biodiversidade que morre e é um leito do rio que está morrendo”, aponta.
Maria Tereza Corujo, a Teca, representante do Conselho Ambiental de Minas Gerais e integrante do Movimento pelas Serras e Águas de Minas Gerais (à esquerda). Hideraldo Bush, presidente do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas. Crédito: Michelle Parron e Ohana Padilha
O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, completa que durante o Fórum Nacional também será feita a proposta para que os comitês apelem para que Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara, analise todos os projetos de lei que tratam da questão da segurança de barragens. “Esperamos que se crie uma comissão para analisar esses projetos que estão tramitando e que a gente tenha, de forma mais célere, uma legislação que seja cumprida e que evite novos eventos como este. O Brasil não pode se dar o luxo de, todo ano, perder um ecossistema, além das vidas humanas”, explica Miranda.
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