A folia belo-horizontina se transformou nos últimos anos, incorporando lutas por uma cidade que valorize áreas sombreadas e arborizadas, buscando o encontro entre as pessoas, os rios e o ambiente que as cercam.
Caminhar por Belo Horizonte é se encontrar com seus rios. Atualmente, dos 700 km de cursos d’água urbanos, 208 km estão revestidos ou canalizados. No começo do ano, as chuvas trouxeram imagens que ficarão marcadas na memória dos belo-horizontinos:os rios voltaram a ser rios onde as ruas os haviam escondido. Agora, a cidade se prepara para o maior carnaval da história: 5 milhões de foliões irão ocupar a capital. A festa de rua abre espaço para conhecer os territórios e se acercar das características particulares de Beagá, uma cidade onde os rios também querem passar livres assim como as bandas de quem curte o carnaval.
Em 2020, espera-se que Belo Horizonte tenha a terceira maior festa do país. De acordo com o Ministério do Turismo, estará atrás apenas de São Paulo (15 mi) e Rio de Janeiro (7 mi). Mas, quem conhece BH, sabe que a realidade era bem diferente há alguns anos e que os principais agentes dessa transformação na cidade foram os blocos de rua.
Conhecidos pela população apenas como bloquinhos – ou “broquins”, em bom mineirês -, são grupos que se espalham por vários bairros da cidade, formados por bancas locais, que saem em cortejo pelas ruas. Um “carnaval brincando a sério, diurno, diverso, espalhado, horizontal, movente”, conforme sintetiza o urbanista, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante do Tico-Tico Serra Copo, Roberto Andrés. Em alternativa ao modelo de carnaval tradicional, com passarela e arquibancada, os bloquinhos de BH propõe um outro olhar sobre a cidade: uma experiência sensível caminhante, em contato direto com os espaços e o meio ambiente em zona urbana.
O Tico-Tico nasceu em 2009, no bairro Serra, na região centro-sul de Beagá. Como iniciativas similares, surgiu do desejo por um tipo diferente de folia. “O bloco saiu ali no bairro naquele ano. Uma vontade de estar na rua, de ter uma experiência de carnaval que não fosse programada”, conta Andrés.
Desde então, o bloco se propõe a caminhar por novos territórios metropolitanos. Já esteve junto com o movimento “Deixem o Onça Beber Água Limpa”, no Ribeiro de Abreu, por duas vezes. Também já celebrou no bairro Jardim Felicidade, às margens do córrego Tamboril – onde o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) e Subcomitê do Ribeirão Onça já revitalizaram uma importante nascente. Neste ano, irá somar à luta pela criação do Parque Agroecológico do Brejinho, na Pampulha. “O positivo é quando isso é algo verdadeiro, uma proposta de construir junto com pessoas que estão na luta por seus territórios. Uma festa para celebrar a vida. Afinal, a luta também é celebração”, afirma Andrés.
A folia em primeiro plano
Levar a festa, a luta pelas liberdades e a transformação da cidade também está nos cortejos do “Então, Brilha!”, outro já tradicional bloco mineiro, que percorre a região central da capital. Para Glauco Gonçalves, engenheiro, conselheiro do Subcomitê Águas do Gandarela e integrante do conjunto, “essa retomada dos blocos de rua em BH nasce quase como uma reivindicação de poder fazer o Carnaval na cidade, ter o direito de não ir pra outro lugar para fazer o Carnaval”. Na visão dele, a própria efervescência da cidade na última década – na música, nas artes e nas lutas políticas – se materializa na diversificação dos blocos. De acordo com o coletivo “Se Tem Brogui, Eu Vou”, em 2020, espera-se mais de 500 blocos de rua espalhados por BH.
Glauco – que também integra o bloco Pena de Pavão de Krishna, outro a discutir a relação da cidade com as águas – avalia que a potência de luta do carnaval está profundamente ligada ao festejo em coletivo. “O carnaval é político porque é da polis, da cidade. Nasce, por exemplo, nas disputas colocadas pela Praia da Estação, em 2010. Aproximar reivindicações como aquela pelo espaço público da Praia da Estação e a folia é muito potente desde que o que esteja em primeiro plano seja a festa”, pontua. O encontro dos foliões com a água e os rios, segundo Gonçalves, ganha força máxima a partir da comunicação fluida e do encontro direto promovido nos dias de carnaval.
Menos carros, mais árvores e encontros
“O bloco do Peixoto não se associa diretamente a nenhuma pauta ambiental. Mas, penso que ela está presente, mesmo que implicitamente, em todos os blocos com esse caráter de luta política”, conta Elisa Marques, arquiteta, integrante do Subcomitê do Ribeirão Onça e fundadora do bloco do Peixoto. O grupo já movimenta-se pelas ruas do bairro Santa Efigênia, na região Leste de BH, há mais de dez anos, em busca de “experimentar a cidade de uma forma diferente, em outro ritmo, andando a pé e não de carro, admirando a paisagem, cantando para os vizinhos, colocando o corpo na rua, vestindo nossas fantasias”, sintetiza.
A arquiteta avalia que a experiência dos blocos ensinou muito sobre organização coletiva, a potência das pessoas unidas, caminhar na rua, cantar aquilo que se quer, além de como manifestar a alegria e a dor. Destacando também a Praia da Estação, Marques relembra outras lutas fortalecidas pelo carnaval em que o Peixoto esteve junto: Fora Lacerda, em oposição ao ex-prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (2009-2016), e o Movimento Fica Fícus, que lutou contra o corte das árvores da rua Bernardo Monteiro, na capital, e acabou se expandindo pela pauta das árvores e áreas verdes urbanas.
“Uma vez que se contesta um modelo de cidade voltado para carros e se percebe o valor de áreas sombreadas e vegetadas, de uma cidade na escala do corpo, de arquiteturas que propiciem o encontro e a troca entre as pessoas, a festa se configura como um carnaval de rua e de luta”, resume a arquiteta.
A festa e as águas
“Eu acho que a água tem tudo a ver com o carnaval. É maravilhoso quando chove no meio do bloco e todo mundo se permite molhar, se permite ir à beira de um córrego”, conta Glauco Gonçalves. Para ele, é a chance de conhecer onde está poluído, onde está preservado e sentir na pele a necessidade de lutar por uma cidade mais bem cuidada. “Nossa festa tem tudo a ver com vida e preservação, desde que isso aconteça de forma fluida e não determinística, imposta. Essa determinação já temos nos outros mais de trezentos e tantos dias do ano”, explica.
Roberto Andrés pensa que a “experiência sensível de uma cidade ampliada” é o grande mote para promover diversidade e menos restrição. Envolvendo as pessoas que lutam em cada bairro, pela preservação de seus espaços e seus cursos d’água e promovendo a ocupação dos territórios, construindo junto com lideranças e moradores de cada local. Propor uma experiência em que a percussão da banda, os rios e o passo dos foliões sigam no mesmo ritmo.
Confira a programação completa do Carnaval 2020 de Belo Horizonte
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Ennio Rodrigues