Você já imaginou um teatro construído em um curral? Localizado a 25 km do centro de Santa Luzia, o distrito de Taquaraçu de Baixo guarda um tesouro – o Teatro Rural São Francisco, cuja trajetória inicia-se em um curral na década de 1950.
Em julho de 1954, o jovem Raimundo Nonato da Costa deixava o seminário na capital Belo Horizonte e voltava a viver na região de Santa Luzia. Neste mesmo ano, Raimundo foi convidado para lecionar aulas de música em Taquaraçu de Baixo, com o objetivo de formar uma banda na localidade. Porém, Du, como era chamado o seminarista Raimundo, decidiu montar uma peça de teatro a ser encenada pela própria comunidade. A peça recebeu o nome de “Mundo Velho sem Quintino” e estreou em 28 de agosto de 1954.
O local utilizado para a apresentação do espetáculo teatral foi bastante inusitado – o curral de uma fazenda. Mas, a iniciativa lançou a semente que levaria à edificação do Teatro Rural São Francisco na comunidade. Segundo dona Nadir Torres Lima, moradora do povoado há mais de 60 anos e sobrinha de Nelson Gonçalves Marques, proprietário da fazenda onde foi construído o teatro, a plateia se posicionou na cocheira e o compartimento dos bezerros recebeu o palco. “Os assentos para a plateia eram de tábuas escoradas em tijolo ou bancos levados pelos moradores do lugarejo. Os camarins eram de lençóis, o pano do palco (cortina) improvisado, o ponto (o que “sopra” o texto) bem disfarçado. O recinto ficou superlotado com gente assentada nas ripas do curral e de indivíduos em pé… O curioso local (curral) abrigou, mais ou menos um mês depois, outro espetáculo” conta.
O sucesso das apresentações levou Nelson Gonçalves Marques, então proprietário da fazenda, a reunir a comunidade de Taquaraçu e propor a construção de uma casa de teatro, que seria erguida num terreno doado ao lado de sua residência, através de um mutirão. Segundo Dona Nadir, embora com dificuldades de visão, seu tio Nelson idealizou a planta da casa e coordenou a obra, pois era o único da região que conhecia um teatro. O pedreiro responsável foi Edgard Batista e os serviços de carpintaria ficaram a cargo de José Cândido, mais conhecido como Zé do Lobo.
O terceiro espetáculo teatral já foi apresentado na casa ainda não terminada do Teatro Rural São Francisco. Em outubro de 1954, a mobilização comunitária garantiu a conclusão da obra.
Em 1955, o jovem Raimundo voltava à capital mineira para estudar Direito, deixando um legado que frutificaria naquela comunidade onde atuou por poucos meses. Zé do Lobo, aquele que cuidara da carpintaria do teatro, apaixonado pelas artes cênicas, tornou-se uma espécie de patriarca do teatro. Outros moradores tornaram-se roteiristas e dramaturgos e o teatro passou a fazer parte do cotidiano da comunidade de Taquaraçu de Baixo, numa mistura de talentos populares, dedicação e simplicidade.
Interior do Teatro Rural São Francisco, na comunidade de Taquaraçu de Baixo, em Santa Luzia. Crédito: Fernando Piancastelli
O teatro
O Teatro Rural São Francisco foi construído na proximidade de onde os rios Taquaraçu e das Velhas se encontram. É uma edificação simples e rústica, com capacidade para cerca de 150 pessoas. Possui bancos de madeira e uma leve inclinação que garante boa visibilidade para a plateia. É importante ressaltar que a casa de Nelson Gonçalves Marques, sede da antiga fazenda, sempre foi utilizada como ponto de apoio pelos artistas.
Dona Nadir conta que no final da década de 1990, o Teatro São Francisco foi devastado por uma enchente de grandes proporções, ficando desativado por um longo período. No ano de 2007, a Prefeitura Municipal de Santa Luzia promoveu a restauração da edificação, procurando manter suas características originais. As portas do teatro foram reabertas com um novo espetáculo.
Segundo pesquisas históricas, o teatro de Taquaraçu de Baixo é um dos únicos exemplares do mundo que apresenta características rurais. Por meio do Decreto nº 2.131/2008, o Teatro São Francisco foi tombado em nível municipal, passando a integrar oficialmente o patrimônio cultural da cidade de Santa Luzia.
Teatro Rural São Francisco foi construído na proximidade do encontro entre os rios Taquaraçu e das Velhas. Crédito: Fernando Piancastelli
Recebeu o nome de São Francisco, pois quando foi terminada a edificação da sede do teatro, a família de Manoel Gonçalves veio de Portugal, trazendo uma imagem de São Francisco de Assis para ser o padroeiro das terras. Então, foi edificada uma capela em dedicação ao santo padroeiro na localidade que foi destruída, em 1807, por uma grande enchente. Por isso, a imagem de São Francisco foi enviada para o povoado de Lagoa Santa até que uma nova capela pudesse ser construída.
Somente em 1907 uma nova igreja foi erguida em terras doadas para este fim. A imagem de São Francisco finalmente voltou à região, onde eram realizados festejos em sua homenagem. Em 1972, foi edificada a terceira capela que ainda hoje permanece.
“O teatro representa tudo para os mais antigos da nossa comunidade: história, alegria e fé em um mundo melhor. Agora, trabalhamos junto às escolas para que a cultura teatral não acabe. Talento é o que não falta nas nossas crianças”, conta Dona Nadir que apesar de agora também não enxergar mais continua a contar a história do teatro e a escrever peças para as crianças encenarem.
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A comunidade
A comunidade de Taquaraçu de Baixo mantém seu ambiente rural, com diversas áreas de fazendas e agricultores familiares. No entanto, o que mais chama atenção é o fato da comunidade fazer teatro no meio do mato à cerca de 80 anos. São quatro gerações de atores, escritores, artistas que vem sustentando esta história de amor com o teatro. Atualmente, a comunidade conta com aproximadamente 120 famílias.
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Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas
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