Reunidos presencialmente na tarde da última sexta-feira, 28 de junho, na sede da Associação Comunitária de Acuruí, distrito de Itabirito, os conselheiros e conselheiras do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) completaram uma verdadeira maratona de assuntos de alta relevância.
O caráter comemorativo do encontro, que assinalou os 26 anos do colegiado e a 125ª edição da reunião plenária, não impediu que fossem tomadas decisões estratégicas, como a que aprovou o Plano de Educação Ambiental ou a que autorizou a criação dos Subcomitês Peixe Bravo e Ribeirões Tabocas e Onça.
Manhã de reconhecimento
A parte inicial do dia foi dedicada a um giro pelos caminhos montanhosos do Alto Velhas. Na Portaria 1 da mineradora Ferro Puro, Mariana Morales, gerente de Sustentabilidade, deu informações sobre operações e procedimentos da empresa com relação ao meio ambiente e às comunidades do entorno.
Ato contínuo, o comboio seguiu até o ponto de avistar a barragem da Mina Paciência, de propriedade da Jaguar Mining, com 1.400.000 m³ de rejeitos de mineração de ouro e operações paralisadas desde 2012, mas em fase de novos estudos de viabilidade para possível retomada das atividades.
A próxima parada, num mirante natural, permitiu a Ronald Guerra, o Roninho, vice-presidente do CBH e morador da região há mais de 40 anos, nomear a topografia de infinitas serras, apontar a localização da nascente oficial do Rio das Velhas, mostrar a vastidão do Parque do Gandarela e sua vizinhança com o chamado Projeto Apolo, cujo retorno, pretendido pela Vale S.A., é motivo de temor e preocupação para moradores, ambientalistas e pesquisadores.
Roninho ainda apontou os locais onde se extrai o minério no entorno e lamentou “o transporte rodoviário até o Complexo de Mina de Fábrica”, entre Ouro Preto, Itabirito e Congonhas, que tantos problemas e insegurança têm causado nas estradas do Quadrilátero. Relatou, por fim, “a volta da extração na Mina de Capanema, de onde o minério de ferro será conduzido, por correias transportadoras de longa distância, ao Complexo de Timbopeba”, situado entre Ouro Preto e Mariana.
Pouco antes do almoço, na pousada Mirante do Espinhaço, os membros do Comitê assistiram à cerimônia do fogo, celebrada pelo cacique Danilo e pela doutoranda em arqueologia Bibinhátarâmiak, da nação indígena Borum Kren.
Ensinando tradição e cuidado com a natureza, o cacique ainda explicou que seu povo, vítima de perseguição implacável movida pelo invasor desde o século XVII, vive hoje um movimento de ressurgência em seu território de origem, nos altos das bacias do Rio das Velhas, do Doce e do Paraopeba.
A família cresce
Por unanimidade, logo no começo dos trabalhos, a Plenária aprovou a criação de mais dois subcomitês (SCBHs). Com isso, 21 das 23 Unidades Territoriais Estratégicas (UTE) da bacia já contam com esses coletivos que são a base da democracia e da participação, marcas do CBH Rio das Velhas reconhecidas nacionalmente.
O Subcomitê Peixe Bravo vai abarcar parte dos municípios de Jequitibá, Santana de Pirapama e Presidente Juscelino. Já o Ribeirões Tabocas e Onça reúne territórios de Araçaí, Cordisburgo, Paraopeba, Curvelo e Jequitibá.
“Velhas Vivo”: um plano pra chamar de seu
Os conselheiros também aprovaram o Plano de Educação Ambiental (PEA) desenvolvido pela empresa TantoExpresso, que responde pelas atividades do Programa de Mobilização Social e Educação Ambiental do CBH Rio das Velhas.
Segundo o jornalista Luiz Ribeiro, que coordenou o processo de elaboração, o PEA “tem uma pegada muito forte de comunicação”, razão pela qual já nasce com nome e sobrenome – Velhas Vivo – e logomarca.
O objetivo central é o “sensibilizar a comunidade inserida na Bacia Hidrográfica, com foco nos públicos preferenciais estabelecidos no Diagnóstico, sobre questões que envolvem os principais fatores de pressão que impactam a qualidade ambiental do território e a necessidade premente de preservá-lo, visando a adoção de posturas socioambientalmente responsáveis em favor dos recursos naturais locais”.
Com horizonte de planejamento de quatro anos (2024 a 2027), o PEA pretende potencializar ações de Educação Ambiental já em desenvolvimento na bacia e as que venham a ser criadas, com parcerias interinstitucionais, apoios e alianças capazes de ampliar a sinergia e o alcance.
Um dos pontos altos do PEA é a Caravana “Piraju dá a letra – navegando e aprendendo sobre o Rio das Velhas”, com ações itinerantes de Educação Ambiental e Mobilização Social ao longo de 22 localidades da Bacia. Nelas, o peixe Dourado, símbolo da bacia e batizado de Piraju em votação popular, ganha protagonismo pedagógico.
Frederico Leite, secretário de Meio Ambiente de Itabirito e conselheiro do Subcomitê local, elogiou o PEA e sugeriu destacar “as mudanças climáticas nos processos educativos”, ângulo reforçado pela conselheira Maria Tereza Corujo.
Márcio Lima, da Prefeitura de Contagem, pediu “ênfase à visibilidade das ações de recuperação de nascentes e aos seus obstinados cuidadores”. Mariana Morales, do SCBH Nascentes, apontou “a importância de conectar o PEA aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”.
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Trabalho pelas águas
O status dos Projetos Hidroambientais financiados com os recursos da cobrança pelo uso da água foi apresentado pela diretora-geral da Agência Peixe Vivo e pelo coordenador técnico Guilherme Guerra. Um dos focos principais é o saneamento rural, com ações em andamento em distritos e localidades de diversos municípios (como Diamantina, Congonhas do Norte, Ouro Preto, Jaboticatubas, Baldim, Jequitibá, Funilândia e outros) e um novo chamamento que vai atender mais oito cidades. O outro é o Programa de Conservação e Produção de água, atualmente com quatro grandes projetos, um em cada região fisiográfica da bacia do Rio das Velhas e milhões de reais aplicados.
Poliana Valgas, presidenta do CBH, saudou “a integração e a parceria com o CBH São Francisco” e salientou: “A maior pressão sobre o rio é a falta de saneamento”, razão pela qual o Comitê procura “subsidiar os municípios para que possam captar os recursos” indispensáveis a esse investimento vital.
Um rio-parque
Milton Ribeiro, da Secretaria de Meio Ambiente de Itabirito, apresentou o projeto do Parque Linear Rio Itabirito, uma “área de proteção ambiental que tem como objetivo conservar, restaurar e ordenar o uso da APP do Rio Itabirito, principal curso d’água da cidade”.
A projeção é que a “Unidade de Conservação seja um local de utilização publica, principalmente com possibilidade de prática de esportes náuticos e deslocamento urbano”.
Biomonitoramento: ciência pela vida
Os professores Carlos Bernardes (UFMG) e Paulo Pompeu (Universidade Federal de Lavras) levaram informações preciosas sobre o Programa de Biomonitoramento da bacia, que abrange oito pontos na calha principal, 11 em afluentes e cinco lagoas marginais, berçários naturais do rio.
Bernardes apontou que espécies de peixes como Dourado e Curimatá passaram a ser encontradas em mais trechos da bacia, inclusive mais próximos de áreas ultra urbanizadas, prova de que “o Velhas melhorou”. No entanto, frisou, “isso estabilizou, não progrediu mais”, sinal de que muito ainda há por se fazer em matéria de recuperação hídrica e ambiental.
Pesquisas de alto impacto têm sido desenvolvidas a partir do Programa de Biomonitoramento, explicou Pompeu, como no estudo dos efeitos dos microplásticos ou o papel da ictiofauna ao reduzir a emissão de gás metano na atmosfera.
Meta 2030
Lembrando que alguns dos maiores avanços na proteção das águas vieram do estabelecimento de grandes metas, como a famosa Meta 2010, o professor Apolo Heringer, da Escola de Medicina da UFMG, fundador do Projeto Manuelzão e ex-presidente do CBH Rio das Velhas, trouxe agora a proposta de uma nova meta para despoluir o Rio das Velhas.
Após a primeira expedição que cruzou o maior afluente do São Francisco da nascente á foz, levada a cabo em 2003, o Comitê lançou a Meta 2010, data fixada para se poder “nadar, pescar e navegar” em suas águas. Se isso não foi possível, é inegável que provocou largos avanços, como a construção e inauguração da Estação de Tratamento de Esgotos do Ribeirão do Onça. Em poucos anos, a capital mineira passou de cerca de 10% de esgotos tratados para algo entre 60 e 70%.
Pensando nisso, Heringer propõe que o CBH abrace a Meta 2030 para “influenciar as decisões políticas” e atrair o poder público a as empresas a adotarem as medidas necessárias. Segundo o professor e ativista, com 87% da população da bacia e apenas 12% da área total, a Região Metropolitana deve ser o epicentro das ações de despoluição: “Transformar essa área em Classe 2 faz com que o restante do Velhas vire Classe 1”, referindo-se à qualidade das águas.
“Num rio Classe 2”, diz, “pode-se até nadar e comer o peixe”. Apolo também realça que a Meta 2030 é perfeitamente “compatível com o Marco do Saneamento”.
Roninho recordou que, por indicação de Apolo Heringer, foi designado para entregar ao então governador de Minas a carta com a Meta 2010, “um reconhecimento à luta de todos nós”.
Valgas agradeceu a contribuição e “as provocações importantes” e prometeu enviar todo o material apresentado pelo professor aos conselheiros.
Homenagens
A Plenária reservou para o final um momento de emoção. Segundo a secretária-adjunta Heloísa França, era “hora de agradecer a todos que contribuíram com esta história”.
Foram agraciados o próprio professor Heringer, Rogério Sepúlveda e Paulo Maciel, ex-presidentes do CBH, Célia Froes, ex-diretora da Agência Peixe Vivo e o conselheiro Valter Vilela, membro da atual diretoria ampliada e um dos fundadores do CBH Rio das Velhas.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Fotos: João Alves