Coordenador das promotorias do Meio Ambiente das bacias dos rios das Velhas e Paraopeba, Dr. Francisco Chaves Generoso revela as ações tomadas a favor da segurança das barragens e contra um colapso hídrico na Região Metropolitana.
Especialmente depois do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, o Promotor de Justiça e coordenador regional das promotorias do Meio Ambiente das bacias dos rios das Velhas e Paraopeba, Dr. Francisco Chaves Generoso, tem cumprido papel fundamental em fazer com que empreendimentos minerários cumpram medidas que garantam a estabilidade de suas barragens, principalmente aquelas próximas de mananciais de abastecimento público. O objetivo maior é garantir a segurança hídrica de toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Sua relação institucional com os Comitês de Bacias Hidrográficas é de troca. “O Ministério Público defende a regularidade do funcionamento e o fortalecimento dos comitês, e os comitês devolvem ao Ministério Público informações, dados e subsídios que permitem a nossa atuação em defesa do território”, conta.
Quando, ao final de 2018, a dívida do Estado de Minas Gerais com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) chegava a mais de R$ 20 milhões, asfixiando a entidade e colocando em risco a continuidade de diversas ações de recuperação e revitalização da bacia, foi ele o responsável por costurar o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) que determinou o pagamento integral dos recursos da Cobrança pelo Uso da Água então contingenciados. “Nos interessa não só o passivo mas que isso realmente se torne uma prática estatal adequada, ou seja: que os repasses ocorram regularmente. Porque a gente sabe que sem esses repasses o sistema de proteção dos recursos hídricos fica realmente comprometido”.
Nessa edição da Revista Rio das Velhas, Generoso revela também o que está sendo feito para garantir maior segurança às pessoas e ao ambiente na bacia, o papel do Executivo nas ações de fiscalização de barragens e quais outras atividades e práticas ameaçam o território.
Menos de 10 dias depois do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em reunião com representantes dos Fóruns Nacional e Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas, o senhor firmou compromisso garantindo a efetiva integração do CBH Rio Paraopeba nos processos de decisão relacionados à reparação da bacia. Como está sendo essa questão?
Desde o primeiro momento, o Ministério Público entendeu a importância do envolvimento do CBH Rio Paraopeba nessa discussão a respeito da reparação, por razões óbvias. Ele é integrado por pessoas que conhecem de fato a realidade da bacia e que têm condições de contribuir nesse processo de reparação.
A partir disso, nós fomos até uma reunião do CBH Paraopeba, explicitamos ali junto aos membros quais seriam e quais foram as medidas que estavam sendo adotadas, quais seriam as perspectivas de novas medidas, reforçamos esse compromisso no sentido de garantir efetiva participação e tudo isso foi feito a partir do envolvimento e presença do Comitê nas audiências que estão sendo realizadas na 6ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da comarca de Belo Horizonte, que é o juízo onde tramita a ação principal socioambiental, cujo objetivo justamente é a reparação integral dos danos causados.
Então, a partir dessa participação do Comitê nessas audiências e de uma constante interlocução que vem sendo estabelecida entre os representantes do Comitê e a equipe técnica do MP, está havendo realmente um compartilhamento de dados e informações, que tem se mostrado muito profícuo para que a atuação do MP esteja melhor subsidiada e melhor amparada, inclusive do ponto de vista técnico.
Com absoluta certeza, o Ministério Público, por meio de todas essas frentes de atuação, tanto técnicas, quanto jurídicas, vai continuar ouvindo o Comitê, levando essas demandas e sempre considerando na sua atuação as reivindicações, posicionamentos e observações do comitê de bacia.
Especialmente depois do rompimento da barragem de Córrego do Feijão e do comprometimento da captação de água da Copasa no rio Paraopeba, a atenção com o Rio das Velhas, em função da ameaça à segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), aumentou muito. Nesse contexto, o que está sendo articulado e exigido em relação às barragens de rejeito que se encontram na região do Alto Rio das Velhas (a montante do Sistema Rio das Velhas – Bela Fama, onde 70% da água da RMBH é captada), várias delas sem garantia de estabilidade?
O Ministério Público ajuizou diversas ações civis públicas contemplando essas barragens de rejeito que não tinham estabilidade garantida, sem prejuízo de outras ações que também já tinham sido ajuizadas pelo MP, antes mesmo de Brumadinho. Eu citaria por exemplo Fernandinho [da Minérios Nacional, grupo CSN, em Rio Acima], e Maravilhas III [da Vale, em Nova Lima] – essa última com o objetivo de impedir a construção da barragem em vista das ameaças que uma estrutura dessa podem ocasionar à bacia do Rio das Velhas. Mais recentemente em relação a essas estruturas da Vale que não tiveram estabilidade garantida [Maravilhas II, B3/B4, Capitão do Mato e Forquilhas I, II e III, por exemplo], ou mesmo para aquelas que pairavam alguma dúvida, o MP ajuizou diversas ações civis públicas objetivando, em síntese, que fossem adotadas todas as medidas necessárias para garantir a estabilidade dessas estruturas. Além disso, que fossem contratadas auditorias externas independentes, que pudessem fornecer, não somente ao MP, como aos demais aos órgãos de estado competentes, todas as informações praticamente em tempo real a respeito da situação dessas estruturas.
Além dessas medidas adotadas na própria estrutura, também foram requeridas medidas no sentido de preparar a população, tanto na Zona de Autossalvamento – ZAS, quanto na Zona de Segurança Secundária – ZSS, para um eventual rompimento. Então, para isso, o MP pediu a realização de simulados, a melhoria – quando houvesse – ou a implantação de sinalização, medidas de resgaste do patrimônio cultural, medidas em relação à fauna, enfim, uma série de medidas que foram adotadas com o objetivo de neutralizar todo e qualquer risco à população e ao meio ambiente.
Em relação a novas barragens de rejeito que estão sendo construídas nesse território, como é o caso de Maravilha III, da Vale, que você mesmo citou (cujo início das obras se deu antes da aprovação da lei ‘Mar de lama nunca mais’, que tornou mais rígida a regulamentação e fiscalização de barragens no Estado), qual é a situação dessas estruturas? Há algo sendo feito para garantir maior segurança a elas?
Especificamente em relação a Maravilhas III, o que o Ministério Público postulou, desde 2017, foi que a estrutura não fosse construída, até que fosse demonstrado nos autos que não há alternativa técnica disponível (que inclusive hoje é um mandamento da própria lei ‘Mar de lama nunca mais’. Ou seja, com a lei, chancelou-se aquilo que o MP já pedia nessa ação, que é: quando houver melhor alternativa técnica disponível, não deve haver barragem de rejeito), que fosse demonstrado alternativa locacional disponível, que fosse demonstrado que não houvesse comunidades na zona de autossalvamento, mananciais de abastecimento público a jusante da barragem, etc.
Nesse caso específico, o que o MP pretendeu era efetivamente que os órgãos competentes, inclusive o órgão licenciador, aprofundassem os estudos de forma a superar todas essas indagações, que no nosso ponto de vista ainda não foram respondidas pelos órgãos competentes e pela empresa. Nós obtivemos uma liminar, que depois foi revista pelo poder Judiciário, e recorremos desta revisão com o objetivo de resgatar essa liminar que foi concedida. Esse recurso está pendente de julgamento.
Então, o que o MP tem como premissa em relação a essas novas estruturas é o efetivo cumprimento dessa premissa legal, e que a gente já invocava anteriormente com base na Constituição Federal, no sentido de que só exista barragem naqueles casos em que não houver melhor ou outra possibilidade de alternativa disponível para disposição de rejeito. Sem também que se esvazie o discurso – que a gente considera muito perigoso – em relação às barragens de rejeito alteadas a montante. Para se ter uma ideia, no século XX, dos 221 eventos ocorridos com grandes barragens de rejeito no mundo, 89 eram com barragens alteadas a montante. Os outros todos eram com barragens alteadas a jusante, linha de centro ou método de alteamento indefinido. Portanto, é preciso que essas discussões não se deem somente em relação a barragens alteadas a montante, mas em relação a barragens de rejeito de maneira geral e novas alternativas, como a seco por exemplo. Enfim, alternativas que não coloquem em risco as populações e o meio ambiente.
Mesmo após os rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho, a própria FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente), responsável por verificar se as mineradoras estão implementando as recomendações previstas em auditoria para garantir a segurança das barragens, reconhece que dispõe de poucos profissionais e instrumentos obsoletos. Há algo sendo feito para garantir que o Estado exerça o mínimo de controle dessas estruturas?
A primeira coisa que nós temos que já rechaçar é um posicionamento do Estado de Minas Gerais no sentido de que ele não teria atribuição ou competência paras fiscalizar estabilidade de barragem de rejeito, e que isso seria atribuição somente da ANM (Agência Nacional de Mineração). Nós do Ministério Público discordamos dessa tese por alguns motivos. Primeiro porque a Lei Complementar 140 [que fixa normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios no exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição e à preservação das florestas, da fauna e da flora] impõe prioritariamente ao órgão que licencia o empreendimento o dever de fiscalizá-lo. Então, se é o Estado que licencia em regra as barragens de rejeito ele tem o dever de fiscalizar. Em segundo lugar, o Estado instituiu no seu território um tributo, a TFRM (Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários), que tem como fato gerador justamente o exercício do poder de polícia sobre as atividades de lavra de minério. Então, como esse mesmo Estado de Minas Gerais diz que ele não tem competência para fiscalizar estabilidade de barragem? A primeira coisa que tem que ser superada é essa ideia. É preciso que o Estado assuma o protagonismo ao lado da ANM e efetivamente fiscalize. Recursos tem, porque ele tributa.
Para isso, o Ministério Público inclusive já ajuizou no passado uma Ação Civil Pública com o objetivo de provocar uma adequada aplicação desse recurso, porque é um tributo vinculado, cuja arrecadação está destinada para um fim específico. O MP foi ao Poder Judiciário com o objetivo de obrigar o Estado a aplicar esse recurso nas atividades de fiscalização.
O Estado precisa realmente se reinventar e se operacionalizar para isso. Porque hoje nós temos o verdadeiro câncer do sistema que é o auto monitoramento. Você delega para o empreendedor a possibilidade de se autofiscalizar e ele encaminha para o Estado apenas os dados e informações consolidados por ele. O Estado resume a sua atuação a chancelar esses dados. Essa lógica realmente precisa mudar. O Estado precisa de fato exercer o seu poder de polícia e superar essa deficiência estrutural. É claro que a superação dessa deficiência, diante também das mazelas financeiras vivenciadas pelo poder público, passa necessariamente pela contribuição dos empreendedores. É preciso que se constitua um fundo, ou que esses recursos oriundos da TFRM sejam efetivamente aplicados em fiscalização.
Na bacia do Rio das Velhas, quais outras atividades e práticas preocupam e têm a atenção desta promotoria de Justiça do Meio Ambiente?
Na bacia do Velhas, a gente percebe, além da pressão dos empreendimentos minerários, uma pressão por expansão imobiliária. Nós temos cidades e comarcas, como Nova Lima e Itabirito, que essa questão da expansão imobiliária é tão preocupante quanto a questão minerária. E aí o MP atua sempre com uma lógica: a de prevenir, de impedir o dano. Nas hipóteses em que essa prevenção não for possível, entra a reparação integral, com a recuperação in natura e a compensação dos danos ambientais.
Uma coisa que toma também uma boa parte do tempo da nossa atuação são as questões que dizem respeito às Unidades de Conservação (UCs) do Quadrilátero Ferrífero. O MP está vigilante em relação a qualquer tipo de ameaça às UCs, seja em relação a empreendimento privados, seja em relação a eventuais iniciativas no sentido de reduzir proteção. A Constituição Federal é muito clara: as alterações ou supressões nos limites da UCs somente podem ocorrer por meio de lei, sendo vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificam a proteção da unidade. Se uma unidade é criada para uma determinada finalidade, qualquer atividade que coloque em risco esses atributos é vedada pela Constituição. Então, o MP está vigilante no sentido de garantir que os atributos que justificaram a criação dessas UCs sejam de fato protegidos.
Podemos concluir então que em relação a unidades de conservação que sofrem ameaças de determinados empreendimentos, como a Estação Ecológica Estadual de Arêdes e o Monumento Natural Estadual Serra da Moeda, por exemplo, o Ministério Público…
Vai atuar para poder resguardá-las. Muitas dessas são UCs que guardam incompatibilidade com atividades minerárias. Algumas são unidades que tem visitação pública limitada. Se tem isso, toda e qualquer tipo de intervenção de atividade econômica impactante é terminantemente proibida. Então, o MP vai atuar para garantir que a constituição federal seja observada nesse ponto. Isso está no nosso radar e é objetivo e prioridade da nossa atuação.
Ao final de 2018, o senhor mediou um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao Governo do Estado que determinou o pagamento da dívida com o CBH Rio das Velhas em relação aos recursos da Cobrança pelo Uso da Água que vinham sendo contingenciados. Contudo, esse contingenciamento se mostra como uma prática usual por parte do Estado (outros Comitês vivenciam isso e o próprio CBH Rio das Velhas já vê uma nova dívida surgir). Há algo sendo feito para que isso não ocorra mais em definitivo?
O Ministério Público vem atuando, seja por meio do ajuizamento de ação civis públicas, seja por meio da assinatura de acordos e termos de compromisso junto ao Estado, para que ocorra o efetivo descontingenciamento desse recurso, que é carimbado. Esse recurso não pode entrar no caixa único do Estado, ele tem destinação correta.
Nós no MP somos organizados em coordenadorias regionais na defesa do meio ambiente. São nove coordenadorias regionais que cuidam de bacias hidrográficas. Cada colega, dentro da sua realidade, dentro da dívida que eventualmente seja verificada, adota a proposta de um acordo junto ao Estado – nesse caso do Velhas felizmente nós conseguimos resolver esse passivo de maneira consensuada com o Estado. Mas, nos casos em que isso não é possível, não resta outra alternativa ao MP se não o ajuizamento.
Nós agora estamos provocando o CBH [Rio das Velhas] para que ele informe se há a regularidade dos repasses ou se realmente existe alguma deficiência, porque se tiver nós vamos ter que adotar outras providências.
Nos interessa não só o passivo mas que isso realmente se torne uma prática estatal adequada, ou seja que os repasses ocorram regularmente. Porque a gente sabe que sem esses repasses o sistema de proteção dos recursos hídricos fica realmente comprometido, seja sob o ponto de vista da existência dos comitês, o 7,5% [percentual destinado ao custeio das entidades], seja sob o ponto de vista dos projetos, que são a atividade fim dos comitês, os 92,5%.
Já há algum tempo, a gente observa do trabalho do senhor uma série de medidas e decisões que legitima a atuação dos Comitês de Bacias Hidrográficas na gestão dos recursos hídricos – seja colocando-os no centro das discussões de assuntos que os envolvem ou determinando medidas que os fortalecem. Como o senhor vê o trabalho dos CBHs, como entes de Estado que são, e o papel que exercem na gestão das águas daquele território?
A primeira coisa que temos que ponderar é que a gestão dos recursos hídricos num determinado território resta absolutamente comprometida e inviabilizada se você não tiver um comitê de bacia hidrográfica forte, atuante e imparcial. O papel exercido pelos comitês nesse território é fundamental; sem eles essa gestão fica absolutamente comprometida.
Eu, enquanto coordenador regional das promotorias do Velhas e Paraopeba, não tenho a menor condição de trabalhar e tentar devolver à sociedade um trabalho profícuo, um serviço público de qualidade, se eu não tiver subsídio dos comitês para atuar. São eles que estão na ponta, que conhecem a realidade das bacias, tanto sob o ponto de vista das ameaças, das crises, mas também das oportunidades. São os comitês que demandam, por exemplo, a criação de zonas de restrição, das próprias unidades de conservação, que trazem ao MP informações a respeito de atributos que merecem ser preservados num determinado território. É uma relação institucional de troca.
O MP defende a regularidade do funcionamento e o fortalecimento dos comitês, e os comitês devolvem ao MP informações, dados e subsídios que permitem a nossa atuação em defesa do território.
Para minha atividade específica e para a sociedade como um todo, esse fortalecimento dos comitês é fundamental. Só há gestão adequada de recursos hídricos a partir do fortalecimento dos comitês, inclusive em observância aos princípios da participação e informação, que estão previstos na Constituição Federal e na Política Nacional de Recursos Hídricos. O comitê é uma forma de instrumentalizar o princípio da participação popular na preservação dos recursos hídricos.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiz Ribeiro
*Fotos: Ohana Padilha