CTOC aprova parecer que atualiza metodologia de cobrança pelo uso da água

09/03/2023 - 15:17

Em concorrida reunião realizada no Dia Internacional da Mulher (08/03), a Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC) do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) aprovou, por maioria e após intenso debate, o parecer da Agência Peixe Vivo que atualiza a metodologia de cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia do maior afluente do Velho Chico.


A participação ativa no evento online, além dos componentes da CTOC, de três integrantes da Diretoria do Comitê, de um diretor e de técnicos do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) e de representante do setor agropecuário mineiro deu a medida da importância do tema e enriqueceu a tradição democrática do CBH Rio das Velhas.

Na abertura, o secretário do Comitê, Marcus Vinícius Polignano, delineou os objetivos do debate: “Todo esse movimento é para cumprir deliberação do estado de adequar os PPUs [Preços Públicos Unitários]. Os nossos já têm 12 anos, lá atrás era uma situação, agora é outra”. E emendou: “A arrecadação é para dar suporte ao plano de sustentabilidade dos Velhas, e para que a água – um bem econômico – seja usada de modo mais conservativo e racional”.

Polignano frisou ainda o conceito utilizado nos estudos que embasaram a atualização: “O tratamento equitativo dessa cobrança não é tratar todos por igual, é tratar os diferentes segundo suas capacidades. Estamos na bacia com maior PIB do estado e precisamos de alternativas que digam da valoração real desse bem essencial”.

Apresentação

O gerente de Projetos da Agência Peixe Vivo, Thiago Campos, fez um breve histórico do processo de aprimoramento do mecanismo de cobrança, iniciado com a edição da Deliberação Normativa nº 68, do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH-MG), que estabeleceu critérios e prazos para a implantação ou atualização da cobrança pelo uso dos recursos hídricos em bacias hidrográficas de Minas Gerais.

Seguindo as novas normas, o CBH Rio das Velhas, por meio da Agência Peixe Vivo, contratou consultoria em fevereiro de 2022 para desenvolver estudos de aprimoramento dos mecanismos e valores da cobrança. A proposta resultante foi apresentada e debatida em reuniões com os diversos usuários de água – setores de saneamento, mineração, indústria e agropecuária –, promovidas entre 24/11 e 02/12/22.

Campos, que caracterizou o trabalho como “muito robusto”, justificando “muito bem a motivação dos valores”, detalhou as contribuições de cada um dos setores, colhidas nessas reuniões, e os motivos de sua absorção ou não pelo parecer final. Compartilhou, ainda, simulações que demonstraram o reduzido impacto da nova metodologia sobre os custos de cada segmento: “Os valores são perfeitamente compatíveis com a prática de outras bacias e estão muito longe de comprometer o negócio”. Segundo ele, no CBH do Rio São Francisco, a atualização foi “perfeitamente assimilada pelos usuários, e a inadimplência gira em torno de 10%”.

Debate

Rodrigo Lemos, da CTOC e coordenador da reunião, representante da sociedade civil pela ONG ProMutuca, elogiou o fato de que a proposta “concentra a arrecadação na área urbana [em grandes usuários com maior capacidade financeira], o que é muito positivo”.

Guilherme Oliveira, da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG), resumiu a opinião da entidade: “Com a DN nº 68 já estamos tendo avanços muito grandes em relação à cobrança atual. Nosso setor não se sente confortável. A discussão da DN nº 68 foi muito desgastante, já incorporou o IPCA, o valor não vai ficar mais estático. Vamos esperar um tempo. A pancada vai ser muito alta”.

Adriel Palhares, membro da CTOC pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), foi na mesma linha: “A sugestão era manter os valores da DN nº 68, mas a FIEMG fará uma nova proposta. Entendemos a necessidade de manter as faixas, mas procurando o meio termo, com o menor volume [de consumo] utilizando o valor fixo da DN nº 68 e, nas faixas maiores, com acréscimo de 10%, um meio termo que seja bom para os usuários e para a bacia”.

Sobre o mecanismo de taxar o rebaixamento de lenções freáticos da mineração, Palhares argumentou: “É preciso reavaliar a vazão de reposição. A mineração faz o rebaixamento, mas parte da água é devolvida, é um simples manejo. Não faria sentido taxar o que não se usa”.

A análise de Thiago Santana, Diretor de Gestão e Apoio ao Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos do IGAM, trouxe outros parâmetros sobre o rebaixamento: “A cobrança é pelo uso. A captação é feita para rebaixar, para lavrar e extrair o minério”. E acrescentou: “Nem toda reposição advém do próprio rebaixamento, há casos em que há poços para reposição e casos de quem paga caminhões-pipa, paga para terceiros, mas não paga para o meio ambiente. É uma ilegalidade, além de imoral”.



Uso racional

Silvana Vaz, também da Câmara Técnica e representante da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), informou que “o setor de saneamento fez várias reuniões e o que se percebeu é que teria um acréscimo de 150 % sobre o que é cobrado hoje, recaindo sobre o consumidor final”. Ela propôs que se chegasse “a um denominador comum aceitável para todos os setores”.

Wagner Oliveira, da Gerência de Instrumentos Econômicos de Gestão (GECON) do IGAM, foi direto ao ponto: “A cada R$ 10 mil em receita bruta ou líquida do empreendimento, nem R$ 1 será destinado à cobrança”. E perguntou: “O que é R$ 1 perto de R$ 10 mil de receita? O impacto é ínfimo. A inflação acumulada de 2010 até hoje é de mais de 80% e o proposto pelo CERH não repõe essa inflação. O objetivo principal é o uso racional, e esses valores ainda não cumprem esse objetivo”.

Tarcísio Cardoso, que integra a Câmara Técnica e representa a ONG ACOMCHAMA, manifestou sua “emoção de ver esse debate” e ressaltou a “obrigação de todo ser humano de olhar para a questão” dos recursos hídricos e do meio ambiente: “Não se pode focar só no ‘eu vou poder ganhar ali’. Se for assim, quem vai perder é o planeta”.

Conclusões

Lemos salientou as atribuições da CTOC: “Qual será nosso papel? Responder se os estudos estão tecnicamente fundamentados, se os estudos comprovam a ausência de impacto significativo sobre os setores. Alguém tem documentos técnicos e metodológicos a apresentar que comprovem a inconsistência [do parecer]? O processo foi válido?”.

Polignano propôs colocar em votação o parecer da Peixe Vivo, que “já incorporou propostas, como do Saneamento. O parecer da Agência é consubstanciado”. E completou: “O setor da indústria praticamente não será afetado, pois a maior parte capta água do sistema de abastecimento. No agro, a arrecadação será de R$ 600 mil, R$ 800 mil por ano. Mais de 90% do setor não vai pagar nada. A Copasa lucra com a água que capta do rio, sua matéria prima maior, e ganha mais dinheiro nesse processo. Sobre a mineração: quanto valia o minério há 10 anos e quanto vale hoje? Dizer que a água volta pra bacia não é fato, porque destrói a canga, o sistema de armazenamento. A água é um bem cada vez escasso, o Convazão todo ano luta para que não falte água na RMBH”.

Ao final, a CTOC, reconhecendo que os estudos técnicos foram metodologicamente fundamentados, se aprovou, por quatro votos a dois, o parecer que atualiza a metodologia de cobrança pelo uso da água. O processo segue agora para exame da Câmara Técnica Institucional e Legal (CTIL) antes de ser levado à decisão terminativa da Plenária do CBH Rio das Velhas.


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Foto: Leonardo Ramos