Polícia Ambiental investiga contaminação no Rio das Velhas, que suspendeu captação de água de Sete Lagoas

20/10/2020 - 16:09

Pela segunda vez neste ano, a contaminação do Rio das Velhas voltou a causar mortandade de peixes na região de Funilândia, afetando, também, o sistema captação de água da Estação de Tratamento de Água (ETA) do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Sete Lagoas. O caso foi registrado no dia 16 de outubro (sexta-feira). O abastecimento público de água chegou a ser interrompido pela falta de condições de tratamento da água, que apresentava forte odor de esgoto, cor escura e muitos peixes mortos. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) foi notificado.

De acordo com Fernando Nogueira, gerente da ETA Sete Lagoas, a unidade parou por volta de 5h30 do dia 16 e, somente na madrugada de sábado (17), quando a água teve condições de ser “tratada”, o abastecimento foi retomado. Atualmente, mais de 30 bairros de Sete Lagoas são abastecidos pela ETA, o que representa cerca de 50% da população do município. “A primeira vez que ocorreu este ano foi em janeiro. A contaminação é muito rápida. Detectamos muita amônia, manganês, ferro e matéria orgânica no local da captação, em Funilândia. Todo esse material dissipa somente com mais chuva, o que pode demorar mais de 12 horas e afetar o abastecimento público”, explica.

Moradora do bairro São Vicente, a dona de casa Maria de Fátima Costa conta que quando a ETA para por causa das condições desfavoráveis do rio, os moradores que dependem do abastecimento superficial de água da unidade vivem um verdadeiro drama. “Como depende da limpeza natural do rio para a contaminação dissipar, a espera pode durar dias. Em outras oportunidades ficamos quase dois dias inteiros sem água na torneira, dependendo de caminhões pipa e manobras no sistema. Quando vêm as primeiras chuvas já esperamos o pior, pensamos: a ETA vai parar”, conta.

A presidente do o CBH Rio das Velhas, Poliana Valgas, a partir da notificação do SAAE sobre o problema, acionou o Núcleo de Combate de Crimes Ambientais (NUCRIM), órgão vinculado ao Ministério Público de Minas Gerais. “A situação é extremamente grave, já que afeta de forma drástica a saúde do rio. A quantidade excessiva de contaminação provoca queda absurda de oxigênio da água, ocasionando episódios como a mortandade de peixes. É preciso investigar a suspeita de possíveis lançamentos irregulares (de rejeitos) no rio. Sabemos que é uma contaminação difusa, que é recorrente e vem de várias partes da bacia. Nas primeiras chuvas, a carga orgânica percebida é muito grande e preocupa. Esperamos que o núcleo de fiscalização atue neste sentido”, afirmou.

A Polícia Ambiental também esteve no local da captação, um dos pontos mais atingidos pelos dejetos, e registrou ocorrência. Segundo a assessoria do órgão, o fato será investigado. O SAAE de Sete Lagoas ainda informou que somente em 2019 a ETA sofreu cinco paralisações por descarga de poluentes, voltando somente após o rio apresentar – naturalmente – condição de tratamento de suas águas. Foram lavrados e encaminhados aos órgãos competentes boletins de ocorrência, relatórios e registros fotográficos. No entanto, a autarquia não obteve qualquer retorno quanto a providências.

Biólogo explica porque primeiras chuvas são as mais prejudiciais

O biólogo, mestre em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre, e pesquisador do NuVelhas – Projeto Manuelzão, Carlos Bernardo Mascarenhas, conta que as primeiras chuvas do período chuvoso são sempre as mais prejudiciais. “Após um período longo de estiagem, as áreas urbanas acumulam muito material no terreno impermeabilizado pelo asfalto, concreto e pavimentações. São áreas urbanas e industriais, postos de gasolina, pátios e que mantém parte de seus rejeitos acumulados. Nas primeiras chuvas, toda a bacia de drenagem é “lavada” (lixiviada) e todo tipo de detrito e rejeito é carreado rapidamente para os corpos d’água”, explica.

Segundo ele, as alterações na qualidade da água provocadas por esse drástico despejo geralmente provocam a morte de peixes e outros organismos aquáticos. “Soma-se a isso o fato do aumento da vazão provocar o revolvimento dos sedimentos depositados no leito dos rios durante o período de estiagem, trazendo à coluna d’água um excesso de matéria orgânica acumulada que também provoca a diminuição dos níveis de oxigênio dissolvido e que, igualmente, pode ser letal para peixes. Esse fato é mais comum no início do período chuvoso. Após as primeiras chuvas, a carga tóxica do material acumulado na bacia de drenagem tende a diminuir”, aponta Carlos Mascarenhas.

Questionado sobre a suspeita de descargas de outras ETEs, o biólogo considera que tudo deve ser investigado e comprovado através de laudos e dados oficiais. “Comprovar isso não é nada fácil. Além de exames laboratoriais, já usamos até helicópteros para tentar desvendar suspeitas dessa natureza, mas ainda sem sucesso. Para fazer coleta de material e análises laboratoriais, duas coisas são primordiais: coleta correta, seguindo protocolos rígidos de amostragem, fixação, preservação, acondicionamento, transporte e prazo para execução das análises; e ter-se alguma suspeita do que investigar numa amostra coletada – a tabela periódica possui mais de uma centena de elementos e a sua combinação permite a formação de milhares de moléculas que podem ser tóxicas ou prejudiciais ao ambiente”, ressalta.

Para minimizar os impactos deste tipo de situação, o profissional afirma que a coleta/tratamento dos esgotos domésticos e industriais é o primeiro passo. “O Brasil está pelo menos 50 a 100 anos atrasado nesse aspecto pela falta de interesse político no saneamento. A disposição correta de resíduos sólidos também é importante para evitar que o lixo chegue aos rios. O tratamento terciário nas ETEs também ajuda a evitar uma carga grande de poluentes. Por fim, um tanto como utópico para o Brasil, mas comum em países desenvolvidos na Europa, por exemplo, é a interceptação e coleta das águas das primeiras chuvas e envio por tubulação própria para as ETEs. Há muito ainda a ser feito”, finaliza Carlos Mascarenhas.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Celso Martinelli