O terceiro maior reservatório de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) pode secar. A Prefeitura de Contagem quer mudar a lei de parcelamento, ocupação e uso do solo e transformar as áreas rurais do município em áreas urbanas. A proposta pode acabar com a lagoa Vargem das Flores e, consequentemente, prejudicar a segurança hídrica da RMBH.
A medida foi proposta em julho de 2017, no Conselho Metropolitano da RMBH, e não foi aprovada por protestos da população. No momento, a proposta encontra-se na Câmara de Vereadoresde Contagem para análise.
Presidente da Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC) do CBH Rio das Velhas, o acadêmico Rodrigo Lemos desenvolveu uma série estudos sobre a região e falou sobre a importância da lagoa não só para o contexto de Contagem, como da Grande BH como um todo.
Em que medida a urbanização da região, proposta pela prefeitura de Contagem na nova lei de parcelamento, ocupação e uso do solo, oferece riscos à lagoa de Vargem das Flores?
A princípio, uma área urbana dentro de uma dinâmica de mananciais pode parecer que não é contraditório. Só que a grande preocupação é que o modelo de urbano que a gente adota no Brasil é muito pouco sensível às águas e extraordinariamente impactante principalmente para a permeabilidade do solo. As principais consequências desse modelo são, então, carreamento de poluição difusa e impermeabilização do solo. No contexto de um manancial que vem de um reservatório, poluição difusa é um problema complexo, porque é um material que vai desde o sedimento que vai ser depositado, a outros parâmetros que podem por exemplo alterar a qualidade de água. Da mesma forma, se eu aumento as áreas impermeáveis, eu diminuo a capacidade de infiltração e, portanto, diminuo a vazão contínua que se espera para aquele manancial. Além disso, aumento vazões em períodos específicos com maior poder de carreamento de materiais.
Qual a importância da represa de Vargem das Flores para o abastecimento público da Região Metropolitana?
O abastecimento metropolitano é estruturado principalmente a partir de dois grandes sistemas de mananciais: o Rio das Velhas e o Rio Paraopeba. A bacia do Rio das Velhas funciona a partir de captação a fio d’água, sem reservatório, em Bela Fama [Nova Lima]. Já o Paraopeba funciona por captações com reservatórios em Rio Manso, Serra Azul e Vargem das Flores – então, Vargem das Flores é parte do tripé que sustenta o sistema de abastecimento metropolitano a partir da lógica do Paraopeba. Nós temos hoje sistemas integrados de abastecimento, mas a consequência é que o Paraopeba consegue proporcionar uma dinâmica de planejamento para a segurança hídrica mais forte ao longo do tempo. Retirar o manancial de Vargem das Flores é diminuir de forma significativa a segurança hídrica da RMBH.
Em caso de aprovação da proposta da prefeitura, a expectativa é que, em 50 anos, a região de Vargem das Flores tenha cerca de 900 mil moradores. Quais outras implicações esse adensamento urbano no território poderia gerar?
Pensar numa dinâmica de adensamento nessa escala significa replicar o modelo de adensamento que é padrão Brasil: muito pouco sensível e extremamente intenso. As consequências são aumento do escoamento da água de chuva, diminuição da infiltração, potenciais de alagamento e maior carreamento de sólidos e parâmetros que podem alterar a qualidade da água do reservatório.Isso vai assorear o reservatório, que já sofre com assoreamento, e consequentemente você diminui extraordinariamente a sua vida útil.
Na sua opinião, quais premissas a lei de parcelamento, ocupação e uso do solo de Contagem deveria seguir?
Em nível de premissas, a gente tem uma discussão que é pensar a importância do território de Vargem das Flores para a RMBH, e pensá-lo a partir da lógica municipal. Dentro da lógica municipal, a região de Vargem das Flores poderia ser entendida a partir de uma perspectiva muito específica por um grupo que tem um domínio político muito forte, como uma área de expansão imobiliária. Mas vale refletir que em Contagem, assim como na RMBH como um todo, a discussão sobre acesso à moradia passa muito mais pelo processo de acesso econômico do que efetivamente pela disponibilidade. Terra é um dos poucos recursos que se você aumentar a oferta não necessariamente você diminui preço, ou seja, aumentar o número de lotes não necessariamente facilita o acesso à moradia.
A consequência é que hoje Contagem quer aumentar uma área urbana para o município principalmente para fomentar fins especulativos que não necessariamente geram desenvolvimento municipal. Então, é essencial entender a área de Vargem das Flores como um potencial atrativo de recursos que sejam compatíveis com a dinâmica do manancial. Nesse contexto, um projeto que pode ter rebatimento positivo em Vargem das Flores é o planejamento metropolitano. Infelizmente, os debates que se vê a partir de Contagem são debates municipalistas, que estão extremamente orientados apenas pela lógica municipal instrumentalizada pela especulação imobiliária. Quando se analisa pela escala metropolitana, a gente entende a região de Vargem das Flores como essencial para o abastecimento metropolitano. Exatamente por isso ela é marcada como uma ZIM (Zonas de Interesse Metropolitano) Mananciais, que apresentou parâmetros urbanísticos depois junto ao macrozoneamento que privilegiava as macrozonas de proteção ambiental 1 e 2, que eram zonas onde se pressupunha um nível de adensamento e de ocupação muito mais reduzida. A consequência é que Contagem questionou esse processo, que está encontra parado na Assembleia; infelizmente é a lógica a partir de seus interesses econômicos e municipalistas que está impedindo toda a dinâmica de planejamento metropolitano.
Lagoa Vargem das Flores, em Contagem. Crédito: Prefeitura de Contagem
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Foto: Luiza Baggio e Prefeitura de Contagem