2024 em chamas

12/12/2024 - 8:25

O ano recorde de queimadas e as sequelas graves para a natureza na bacia do Rio das Velhas


“Foi muito triste, eu nunca tinha visto um incêndio assim. O fogo começou perto da linha férrea que passa ao lado do parque e, quando vimos, as chamas já tinham entrado na nossa área. Uma destruição imensa, principalmente numa área de mata bastante preservada que a gente tinha. Levamos uma semana para conseguir controlar a situação”, relembra com tristeza Silvana Maria Costa, gerente do Parque Estadual da Serra do Sobrado, em São José da Lapa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Este ano, a unidade registrou 12 ocorrências de incêndios florestais, tanto no entorno quanto na área interna. Só dentro do Parque o fogo destruiu mais de 40 hectares de vegetação. Até hoje, os prejuízos ambientais e ecológicos estão sendo calculados.

O período severo de incêndios florestais em Minas Gerais já terminou. A situação foi especialmente crítica entre os meses de julho e setembro, quando o clima seco e o vento contribuíram para o aumento do número de casos. Agora, as cidades não estão mais encobertas pela fumaça e o cheiro forte causado pelas queimadas já se dissipou. A chegada das chuvas deu fim aos milhares focos de incêndio que até semanas atrás tomavam conta do país. Mas as chamas deixaram sequelas preocupantes para a biodiversidade do estado e reflexos que vão ser percebidos por um longo tempo.



Mesmo antes de chegar ao fim, 2024 já bateu recorde no registro de incêndios florestais em Minas Gerais. De janeiro a outubro, o Corpo de Bombeiros contabilizou mais de 29 mil ocorrências de queimadas em vegetação no estado. O número é quase 70% maior que o registrado em todo o ano passado. Na comparação com os últimos anos, 2024 foi o mais devastador em número de incêndios florestais.

A situação crítica, observada em todas as regiões do país, segundo especialistas, foi resultado de uma combinação de fatores. “Inicialmente, é preciso entender que, caso o clima esteja favorável à propagação dos incêndios, eles ocorrerão em maior dimensão e severidade, como observado em todo o mundo, não apenas no Brasil. Mas um ano ruim para uma determinada região nem sempre é igualmente ruim para outra. Em Minas Gerais, enquanto a região Norte, especialmente o Alto e Médio São Francisco, apresentou uma redução de cerca de 40% nos focos de calor, outras regiões, como a RMBH, registraram aumentos de até 130%”, comenta Rodrigo Belo, coordenador do Programa de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais do Instituto Estadual de Florestas (IEF).



Além do Parque Estadual da Serra do Sobrado, outras 19 Unidades de Conservação (UCs) localizadas na bacia do Rio das Velhas registraram incêndios florestais este ano. O fogo destruiu a vegetação em vários municípios da bacia, inclusive na Área de Proteção Ambiental (APA) Cachoeira das Andorinhas, em Ouro Preto, onde ficam as primeiras nascentes do Rio das Velhas. Corpo de Bombeiros, Secretaria de Meio Ambiente de Ouro Preto, além da Defesa Civil e brigadas contratadas pelo IEF (Instituto Estadual de Florestas) e por mineradoras, trabalharam incansavelmente na tentativa de controlar o avanço das chamas.

A pedido do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), o IEF fez um levantamento sobre o número de incêndios florestais nas UCs da bacia. Até o fim do mês de outubro, o Instituto já havia contabilizado 272 ocorrências, mas destacou que os números reais poderiam ser bem maiores, já que alguns casos ainda estavam sendo lançados no sistema. “2024 foi, certamente, um dos mais terríveis em termos de incêndios em vegetação na bacia do Velhas. As perdas para a biodiversidade são incalculáveis. Milhares de hectares de matas preservadas se transformaram em cinzas. E, certamente, vamos perceber os efeitos dessa destruição por bastante tempo”, enfatiza Poliana Valgas, presidenta do CBH do Rio das Velhas.



Especialistas alertam que os incêndios florestais deixaram marcas profundas na biodiversidade. “Os impactos diretos são a morte da vegetação, animais e impactos em propriedades públicas e privadas. A longo prazo, isso gera degradação da vegetação e perda de biodiversidade, além de prejuízos na qualidade da água, doenças respiratórias e degradação do solo”, explica Ubirajara Oliveira, biólogo, mestre em Ecologia, doutor em Zoologia e pesquisador no Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Ana Alencar, coordenadora do MapBiomas Fogo, afirma que o Cerrado, bioma predominante na bacia do Rio das Velhas, historicamente sofre com vários impactos causados pelos incêndios. “Estamos em um ano muito seco, o que criou o cenário propício para a ocorrência desse número alto de incêndios, principalmente nos meses de agosto e setembro. No Cerrado, com a vegetação mais aberta, o fogo faz parte do ecossistema. Mas a intensidade e a frequência que os focos ocorreram desta vez comprometeram a biodiversidade. E isso gerou um impacto importante, afetando espécies que não são tão tolerantes ao fogo”, analisa.


Confira os dados do levantamento do IEF, em detalhes:


Os números preliminares do IEF apontam que 6.807 hectares de vegetação foram destruídos dentro das UCs da bacia do Rio das Velhas. “Incêndios não tem início espontâneo, a não ser por raios, mas nesse caso, geralmente, são extintos pela própria chuva. Assim, para evitar os incêndios, são necessárias ações de educação ambiental e ações de fiscalização e punição dos causadores dos incêndios”, complementa o pesquisador Ubirajara Oliveira.

O CBH Rio das Velhas defende a importância de ações integradas e medidas urgentes para evitar que a situação enfrentada em 2024 volte a se repetir, bem como para amenizar as consequências ambientais deixadas pelo fogo que castigou a bacia este ano. “O que vivemos nos mostra o quanto precisamos de mais investimentos em medidas de prevenção. Também é preciso apoio com infraestruturas adequadas para combater os focos de incêndio na origem, impedindo que as chamas se espalhem. Sem medidas adequadas, incluindo a cooperação das empresas que ficam nos entornos das nossas UCs, não vamos conseguir uma solução para esse problema”, finaliza Poliana Valgas.


Confira como foram as ações de combate promovidas na Serra do Cipó, com apoio do Subcomitê local:


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Ricardo Miranda
*Fotos: Fernando Piancastelli