A baixa vazão do rio que abastece o município de Caeté (MG) reuniu diversos representantes do poder público e sociedade civil para acordo de enfrentamento diante da falta de água na região.
Quando a demanda pela água de uma bacia é maior que a sua vazão outorgável, ou seja, quando a quantidade de água disponível é insuficiente para atender os cidadãos, esse é um cenário no qual se configura uma área de conflito. Essa é a realidade dos pequenos agricultores da sub-bacia do Ribeiro Bonito, que hoje vivem em situação de conflito pelo uso da água, que tem gerado impactos na produção de famílias que dependem da agricultura familiar para própria subsistência e que precisam dessa mesma água também para consumo humano na zona rural do município de Caeté (MG). Além da falta de fiscalização que proporciona o uso irregular do recurso hídrico, a falta de hidrômetros na zona urbana da cidade, que concede o uso livre de água pela população impossibilitando o diagnóstico do tamanho do desperdício e as tecnologias de irrigação ultrapassadas são outros motivos que agravam a escassez.
Por esse motivo que no dia 4 de agosto o presidente do CBH Rio das Velhas, Marcos Vinícius Polignano e representantes SAAE de Caeté (MG), da Polícia Militar Ambiental, dos produtores rurais, da Secretaria Municipal de Obras de Caeté (MG), do IGAM, da Secretaria de Meio Ambiente de Caeté (MG) e Nova União (MG), da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), da Copasa, do Subcomitê Rio Taquaraçu e da Emater estiveram reunidos na sede do Comitê da Bacia do Rio das Velhas, em Belo Horizonte (MG) para entender todos os motivos do conflito e buscar soluções a curto, médio e longo prazo para essa realidade.
Histórico do Conflito
Para entender o problema, o Analista Ambiental do IGAM, Thiago Figueiredo Santana, apresentou um histórico do conflito que surgiu ainda em 2007, quando foi constatado, por meio de uma fiscalização do Sistema Estadual de Meio Ambiente, a relação conflituosa entre o sistema de abastecimento de água da cidade de Caeté e os produtores de hortaliças do ribeirão Ribeiro Bonito. Na época, foi realizada uma vistoria nas propriedades da região para levantar dados sobre o uso da água e, por consequência, promovida uma reunião entre os usuários. O resultado foi a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com regras de uso emergencial da água e definição de prazos para realização de uma outorga coletiva ou processo único de outorga.
Para entender o significado do termo, uma outorga coletiva visa a regularização do uso da água pelos usuários inseridos na área de conflito com a finalidade de viabilizar a manutenção desses usuários e dirimir conflitos pelo uso da água. Ela deve ser vista como um instrumento da alocação de água entre os mais diversos usos de uma bacia hidrográfica. Essa alocação (distribuição) de água deve buscar os seguintes objetivos mínimos: atender as necessidade ambientais, econômicas e sociais por água; reduzir ou eliminar os conflitos entre usuários da água e possibilitar o planejamento das demandas futuras a serem atendidas. (fonte IGAM).
Porém, de lá para cá, essa outorga coletiva nunca, efetivamente, saiu do papel, seja solicitação dos usuários pedindo prorrogação no prazo para atender as obrigações previstas no TAC, o acréscimo de novas obrigações ao SAAE e o vencimento do próprio TAC, gerando novas reuniões e novos acordos. Até que em 17 de julho de2015 foi protocolado na SUPRAM CM o Processo de Outorga Coletiva dos Usuários Ribeirão Ribeiro Bonito sob o nº 20393/2015.
Veja todo histórico do conflito apresentado pelo IGAM
O analista do IGAM, Thiago Figueiredo Santana, explica como funciona um processo de outorga e o que o IGAM está fazendo para solucionar o problema do conflito. “O método de outorga trabalha sempre com análise histórica. Primeiro acontece o processo da regularização, que vai se basear numa vazão mínima. Segundo se discute a situação de escassez hídrica para verificar o quanto está chegando e por fim os usos irregulares que vem a montante e que não estão fazendo parte do processo. São 3 conceitos: processo, a escassez e uso irregular. O uso irregular nós já estamos verificando, a situação de escassez a gente vai avaliar como reduzir a vazão e então realizar a regularização.” Thiago reforça que é importante ter consciência de que um processo de outorga não é a solução de todos os problemas de um conflito. O mais importante, segundo o analista, é o usuário obedecer as regras de uso para que isso gere menos impacto em toda bacia.
Mariana Morales, coordenadora do subcomitê Rio Taquaraçu, também alerta para a importância da conscientização do uso da água pelos usuários. “A gente tá tratando a questão da outorga, mas sobre o conflito o buraco é mais embaixo, porque aqui a gente tá falando de distribuição de água disponível dentro de uma média histórica e isso é um problema que a gente vai resolver com ajuda da parte técnica do IGAM, mas o outro problema é a parte da educação, da conscientização, não só do SAAE e dos produtores, mas de toda comunidade de Caeté. São muito usos não outorgados, muita irregularidade, boi em beira do córrego. O IGAM vai ajudar a gente a distribuir a agua. Mas se a água acabar? Não vai adiantar nada.”
O Impacto na agricultura familiar
Crédito: CBH Rio das Velhas – TantoExpresso (Michelle Parron)
Os produtores de hortaliças localizados na bacia do Rio Taquaraçu, onde se encontra a sub-bacia do Ribeiro Bonito, representam expressiva parcela de abastecimento alimentar da Região Metropolitana de Belo Horizonte. São várias famílias de pequenos produtores que dependem dessa produção para a própria sobrevivência e que se viram prejudicadas com o corte de água. Uma situação que para Neire Rose, representante dos produtores rurais da região, precisa ser respeitada, mas não é isso que vem acontecendo. “Em 2007 durante a crise, nós fomos muito desrespeitados pelo SAAE. Os produtores rurais tiveram suas bombas lacradas, o que prejudicou a produção. E eles sempre vão em cima do produtor rural, mas na cidade não são todas as residências que tem hidrômetro. Vários lugares que a gente percorre, a gente vê cano e encanamento arrebentado com água limpa escorrendo durante 2, 3, 4 dias escorrendo. Eu tenho vários jornais da cidade mostrando a situação da água, a falta de respeito com o produtor rural”, questiona Neire sobre a conduta da SAAE.
Veja algumas notícias publicadas nos jornais
Para Ruth de Souza Nunes, produtora rural, a situação é preocupante e impacta as futuras gerações. “Eu tenho uma filha e fico preocupada se ela vai ter água pra beber. Porque até mesmo no ano passado nós ficamos sem água pra beber lá. Assim como a população da cidade precisa de água, nós também precisamos.”
Volume e disponibilidade hídrica
Quando questionado pelo presidente do CBH Rio das Velhas para apresentar o atual volume da vazão na calha do rio, o SAAE não soube informar o número e trouxe uma informação de 2 anos atrás. Segundo Diemerson Porto, representante do SAAE de Caeté (MG), naquela época o volume da calha era de 380 m/s com uma vazão de 80 m/s.
Para Polignano não ter o volume da vazão atualizado é um grande problema. “Se nós já temos uma situação de conflito é preciso saber quanto de água que tem no rio. Se eu não tenho isso, como é que eu vou discutir, como é que nós vamos compartilhar?, questiona o presidente do CBH Rio das Velhas.
Veja as fotos da reunião
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A bacia é de todos
Para encontrar solução possíveis, Polignano chama a atenção para necessidade de uma pactuação entre todos os usuários da sub-bacia, reforçando que é papel de todos ajudar a amenizar o conflito pelo uso da água. “A bacia é de todos. É do pequeno produtor, é de vocês, é de uso da população. A gente tem que entender isso como um grande condomínio e fazer uma pactuação. Eu acho que vai funcionar não colocando a fiscalização, não colocando a polícia, mas a gente entender que é possível fazer um acordo. Mas queremos que a solução seja justa para todos. A gente tem que estabelecer as regras e ir avaliando o seu funcionamento, que pode ser até numa reunião do subcomitê. Por isso nós temos que ter o volume de vazão atualizado para alertar todos.”
Diante disso, durante a reunião na sede do CBH Rio das Velhas, foram levantadas e pactuadas medidas que serão colocadas em prática em curto, médio e longo prazo. Entre as medidas mais urgentes, estão:
1. Medição da vazão: será realizada pelo SAAE com a finalidade de saber qual é o nível criticidade na bacia e então dimensionar o tamanho do problema de conflito. A medição será realizada uma vez por semana com apoio da equipe do comitê.
2. Fim da pressão nos pequenos produtores: o SAAE não poderá pressionar os produtores rurais, porque a empresa não tem poder de polícia para realizar manobras como o lacre de bombas, por exemplo. É papel do IGAM atuar com restrições caso seja encontrada alguma conduta irregular.
3. Uso insignificante de água não entra na outorga coletiva: produtores que não fazem usos elevados de água, ou seja, o chamado uso irrelevante, terão o direito ao uso da água independente das questões restritivas da outorga coletiva.
4. Estado de restrição: de acordo com a medição do volume de vazão, a região entrará em estado de restrição, tendo de reduzir o uso da água de acordo com a realidade da oferta.
5. Outorga sazonal: trabalhar com diferentes permissões de captação, de acordo com o período de chuva e seca.
6. Regularização das outorgas pelo IGAM.
7. Fiscalização dos usuários pelo IGAM.
8. Fim das outorgas: por enquanto não será permitida a realização de nenhuma no Ribeiro Bonito para não aumentar a situação de conflito.
Todas as ações mencionadas e acordadas pelos presentes na reunião deverão ser realizadas nos próximos meses pelos responsáveis. Já em médio e longo prazo, ficaram pactuados os seguintes pontos:
1. Hidrometração de Caeté (MG): o SAAE terá que buscar soluções para hidrometrar a cidade, porque fica inviável resolver problemas de conflito com pessoas usando água à vontade no município.
2. Novas fontes: o SAAE deverá buscar novas fontes para captação de água para abastecimento da cidade, assim será possível desafogar a sub-bacia do Ribeiro Bonito.
3. Técnicas de preservação: para proteger a água é preciso cuidar as nascentes, das matas ciliares e buscar medidas sustentáveis para manter a produção de água na sub-bacia.
Medicação da vazão do Ribeiro Bonito
No dia 14 de agosto a equipe de mobilização do CBH Rio das Velhas, acompanhada da SAAE e dos subcomitês Taquaraçu e Poderoso Vermelho estiveram em Caeté para realizar a primeira medição de vazão do rio. As próximas medições ficarão sob a responsabilidade da SAAE de Caeté (MG).
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