A ocupação desordenada no Alto do Rio das Velhas é uma preocupação. Com o objetivo de promover diálogo entre as instituições responsáveis pela administração e fiscalização ambiental e encontrar soluções para frear o avanço de loteamentos irregulares na região de Água Limpa, em Rio Acima, o Subcomitê Águas do Gandarela realizou uma reunião na quinta-feira (02), que aconteceu de forma virtual.
Estiveram presentes representantes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Rio Acima, da Subsecretaria de Fiscalização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana (RMBH), da Polícia Militar de Minas Gerais de Meio Ambiente, do ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), de membros da Associação Cachoeiras do Tangará, do Projeto Manuelzão e de moradores de Água Limpa.
A região de Água Limpa, alvo da discussão, está localizada no entorno do Parque Nacional Serra do Gandarela, mas em áreas não protegidas pela unidade. “O que tem ocorrido é o desmatamento, degradação, parcelamento do solo, sem nenhuma legalidade, com movimentação de terra que assoreia os córregos e afluentes, além da proliferação de grupos organizados e especuladores imobiliários sem compromisso com o meio ambiente e a comunidade local”, afirma a bióloga, integrante do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela e da Associação Cachoeiras do Tangará, responsável por conduzir a pauta durante a reunião, Gisela Herrmann.
Segundo ela, existem loteamentos clandestinos com lagos, piscinas e chalés em construção na mata ciliar de um afluente do Córrego Cortesia. De acordo com a bióloga, outras denúncias dão conta de loteamentos clandestinos que não respeitam a extensão de 20 mil m², conforme previsto no Plano Diretor atual e no que tramita na Câmara de Vereadores de Rio Acima. “Essa localidade está dentro da Área de Proteção Ambiental Sul (APA Sul), no entorno imediato do parque, em zona de transição de Mata Atlântica para Cerrado; ou seja, temos uma lei federal de proteção dessa vegetação, mas ainda assim ela é loteada irregularmente. Vale ressaltar que a APA Sul proíbe terraplanagem, podendo acontecer apenas com absoluto controle, o que não tem acontecido”, salienta.
Sem ações eficientes
Uma pessoa que dirigia um trator, aparentemente para a construção de um lago, com o intuito de haver no loteamento irregular um pesque e pague, foi abordado por membros da Associação Cachoeiras do Tangará. “Quando discuti com ele, a pessoa disse que sabia das proibições, mas afirmou que não aconteceria nada com ela, e, de fato, não aconteceu mesmo. Precisamos de uma solução coletiva e articulada porque as ações das instituições competentes não têm contribuído para avançarmos nessas questões”, enfatizou a presidente da Associação Cachoeiras do Tangará, Mônica Meyer.
A conselheira do Subcomitê Águas do Gandarela, Maria Teresa Corujo, a Teca, reforçou a complexidade da questão. “A pauta do loteamento irregular sempre vem ao Subcomitê, não só pelas águas, mas também pela segurança dos moradores, já que existem, nessas relações, ameaças com violência e com uso de armas”. Inclusive, assédio de mineradoras aos moradores também foi relatado durante a reunião.
Burocracias
Conforme contou Mônica, foi encaminhado uma documentação bem completa, como denúncia, para a fiscalização da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Rio Acima. “Foi frustrante porque é muita burocracia, o que não favorece a questão ambiental; pelo contrário, ajuda a aumentar os impactos antrópicos”, diz a presidente da associação. Gisela reforça sobre a burocracia ser contraproducente no processo de denúncia. “A Agência orientou que a denúncia fosse encaminhada para a Semad, já que zona rural é de responsabilidade de órgãos estaduais; a Semad justificou que a região estava no entorno do parque, apesar de ainda não ter zona de amortecimento; o parque argumenta que a área já é protegida por estar dentro da APA Sul, o que é uma argumentação frágil, porque APA Sul não faz esse tipo de intervenção pontual. Então, a reunião é para encontrarmos medidas legais e efetivas para frear o avanço dos loteamentos irregulares. O que podemos fazer?”, questionou Gisela.
Fiscalização
De acordo com a gerente de fiscalização da Agência RMBH, Carolina Nasser, a estrutura do departamento é a gerência e mais duas fiscais de parcelamento de solo para 50 municípios. “Conduzimos processos administrativos de fiscalização para adequar a ocupação nos parâmetros urbanísticos, mas para conduzir o processo precisamos lavrar o laudo de infração, e é aí que entra nosso primeiro gargalo: a lavratura depende, essencialmente, de documentação; por exemplo, um contrato de compra e venda, algo nesse sentido, o que é de difícil obtenção”, afirma.
Ela enfatiza que esse gargalo é encontrado em todos os municípios do colar metropolitano. “Para que consigamos, efetivamente, configurar a infração de natureza urbanística, precisamos ter uma pessoa a ser autuada e quando não temos essa pessoa, o expediente de busca e localização desse parcelador irregular é muito dificultoso. Oficiamos cartório, município, Ministério Público, Semad, para que a gente consiga esse alinhamento documental, mas, ainda assim, justamente pela clandestinidade da questão, temos muita dificuldade na obtenção desses documentos”.
Mãos atadas
A secretária de Meio Ambiente de Rio Acima, Zélia Moreira, confirma a dificuldade de obtenção desses papeis. “Assim que recebemos a denúncia, encaminhamos para Semad e a Agência; a Semad disse que as denúncias seriam repassadas ao ICMbio, já que a área em questão está na zona de amortecimento do parque, apesar dessa zona ainda não estar demarcada oficialmente. Da Agência informaram que, para dar sequência, precisariam de toda documentação, de quem vendeu e comprou. No entanto, no ato da fiscalização, não localizamos ninguém, não tenho essas informações. E daí a pergunta é: quando não tenho esse documento, o que faço, continuo repassando só as informações às fiscalizações? Eu não sei o que fazer nesse caso”, salienta.
Zélia revela que há registros em fotos que comprovam que alguns dos loteamentos irregulares são de imobiliárias. “Encaminhei ao Ministério Público imagens de empresas imobiliárias que estão vendendo esses loteamentos. Tem foto bem nítida de uma imobiliária de Nova Lima, com uma placa que ainda fala ‘venha morar ao lado do Parque Nacional da Serra do Gandarela’, com lotes de mil m² ou menos. Sobre o lago do pesque e pague, os técnicos da prefeitura foram até ao local fazer perícia, mas como não possuem poder de polícia, não foi permitido a entrada deles. É um problema que não atinge só essa região alvo da reunião, acontece em quase todo território rural do município”, salienta a secretária.
Desafios
O subsecretário de fiscalização ambiental, Alexandre Leal, diz que todas as denúncias apresentadas por Gisela durante a apresentação do problema foram atendidas. “Tivemos 21 denúncias com resultado de autuação por supressão de vegetação de flora e cinco relacionadas ao parcelamento de solo em Rio Acima, todas com autuações lavradas pela Polícia Militar de Meio Ambiente. Quando a fiscalização é realizada, é aplicada, além da multa, uma medida de embargo, que normalmente é desacatada pelo infrator, que continua sua ação. Por isso, tem-se a impressão que o órgão não está mobilizado ou não faz nada”.
Durante o encontro, foi questionado a Alexandre se, após a autuação, inicia-se monitoramento ou considera-se encerrada a denúncia, tendo o órgão que receber novas denúncias sobre o mesmo local. “Eventualmente, a fiscalização pode retornar ao local, mas não existe um procedimento de monitoramento para cada ponto de autuação. O que se faz a partir da autuação é um processo administrativo, que fará o processamento da multa e o embargo e suspensão da atividade no local. Normalmente, quem descumpre é novamente denunciado e aí fazemos uma nova multa e podemos ter o agravamento da penalidade, podendo chegar até multa diária contra o indivíduo; mas caminhamos de acordo com o que é permitido a normal legal”, afirmou o subsecretário.
Águas de qualidade
Gisela explica a importância da região em pauta. “Foi feito uma moção ao ICMbio, que destaca a importância de incluir as sub-bacias do Mingu, que abastece Rio Acima, Córrego do Viana, do Cortesia e Água Limpa/Palmital, onde, na verdade, o córrego chama Palmital, além do Ribeirão do Prata, na zona de amortecimento do Parque Nacional Serra do Gandarela. Essas águas são de qualidade, enquadradas na Classe 1 do IGAM, alguns locais devem ter Classe Especial, e vale destacar que é um dos últimos trechos da bacia hidrográfica do Rio das Velhas que ainda mantém a qualidade de parte desse recurso, o que é fundamental, considerando o estado de degradação do próprio Rio das Velhas. Essas águas, como vertem para o Velhas, a montante de Bela Fama, contribuem para o abastecimento da RMBH, além delas serem extremamente importantes para Rio Acima, porque movimenta a economia e o turismo da cidade”.
Nascentes sem proteção
Ela também destaca que no Mingu, quase todas as nascentes estão dentro do parque nacional e, por isso, protegidas. “O Viana também, grande parte das nascentes então dentro do parque, o que não ocorre com o Cortesia, que tem só dois trechos, e muito menos com o Palmital, que é um córrego que está quase que exclusivamente fora do parque nacional”. O gestor do parque, vinculado ao ICMbio, Tarcísio Nunes, explica que apesar de terem recebido um ofício da Semad provocando o ICMbio a fazer a fiscalização na área ao entorno do parque, a unidade não dispõe de zona de amortecimento e, por isso, não é possível realizá-la. “O parque está em oito municípios, são 38.284 hectares e atualmente são dois servidores. Nossa fiscalização se restringe ao interior do parque”.
Ele salienta que recentemente, por meio de diretrizes do ICMbio Brasília, houve orientações para que as unidades de conservação adotem zonas de amortecimento que são mais objetivas do ponto de vista da unidade de conservação. “Óbvio que entendemos a área de entorno de importância para o Rio das Velhas, mas se fossemos adotar um critério de entorno do parque, acabaríamos incluindo Santa Rita e Honório Bicalho, em Nova Lima, e Várzea do Sítio, em Raposos. Então, não faz sentido, porque é uma área imensa e temos outras instituições que têm essa competência”, avalia.
Zona de amortecimento
Para ele, há uma confusão do que é zona de amortecimento. “Ela serve para amortecer os impactos ao parque. As águas em questão vertem do parque para fora, uma vez que eventualmente lance esgoto, ele não entraria na unidade. Caso tivéssemos uma casa, ainda que fora da zona de amortecimento, e o esgoto adentrasse o parque, aí sim o ICMbio teria competência para fiscalizar. Baseado nessas diretrizes, decidimos, por meio dessa revisão da zona de amortecimento, não excluindo totalmente a região de Água Limpa e Palmital, mas mantendo uma faixa que varia de 200 a 400m do entorno do parque, para fazer essa proteção mais imediata”, salienta Tarcísio.
Discordâncias
Ainda diante do exposto por Tarcísio, a bióloga Gisela reitera. “No memorial descritivo do Ministério de Meio Ambiente do ICMbio há duas razões para o Palmital e região estar na zona de amortecimento: uma é o impacto que a ocupação desordenada pode causar no próprio parque, porque há pastagem, fogo, entre outras adversidades, não apenas as questões da água; e o outro motivo é que tem áreas remanescentes que podem funcionar como corredor de fauna, e isso é especialmente importante num parque tipo o Gandarela, porque ele faz a cintura bem na região; então a unidade fica com muita zona recortada e uma das soluções é a zona de amortecimento para minimizar esses recortes. Se essa área continuar sendo ocupada dessa maneira, ela terá um impacto para o parque e para o município”.
Encaminhamento
Para a bióloga Gisela, é necessário que haja uma força tarefa. “Se as instituições não tem fiscais é mais um motivo para criar uma força tarefa e fazer uma junção desses fiscais, usando mais inteligência, ações planejadas e estratégicas, porque se o recurso é pouco, ele não pode ser desperdiçado”. Diante de todas as contribuições, Teca direcionou a pauta para os encaminhamentos. “Proponho ao Subcomitê que o encaminhamento seja formalizar, junto com a memória da ata, um documento aos órgãos, mesmo que o Ministério Público não tenha vindo, mas também a ele, para propor que seja constituída uma força tarefa para trabalhar de forma articulada para encontrar uma solução eficaz. No documento apontaremos as razões ligadas às águas, mas podemos apontar também todas as outras questões, inclusive a segurança da comunidade, porque está claro que, por mais que estejam sendo feitas ações pelas instituições, elas não estão adiantando”.
Guardiões das águas
A segunda parte da reunião foi apresentada pela professora de Ciência e Biologia da Escola Estadual Josefina Wanderlei Azeredo, de Honório Bicalho, em Nova Lima, Rafaela Soares. Ela apresentou o desenvolvimento e resultado das análises de qualidade das águas de três pontos coletados do Açude de Matozinhos, com águas advindas principalmente do Ribeirão Macacos, realizado por meio do kit de análise de água doado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas). “Temos um projeto, comigo e os professores de Química e Ciência da Natureza, Luciano e Edneia, respectivamente, chamado ‘Honório Bicalho e suas Histórias’. Dentro dos objetivos do projeto temos: visitar e comentar a água do Poço Azulão e do açude, que são locais utilizados pela população para uso recreativo”, conta.
A professora explica que o açude era utilizado para gerar fonte de energia na hidrelétrica, hoje desativada, da mineração local. “Escolhemos três pontos de coleta, em dois observamos bastante vegetação ao entorno, já no terceiro há muitas construções e, sabiamente, sabemos que é lançado esgoto doméstico no curso d’água. Também se sabe que o Ribeirão Macacos vem com esgoto da região de São Sebastião das Águas Claras, mais conhecido como Macacos. Na verdade, o problema de lançamento de esgoto, sem tratamento, no curso d’água é generalizado em Nova Lima”. Durante a apresentação, Rafaela mostrou fotos e vídeos que registram as atividades dos alunos do primeiro e segundo ano do Ensino Médio, realizando coletas e análises por meio dos kits doados.
Resultados
Segundo a professora de biologia, os três pontos coletados tiveram presença de coliformes totais e fecais, o que, para ela, já era esperado, devido a ciência da comunidade sobre os esgotos lançados nos ribeirões. “Isso é preocupante porque a população utiliza as águas como recreação. Depois fizemos um fórum, com alguns representantes do CBH Velhas, que falaram sobre o Comitê e deram palestras esclarecedoras, principalmente porque nossa região sofre com enchentes”.
Ela compartilha que a experiência foi de grande valia para toda a comunidade escolar. “Os alunos falaram que se sentiram cientistas importantes, então foi essencial essa prática laboratorial. As análises indicaram parâmetros fora dos limites aceitáveis para o uso de recreação, o que é preocupante. É muito importante ter esse tipo de material na escola e difundir o conhecimento desses parâmetros para a população é essencial para a saúde e bem-estar. Além da análise, realizada com o primeiro ano do Ensino Médio, o segundo ano apresentou uma pesquisa junto ao posto de saúde, sobre a presença de doenças de veiculação hídrica em Honório Bicalho nos últimos anos, o que gerou discussões interessantes”.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Mariana Lacerda
*Foto: Bianca Aun