Na bacia do Rio das Velhas, crianças, jovens e comunidades descobrem na Educação Ambiental um caminho possível para mudar a realidade local e salvar suas águas
“Antes era assim: caía o esgoto na cachoeira e o que eu podia fazer? Nada. Mas agora que a gente entende melhor sobre isso, sabemos que temos o poder de mudar e salvar a cachoeira do Sansa.”
A fala é de Bernardo Duarte Silva, estudante de apenas 14 anos da Escola Municipal Honorina Giannetti, de Rio Acima, no Alto Rio das Velhas. Cidadão em formação, ele traduz em palavras simples a força que a Educação Ambiental pode ter diante dos desafios do presente, especialmente em sua cidade, onde nascem importantes cursos d’água que alimentam o Velhas.
A cachoeira em questão é a do Sansa, com uma queda d’água de mais de 30 metros, localizada no centro da cidade. O local ainda conserva parte de sua vegetação nativa e, apesar de estar bem localizado e acessível ao público, não é próprio para banho. “Uma cachoeira tão bonita e, mesmo assim, não podemos nadar ou usá-la. Eu acho que precisamos fazer algo”, conclama.
Jovens Cientistas
A consciência que despertada em Bernardo ecoa o pensamento de Paulo Freire, educador e filósofo que compreendia a educação como prática de transformação social. “A educação não transforma o mundo. A educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.” Bernardo é uma dessas pessoas, um agente da mudança na bacia do Velhas.
Integrante do projeto “Jovens Cientistas: Nas Águas da Ciência Cidadã”, o estudante, junto a colegas dos anos finais do Ensino Fundamental, mergulha em métodos científicos voltados à análise da qualidade da água na região. Com dados em mãos e olhar crítico, eles não apenas passam a compreender melhor o ambiente em que vivem, mas se tornam capazes de exigir políticas públicas e ações concretas que garantam o uso responsável e a preservação desse bem comum.
Quem lidera essa iniciativa de ciência e Educação Ambiental é a professora Daniela Campolina, coordenadora do grupo de pesquisa EduMite — Educação, Mineração e Território, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo ela, a proposta é oferecer aos alunos uma vivência científica estruturada, baseada no método e na prática investigativa. “Essa sistematização é educativa, dialoga com os currículos nacional e estadual, e também com a ideia de gestão participativa das águas”, explica. Para Daniela, que também é conselheira do Subcomitê Rio Itabirito, a iniciativa representa uma articulação entre ciência, sociedade, escola e o Comitê. “É uma faixa etária estratégica, porque estamos falando de jovens que viverão em um planeta impactado pela crise climática e por eventos extremos. Eles precisam estar preparados para isso”, destaca.
Entre as atividades realizadas pelo projeto estão: análises biológicas; identificação de bioindicadores sensíveis à qualidade da água; exames físico-químicos; elaboração de abaixo-assinados; construção do histórico ambiental da região; campanhas de conscientização; e até a produção de artigos científicos. Esse senso de responsabilidade já se reflete no cotidiano dos alunos da escola municipal. “Há pouco tempo, fizemos uma carta que entregamos às autoridades, tentando resolver esse problema, melhorar a qualidade da água, para que a gente possa usufruir desse recurso e transformar o nosso espaço, o Sansa, em um parque. Assim, tanto os turistas, quanto nós, moradores de Rio Acima, poderíamos aproveitar essa cachoeira. Porque não é qualquer lugar que tem uma cachoeira, principalmente no centro da cidade”, explicou Bernardo.
Ações como o projeto “Jovens Cientistas: Nas Águas da Ciência Cidadã” se conectam a um plano mais amplo, que tem como objetivo despertar no cidadão a consciência ambiental e o senso de responsabilidade sobre os recursos hídricos.

Bernardo Silva acredita e trabalha pela recuperação de um dos símbolos da sua cidade. Quem lidera o projeto pelo EduMite é Daniela Campolina
Velhas Vivo
Aprovado em 2024, o Plano de Educação Ambiental (PEA) do CBH Rio das Velhas representa um marco estratégico para a preservação e revitalização da bacia. Intitulada Programa Velhas Vivo, a iniciativa nasce do diálogo com as realidades e necessidades locais, articulando os esforços de prefeituras, escolas, instituições e organizações da sociedade civil em torno de um propósito comum: fortalecer a consciência ambiental e o sentimento de pertencimento das populações dos 51 municípios à bacia do Rio das Velhas e seus afluentes.
Sua elaboração foi conduzida por um processo participativo e territorializado. Antes da aprovação, o Comitê realizou um amplo diagnóstico que mapeou quase 300 iniciativas representativas de Educação Ambiental em toda a bacia, identificando boas práticas, projetos consolidados e as principais demandas das 23 Unidades Territoriais Estratégicas (UTEs). Conselheiros, Subcomitês, a Câmara Técnica de Educação, Mobilização e Comunicação (CTECOM) e a Diretoria Ampliada do Comitê atuaram e subsidiaram a construção do documento.
A articulação proposta pelo PEA confere unidade, direção e capilaridade às ações educativas no território. “É uma forma de organizar e dar mais força ao que já é feito, construindo uma atuação mais integrada, comunicativa e eficaz junto à população”, destaca Ronald Guerra, vice-presidente do CBH Rio das Velhas. Com raízes fincadas no território e legitimidade social, o Programa Velhas Vivo aponta caminhos para uma transformação duradoura, que combina educação, pertencimento e sustentabilidade.

Educação Ambiental foi ponto focal da ‘Semana Rio das Velhas 2025’
Para além do campo institucional, o PEA também se propõe a dialogar com os sonhos e aspirações das comunidades ribeirinhas e escolares. Um dos principais símbolos dessa mobilização é a “Meta 2034”, proposta para despoluição do Rio das Velhas em seu trecho metropolitano. Mais do que uma meta ambiental, trata-se de um ideal coletivo que move o imaginário e convida a sociedade à corresponsabilidade pela transformação do território. “Isso é um sonho”, diz Ronald. “Mas um sonho que fortalece o pertencimento e desperta o desejo de participação ativa.”
Nesse sentido, a Educação Ambiental é compreendida não apenas como um processo formativo, mas como ferramenta de transformação social. Ao associar metas concretas, como o retorno dos peixes e a melhoria da qualidade da água, a ações de sensibilização, o CBH Rio das Velhas constrói uma narrativa de esperança e corresponsabilidade.
Esse espírito de união e celebração também se manifesta na Semana Rio das Velhas, realizada anualmente em comemoração ao Dia do Rio, 29 de junho. A edição mais recente promoveu uma programação intensa, com atividades educativas e culturais em vários municípios, Diálogos Regionais entre os Subcomitês, Encontro dos Amigos do Rio e Plenária Comemorativa. Para o vice-presidente, a Semana tem um papel fundamental de mobilização e renovação de forças. “O rio reflete a nossa própria qualidade civilizatória. Assim, celebrar o Velhas é também reafirmar o compromisso com um futuro mais digno, biodiverso e sustentável para todos que vivem e dependem de suas águas”, afirma.
Assista ao vídeo sobre a ‘Semana Rio das Velhas 2025’:
Educação Sanitária na Pampulha
Com o objetivo de alcançar diferentes públicos, o PEA do CBH Rio das Velhas aposta em ações que vão além do ambiente escolar e mobilizam amplamente a sociedade. Um dos exemplos mais recentes e expressivos dessa abordagem é o Grupo de Mobilização e Educação Ambiental e Sanitária da Bacia da Pampulha (GMEA).
Nascido no Subcomitê Ribeirão Onça, o GMEA Pampulha surgiu da necessidade de fortalecer a mobilização social e o engajamento comunitário nas ações de recuperação ambiental da região. Como parte do Programa Reviva Pampulha – que visa à revitalização da Lagoa por meio da universalização do saneamento básico na bacia –, o grupo tem o objetivo de articular moradores, lideranças comunitárias, usuários de água, representantes do poder público e organizações ambientais para atuar na preservação e revitalização da região.
Segundo Sirlene Santos, coordenadora do Subcomitê Ribeirão Onça, o grupo definiu como território prioritário de atuação a sub-bacia do córrego Bom Jesus, considerada estratégica pela sua relevância socioambiental. A partir dessa escolha, foi criada uma comissão dedicada à produção de materiais didáticos e à formulação de atividades educativas voltadas à sensibilização da população.
Uma das ações implementadas pelo grupo foi o Circuito de Percepção Ambiental, voltado especialmente ao público adulto e a formadores de opinião. A proposta tem como foco despertar uma nova leitura sobre o território e a relação das pessoas com o meio ambiente. O circuito já tem edições programadas para os meses de agosto, setembro e novembro, com apoio logístico da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais). “A maior conquista do GMEA foi a aceitação e o envolvimento dos diversos atores com a proposta do grupo”, afirma Sirlene. Para ela, o engajamento coletivo tem sido essencial para ampliar o alcance das ações e garantir sua continuidade.

Primeiro encontro do GMEA junto à comunidade da bacia aconteceu em março deste ano
Além do circuito, o grupo também tem promovido ciclos de palestras nas escolas da região. Cada um contribui com conteúdos e abordagens complementares, fortalecendo o trabalho em rede. “Cada parceiro tem uma atividade. A gente fala do grupo como um todo, de como cada um tem um papel, mas leva sua própria palestra”, explica Sirlene. Participam dessa frente a Copasa, associações da sociedade civil, o Propam (Programa de Recuperação e Desenvolvimento Ambiental da Bacia da Pampulha) e a Secretaria de Meio Ambiente de Contagem. “Estamos todos juntos pelas águas”, resume Sirlene, sintetizando o espírito colaborativo que sustenta o GMEA e impulsiona a transformação socioambiental da bacia.
A experiência na bacia do Rio das Velhas demonstra que a Educação Ambiental é, antes de tudo, uma poderosa ferramenta de transformação social, capaz de despertar o sentimento de pertencimento e a responsabilidade coletiva pela preservação dos recursos naturais. Seja por meio do envolvimento de jovens cientistas, como Bernardo, das mobilizações comunitárias articuladas pelo GMEA, seja pelas políticas integradas propostas pelo Plano de Educação Ambiental, a mobilização em torno do Velhas reflete a urgência e o compromisso com a construção de um futuro mais sustentável, o mais rápido e articulado possível.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Matéria originalmente publicada na Revista Velhas nº22
*Texto: João Alves
*Fotos: João Alves; Bianca Aun
