Com a experiência das Metas 2010 e 2014 na bagagem, professor vê mais profissionalismo em nova proposta
Médico sanitarista, ambientalista, escritor e professor universitário, Apolo Heringer Lisboa foi o idealizador, na segunda metade dos anos 1990, do Projeto Manuelzão, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), criado com o objetivo de mobilizar a sociedade para a recuperação hidroambiental do Rio das Velhas.
Ex-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) e articulador das chamadas Metas 2010 e 2014, que perseguiam as condições para “nadar, pescar e navegar” no mais longo afluente do São Francisco, Apolo volta a empunhar a bandeira das grandes metas.
Na Plenária comemorativa dos 26 anos do CBH, de 28 de junho, apresentou a proposta de uma nova Meta para 2034, que concentra um conjunto de ações na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), onde estão “85% da poluição, 85% da população e 85% do PIB de toda a bacia”.
Indicado pelo plenário como “embaixador” da Meta 2034, Apolo conta a seguir como propõe que o CBH seja o propulsor de um amplo movimento para enfrentar e vencer o desafio de revitalizar todo o curso do Rio das Velhas.
Apolo foi um dos homenageados durante a plenária do último 26 de julho
Como você resumiria a Meta 2034? Ela é a continuidade da lógica que criou as Metas 2010 e 2014?
A Meta 2034 é um ato de resistência contra o desmonte que está em curso, uma maneira de dar um arranque, tirar da inércia. [Destaca] A importância do que chamamos de epicentros e de seu núcleo, algo muito realçado desde os preparativos para a Expedição de 2003. [Na época] A gente tinha medo de que o pessoal caísse na água, ficasse doente. Tivemos gente com leptospirose, hospitalizada no Hospital Felício Rocho. A Polícia Militar também advertia. Quando a Expedição passou na RMBH, o pessoal usou máscara e teve todo o cuidado e muito medo. Ali nós sentimos que o problema realmente era a Região Metropolitana, o epicentro da questão, com 85% da poluição e 85% do PIB [Produto Interno Bruto] de toda a bacia. Depois a gente criou essa ideia de núcleo do epicentro, que hoje abarca de Bela Fama [captação da Copasa em Honório Bicalho, Nova Lima] até o Ribeirão da Mata [entre os municípios de Santa Luzia e Vespasiano].
Segundo dados dos biólogos que faziam o monitoramento biológico a partir de peixes e invertebrados aquáticos, a melhora do rio, com todas as medidas sanitárias que vieram a partir do Projeto Manuelzão, da Expedição de 2003 e da Meta 2010, oscilou em torno de 60%. Nós ainda não podemos nadar na RMBH, mas se não houvesse existido a Meta, o rio não só não teria melhorado esses 60% como estaria muito mais agonizante.
É bom lembrar também que o Marco Legal do Saneamento tem um horizonte que é 2033 para captar e tratar o esgoto e despoluir a água no Brasil todo. Então nós estamos alinhados com a meta do marco temporal, em consonância com esse horizonte federal.
Apolo Heringer foi um dos idealizadores da Expedição pelo Rio das Velhas, em 2003
Na sua visão, qual o papel do CBH Rio das Velhas nesse novo processo?
Só tem sentido existir o Comitê se for para aumentar a qualidade e a quantidade da água. A demanda por água só cresce, e está comprovado que o problema do rio agora é sanitário, mas também é de volume de água, porque a mineração tira água, esvazia os lençóis freáticos. Isso sem falar na crise máxima que virá se houver um rompimento de uma das dezenas de barragens acima da captação de Bela Fama.
O Comitê precisa mobilizar a população, batalhar por um envolvimento mais federativo, construir os caminhos para alcançar a Meta de baixo para cima. Eu mesmo já comecei a articular, já que me deram essa função de embaixador da Meta. Temos que fazer a mobilização da sociedade, uma mobilização política para ter mais água, porque ela está sendo roubada por setores de ponta que dominam o estado. O povo está sem água, o pequeno agricultor está sem água, os fazendeiros que podem estão fazendo poço artesiano, tirando a água do subsolo, aí não tem água nas nascentes.
A ideia é trabalhar por uma aliança com as prefeituras, com os vereadores, pois eles são mais próximos da problemática da água. É a partir dos municípios, com a sociedade civil e as universidades, e daí ganhar espaços na mídia, além do que, hoje, com as mídias digitais, a gente não fica tão dependente dos grandes jornais.
Meta 2034 inclui mapeamento de áreas prioritárias
Como financiar uma empreitada dessas e como operar o indispensável redirecionamento econômico que ela exige?
A lógica tem sido privatizar o lucro político e financeiro e socializar o prejuízo. Matam os peixes e o povo não tem água boa, o gado não pode beber água do rio, não tem peixe para comer. Desse jeito não dá, tem que inverter essa lógica, tem que socializar o lucro e privatizar o dano que o cara causou. Ou seja, nós não podemos socializar o prejuízo, a população está pagando um preço muito alto, os recursos têm que vir das empresas.
Elas não querem pagar o valor de mercado da água bruta, estão pagando dois centavos por 1 mil litros d’água. Pagar o valor de mercado da água bruta muda o panorama completamente. Eles falam que a água bruta não tem valor de mercado, mas quando eles vendem, aí entra o valor de mercado!
Apolo Heringer é um dos fundadores do Projeto Manuelzão
Técnica e ambientalmente, a Meta 2034 é coerente e mais do que necessária, mas como colocá-la de fato em prática?
Há uma diferença grande entre e Meta 2010 e a Meta 2034. A Meta 2034 é de profissionais, de pessoas que cresceram. A Meta 2010 foi um pouco amadora, foi a descoberta do trabalho por metas, nós ficamos muito dependentes do governo estadual, cujo mandatário tinha interesses eleitorais nessa história, depois pulou fora para evitar proximidade com a gente.
Como eu disse, a Meta 2034 vai procurar se ligar mais aos vereadores, aos prefeitos, aos movimentos sociais dos municípios, procurando levar esse pessoal a pressionar seus deputados estaduais e federais e o governador, agindo de baixo para cima. Outra coisa: nós vamos nos aproximar do governo federal, já mandei mensagem ao Lula pedindo uma reunião para discutir a inclusão dessa Meta no PAC [Programa de Aceleração do Crescimento].
Não podemos ter uma meta só do Comitê, é preciso incorporar os movimentos sociais nessa construção. Queremos vincular a Meta 2034 não só à água, ao peixe. Muita gente criticava [em 2010]: “e o ser humano?”. O ser humano é um membro da bacia. Se a bacia melhora, o ser humano vai ser beneficiado. Nós vamos introduzir a Meta 2034 como uma das estratégias de combate à fome. Você imagina se todos os afluentes do Rio das Velhas, daqui da Região Metropolitana até Ouro Preto, estivessem cheios de peixe! Peixe reproduz de uma maneira exponencial, invade tudo, é só ter condição. Então nós temos que facilitar essa volta do peixe, atacando primeiramente a questão do saneamento.
A Meta 2034 é a chance de salvarmos o Rio das Velhas, porque a cada ano que passa são espécies que desaparecem, são passarinhos, são animais do mato que vão morrendo porque eles são envenenados. Igual à gente, eles precisam de água de Classe 1. Nós vamos começar agora fazendo a Região Metropolitana passar de Classe 4 para Classe 2, que já permite o peixe passar por ela, já permite navegar, já permite algum uso da água até para irrigação. Então, se você fizer isso você vai projetar para o resto do rio a classe 1. Não é automático, mas a gente já vai dar o primeiro passo para todo o rio passar a Classe 1. Tem que pegar para valer, estabelecer metas igual Juscelino fez para construir Brasília e o governador Afonso Pena, para construir Belo Horizonte.
Áreas mais povoadas também estão indicadas no levantamento
*Para saber mais sobre a Meta 2034 e sobre os trabalhos do professor Apolo Heringer Lisboa, acesse o site: sigaaagua.com.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Fotos: João Alves; Cuia Guimarães; Procópio de Castro