Documentário independente registra histórias de moradores das margens do Ribeirão Onça

28/04/2025 - 10:55

O filme Arrancados das Raízes, vivências de um território vulnerável registra depoimentos de ex-moradores próximos ao Ribeirão Onça em meio ao processo de desapropriação de áreas de risco. Mais de 900 famílias já foram transferidas de suas casas por conta do histórico de inundações nas margens do afluente do Rio das Velhas.


Por meio de entrevistas, reportagens e fotografias pessoais, o filme conta histórias de quem vivenciou na pele os dias de perda causados pelas inundações, mas também viu sua luta por dignidade gerar frutos. Margareth Vilete, ex-moradora do Ribeirão Onça, conta no documentário um pouco da luta que travou. “Já estava insalubre para a gente. Eu e meus vizinhos estávamos revoltados porque todo mundo estava na mesma situação. Fechamos a BR e chamamos a atenção do Poder Público para cá. A gente não tinha tempo para esperar uma outra inundação chegar”.

O filme foi produzido por João Vitor Fagundes, em parceria com o amigo e colega de faculdade, João Vilete – ambos moradores do bairro Ribeiro de Abreu desde a infância. Os dois decidiram colocar suas vivências em um território vulnerável como tema central do seu trabalho de conclusão de curso nas áreas de Design e de Arquitetura e Urbanismo na UNA.

“Eu sempre vi a nossa voz intermediada por outra pessoa, sabe? Eu tive a chance de poder contar a minha própria história, do meu próprio ponto de vista como morador de um espaço periférico que sofria com essas inundações, sem ser intermediado por ninguém. (…) Após o processo de desapropriação, eu sentia que as histórias dessas pessoas estavam sendo apagadas, então foi um processo de recuperação, de retomada e valorização dessas histórias”, explica João Vilete.

Além do desejo de registrar as memórias de familiares, amigos e conhecidos, os jovens sonham com a revitalização do Ribeirão Onça. “Nós dois sempre nos preocupamos com a questão ambiental. A gente sempre gostou de trilhas, cachoeiras e saber que a gente tem a possibilidade de ter isso praticamente no quintal de casa mexe com a gente”, conta João Fagundes.

O documentário está disponível no YouTube e foi exibido para os moradores no evento anual do bairro, o Natal do Onça. O filme soou como um resgate da memória das comunidades. “O impacto veio mesmo quando a gente lançou o filme oficial com algumas cenas e depoimentos extras. Outras famílias que a gente não pegou no documentário se sentiram muito representadas e muito felizes de ver as histórias sendo contadas ali. Alguns me mandaram mensagem falando que o documentário os fez lembrar de coisas que já tinham esquecido”, conta João Fagundes.


Moradores acompanharam exibição do filme no ‘Natal do Onça’


Assista aqui ao filme na íntegra:


Território vivo

Carla Wstane é membro do Conselho Municipal Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Comupra), agente fundamental de mobilização no bairro, e participa do Subcomitê Ribeirão Onça. Seu vínculo com a causa e o território se moldou há muitos anos e ela ressalta a importância de registrar essas narrativas. “É fundamental documentar experiências de realocação das famílias em áreas de risco de enchentes, pois mostra um caminho possível para melhorar a relação das cidades com as águas urbanas. Dando moradia digna às famílias com histórico de sofrimento, perda de vida e materiais devido às inundações nas épocas de chuvas.”

O Ribeirão Onça é um importante afluente do Rio das Velhas, tem cerca de 38,7 km de extensão e possui nove praias, 21 corredeiras, três ilhas e três cachoeiras, ao longo de toda sua extensão. Uma dessas quedas é a maior cachoeira dentro de uma capital em todo Brasil. Infelizmente, a beleza é sufocada pela falta de mata ciliar, pelo aporte de sedimentos para o seu leito, pelo descarte clandestino de resíduos sólidos, pelo lançamento de efluentes domésticos, pela presença de ocupações irregulares no seu entorno e pela canalização e impermeabilização do solo.

“Para que se crie cidades resilientes é preciso reconhecer as margens dos cursos d’água e preservá-las coletivamente, ao invés de se promover as canalizações e retificações dos rios, que só fazem aumentar a velocidade do escoamento da água e aumentando a possibilidade de enchentes à jusante, ainda mais com os eventos extremos que se agravam em épocas de emergências climáticas. (…) O Subcomitê sempre apoiou a luta por rios vivos e não tampados. Isso ajuda no entendimento de se manter as áreas de inundação e as margens preservadas”, reforçou Carla.

Recomeço para as famílias

A transferência do território é a primeira ação necessária para tirar os moradores das áreas de risco, promover melhorias nas águas do Ribeirão Onça e, por consequência, na segurança de Belo Horizonte. Os moradores sentem os efeitos do deslocamento, a solidão da mudança e o distanciamento das memórias afetivas, mas reconhecem que é uma medida necessária. “Eles perderam vínculos com as famílias e os vizinhos, mas também hoje em dia podem dormir tranquilos. Poder dormir em paz realmente é algo que dá esperança para as famílias que ainda não foram desapropriadas”, explica João Fagundes.

Ainda no documentário, Itamar de Paula, idealizador do movimento Deixem o Onça Beber Água Limpa e membro do Comupra, reforça esse cuidado com as famílias que sofreram ao longo dos anos. “O primeiro olhar tem que ser para as famílias. (…) Recuperar a esperança e fazer com que elas acreditem que existe possibilidade de melhorar é fundamental”.

No lugar onde aconteceu as desapropriações, as comunidades compartilharam um sonho por muitos anos: a construção do Parque Ciliar Comunitário do Ribeirão Onça. Em 2015, com apoio de dois movimentos essenciais para a luta, o Comupra e o Deixem o Onça Beber Água Limpa, uma proposta de parque foi apresentada para a Prefeitura de Belo Horizonte. O projeto inclui áreas de preservação e conservação, agricultura urbana, prática esportiva, interação com a natureza e inúmeras atividades comunitárias pautadas em uma Educação Ambiental. Em 2024, a Prefeitura de Belo Horizonte incluiu a construção do parque em sua agenda ambiental, firmando compromisso com as comunidades.

A partir daí, surgem novos desafios para os que estão acompanhando de perto esse processo. As desapropriações asseguram as vidas da população mas ainda não soluciona o problema das enchentes. Como alternativa técnica para resolver o problema, os técnicos da Sudecap, responsáveis pela elaboração de um projeto final, sugerem uma derrocagem de 4m do Ribeirão Onça onde ele tem o seu leito natural. A manobra despertou dúvidas e receios e os representantes das comunidades estão em diálogo com a Sudecap.

Com uma extensão de 5,5 quilômetros, o Parque Comunitário Ciliar do Ribeirão Onça será um dos maiores de Belo Horizonte, passando pelos bairros São Gabriel, Vila São Gabriel, Ouro Minas, Vila Fazendinha, Novo Aarão Reis, Belmonte, Ribeiro de Abreu, Conjunto CBTU (Novo Tupi), Conjunto Ribeiro de Abreu, Casas Populares (Ribeiro de Abreu) e Monte Azul.

A construção do parque representa uma conquista coletiva e um reencontro para as famílias desapropriadas. “Estamos todos bem, felizes e seguindo a vida acreditando que algo muito lindo vai ser construído no local onde houve tantas tragédias. Nós vamos poder usufruir daquilo que um dia tão triste e hoje vai trazer tanta alegria para uma comunidade que já sofreu tanto no Onça. O que antigamente era um terror, hoje está virando uma coisa tão linda para nossa comunidade”, finaliza Margareth Vilete no filme.


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Yasmim Paulino
*Fotos: Divulgação