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COP 30 e a corrida contra o relógio

03/11/2025 - 12:01

Pela primeira vez na história, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (conhecida também por Conferência das Partes ou, simplesmente, COP) acontecerá no Brasil. O evento em Belém (PA), de 10 a 21 de novembro, será o 30º encontro global anual de líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil para discutir ações de combate às mudanças do clima.


A pauta principal da COP 30 inclui: 1. Redução de emissões de gases de efeito estufa (os GEEs); 2. Adaptação às mudanças climáticas; 3. Financiamento climático para países em desenvolvimento; 4. Tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono; 5. Preservação de florestas e biodiversidade e 6. Justiça climática e os impactos sociais das mudanças climáticas.

Os debates coincidem com um momento dramático. Estudos científicos apontam que o planeta já ultrapassou sete dos nove limites que servem de indicadores para a segurança do sistema terrestre: temperaturas globais, perda de biodiversidade, uso de água doce em volumes muito além da capacidade natural de reposição, excesso de fertilizantes a prejudicar rios e mares, poluição química, desmatamento e acidificação dos oceanos. Apenas os índices de poluição do ar e camada de ozônio permanecem dentro de uma zona ainda segura, situação que eleva radicalmente o risco de colapsos ambientais de toda ordem, ameaçando ecossistemas inteiros e a vida humana.

Os drásticos resultados do adoecimento global já se fazem sentir há tempos também aqui entre nós, habitantes da bacia do Rio das Velhas. Repetidos casos de vulnerabilidade hídrica [com decretos de escassez em várias sub-regiões e risco de desabastecimento da própria Região Metropolitana de Belo Horizonte]; a mais prolongada seca vivida pela capital desde 1963 – 172 dias –, com a decretação de estado de emergência em outras 137 cidades mineiras; as inundações de 2022; a superexploração das águas subterrâneas; o calor cada vez mais intenso; a profusão de incêndios de 2024… É grande o rosário de penas.

Rumo ao fundo

No entanto, quando seria de se esperar que todos os segmentos da sociedade estivessem firmemente comprometidos com a busca e a produção de soluções, muitos atores essenciais – pelo peso econômico e/ou poder político – preferem imitar o avestruz e enfiar a cabeça no chão, fugindo da realidade.

Recentemente, a destruição de florestas e dos demais biomas, o abuso de venenos agrícolas, a mineração predatória e outros ataques similares chegaram a ganhar autorização na forma da lei, pelo chamado PL da Devastação, de número 2159/2021. Aprovado nas duas casas do Congresso Nacional, o texto flexibiliza regras do licenciamento ambiental e fragiliza a proteção do meio natural, incluindo as bacias hidrográficas.

Dentre os absurdos embutidos na lei, figuravam a ampliação do uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) inclusive para empreendimentos de médio impacto, por meio de autodeclaração e sem análise técnica prévia; a desvinculação completa entre licenciamento ambiental, outorga para uso da água e regularização do solo, enfraquecendo a gestão integrada e aumentando o risco de degradação e conflitos; o enfraquecimento da atuação de órgãos técnicos como Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), cujas manifestações perderam o poder de veto.

Para a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a lei, tal qual saiu do Legislativo, representava o maior retrocesso ambiental desde a redemocratização e era incompatível com os compromissos do Brasil no Acordo de Paris (tratado internacional sobre mudanças climáticas firmado em 2015 por 195 nações durante a COP 21). O físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos principais cientistas do IPCC (Painel Climático da ONU), afirmou que “essa lei modifica, para pior, todo o processo de licenciamento ambiental no nosso país, instrumento que o Estado tem para proteger os bens públicos: nossos rios, florestas e o ar que respiramos”.

O Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) também repudiou a aprovação. “Consideramos esta proposta um retrocesso sem precedentes na política ambiental brasileira (…). (Ela) desmonta os pilares do licenciamento ambiental no país, ignorando deliberadamente a gravidade da crise climática, os compromissos assumidos pelo Brasil em tratados internacionais e os princípios constitucionais que garantem o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, destacou a nota pública.

A lei foi sancionada pelo presidente Lula com 63 vetos, que, entre outros efeitos, evitaram a implementação da licença automática, reforçaram a proteção de áreas sensíveis e mantiveram a exigência de estudos de impacto ambiental para projetos prioritários. O governo federal, porém, avalizou a Licença Especial Ambiental, processo simplificado para obras de infraestrutura consideradas de grande importância para o país, decisão criticada por ambientalistas e estudiosos do assunto.


Biomas como a Mata Altântica e o Cerrado, predominantes na bacia do Rio das Velhas, podem ser diretamente afetados pelo chamado ‘PL da Devastação’


Em Minas

Em terras mineiras, o “liberou geral” vem de antes. Olhos míopes e ouvidos moucos de órgãos responsáveis por aplicar as leis de defesa ambiental já são aliados antigos da degradação. Em setembro, a Operação Rejeito, da Polícia Federal, flagrou cenas de corrupção explícita envolvendo, na ponta pagadora, uma quadrilha de mineradores e, na receptora, altos servidores estaduais.

Além de descalabros criminosos, a via legal anda igualmente mal. Propriedades rurais de até 1 mil hectares, voltadas à pecuária extensiva e ao cultivo de lavouras anuais, já estão dispensadas de licenciamento ambiental. Além do setor agropecuário, empreendimentos em geral poderão passar por processos de licenciamento mais simplificados mesmo para projetos localizados em áreas com vegetação considerada muito importante para a conservação da natureza.

O professor Klemens Laschefski, do Instituto de Geociências (IGC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi direto: “O que está em curso é a desconstrução do Sistema Ambiental do Estado de Minas Gerais. A flexibilização não visa ajudar os pequenos produtores, mas blindar os grandes empreendimentos de suas responsabilidades socioambientais”, afirmou.

Água pouca, meu latão primeiro?

A adaptação do antigo ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro” serve para traduzir o enorme risco social embutido na possiblidade real de escassez. Estudo dirigido pelos engenheiros Euler Cruz e Marcia Boechat e financiado pela Plataforma Semente, do Ministério Público Estadual, revela redução de 13,26% na vazão do Alto Rio das Velhas nos últimos 26 anos – e algo como 30% a menos em 50 anos.

Além disso, as mudanças climáticas fizeram com que o período seco, de maio a setembro, apresentasse queda nas precipitações durante o mesmo intervalo analisado e, consequentemente, menor aporte hídrico. Vale lembrar que 71% da população da capital depende das águas do Velhas, assim como 45% dos moradores da RMBH.

As águas subterrâneas – que representam nada menos do 97% de toda a água doce líquida do planeta – são outro ponto de forte preocupação, principalmente no nosso Aquífero Cauê. Dissertação de Celina Cenni de Castro Magalhães, apresentada em janeiro de 2023 ao Programa de Pós-Graduação em Geologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), debruçou-se com lupa sobre esse aquífero e concluiu, em estudo abrangendo o intervalo de 1999 a 2019, que o volume bombeado na área correspondeu a cerca de uma vez e meia a reserva renovável. “Isso significa que enquanto o aquífero é recarregado com uma vazão média de 3.082 m3/h, bombeia-se cerca de 4.680 m3/h”, diz a pesquisa.

Ainda é tempo?

José Carlos Carvalho, ex-ministro do Meio Ambiente, constata: “A maioria dos países, o Brasil entre eles, não está preparada”, e completa: “Por razões históricas, nossas cidades foram planejadas para não serem resilientes. A urbanização tradicionalmente se deu nos fundos de vale inundáveis e nos morros com risco geológico”.

Júlio Pedrassoli, coordenador de Áreas Urbanas do MapBiomas, rede formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia, condena “a ocupação em áreas de risco nos centros urbanos”. Segundo Pedrassoli, “de 1,2 milhões de hectares de área urbanizada em 1985, passamos a 3,7 milhões em 2022, mas a área de favelas quadruplicou e a ocupação em alta declividade quintuplicou”.

Na maioria das principais cidades da bacia do Rio das Velhas, a situação tampouco alivia: o percentual das áreas de risco sobre o total da zona urbana chega a 14,1% em BH, 18,1% em Nova Lima, 18,5% em Santa Luzia, 27,9% em Sabará e 32,9% em Vespasiano, conforme dados do MapBiomas. Carvalho acrescenta: “Os custos de adaptação são altíssimos, com um mal adicional: os problemas urbanos são desigualmente distribuídos, na imensa maioria quem está nos vales e nos morros é a pobreza”.

Euler Cruz é cortante: “Já estamos no mato sem cachorro. Se os governos se decidirem a agir, é preciso adotar agora as providências possíveis para diminuir os efeitos das catástrofes que certamente virão. A primeira é ampliar a reservação de água, pois o rio não vai parar de secar”. Na sequência, o engenheiro lista a “redução e eliminação do lançamento de esgoto in natura”, a “limitação de bombeamento de águas subterrâneas ao volume que a chuva repõe” e a “recuperação de áreas degradadas” (florestas, matas ciliares, nascentes).


Valter Vilela e Apolo Heringer falam sobre cenário da política ambiental brasileira no qual a COP30 se insere 


O fundador do Projeto Manuelzão e designado “embaixador” da Meta 2034 pelo CBH Rio das Velhas, Apolo Heringer Lisboa, pontua: “A moda é atribuir tudo às mudanças climáticas para livrar caras humanas da responsabilidade pela produção das tragédias. Quem produz a mudança do clima no Brasil é sobretudo o desmatamento. Se não houver a Meta 2034, a situação só fica pior”.

E continua: “Quando se fala em seca histórica, diria que ela tem raiz na década de 1970, na ditadura. O Brasil começa a exportar soja, celulose, milho, carne, os hidronegócios. Surge a seca subterrânea. Não é a seca dos retirantes, de Portinari, é seca apesar da chuva. A irrigação representa 70% da água retirada para uso humano”.

Para Valter Vilela, presidente do CBH Rio das Velhas, “o objetivo da COP 30 é avançar nas negociações globais para conter o aumento da temperatura média do planeta”. O evento, diz, “será uma ótima oportunidade de impulsionar ações factíveis contra as mudanças climáticas”. Ele espera “que os países avancem na criação de um Fundo que garanta recursos financeiros para o enfrentamento das mudanças climáticas”.

O Comitê tem feito o que pode para minimizar os efeitos das mudanças climáticas. Em seu Plano Plurianual de Aplicação (PPA), priorizou, entre outras providências, os projetos hidroambientais de conservação e produção de água. Mas Vilela sabe que “somente por meio de ações coordenadas, educação ambiental e programas efetivos de revitalização das bacias hidrográficas será possível assegurar um futuro sustentável”.


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Fotos: Bianca Aun, João Alves, Miguel Aun e Ohana Padilha