Após pressão social, mineradora que soterrou gruta no Alto Velhas tem atividades suspensas

08/04/2025 - 16:25

A região de Santo Amaro do Botafogo, em Ouro Preto, no Alto Rio das Velhas, é uma das mais ricas em biodiversidade e recursos hídricos na bacia. A área, que inclui as Serras de Ouro Preto, Chafariz, Amolar, Siqueira e Veloso, está inserida em um complexo geológico importante do Quadrilátero Ferrífero e que, nos últimos anos, se tornou alvo da ambição de mineradoras.


O assunto ganhou ainda mais repercussão nas últimas semanas, depois que a justiça determinou a suspensão das atividades da mineradora Patrimônio Mineração LTDA., responsável pela extração de minério de ferro na comunidade Botafogo. Mesmo já tendo sido notificada a paralisar parcialmente os trabalhos, a empresa descumpriu a determinação e soterrou completamente uma caverna que existia na região.

A situação acendeu o sinal de alerta sobre os riscos do avanço desgovernado das atividades de mineração sobre a região de Botafogo. Ambientalistas, estudiosos e representantes de várias entidades se mobilizaram para cobrar respostas dos órgãos responsáveis, além de criticar a falta de atitudes que pudesse ter evitado os desastres ambientais que já aconteceram, como o soterramento da gruta.

O assunto, que ganhou ainda mais visibilidade após o soterramento da caverna, já havia despertado a preocupação do Subcomitê, que levou o caso ao conhecimento do CBH Rio das Velhas no ano passado. Dezenas de estudos e documentos comprovando a situação grave também foram encaminhadas aos órgãos fiscalizadores, cobrando ações rápidas. E com o passar do tempo a situação só se agravou.

Já foram mapeados pelo menos seis processos minerários na região do Botafogo. Um estudo do Departamento de Geologia da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) identificou que o avanço desse tipo de atividade na região aumentou gradualmente desde 2017. Desde então, as consequências ambientais já foram percebidas. O levantamento aponta diminuição gradual na vegetação do local, que fica na transição do Cerrado e da Mata Atlântica, com presença também de campos rupestres, abrangendo importantes áreas de preservação: a APA (Área de Proteção Ambiental) Cachoeira das Andorinhas e a Estação Ecológica do Tripuí.

Os pesquisadores da UFOP destacaram também que os mapas geológicos e as referências de literatura científica indicam que na região do Botafogo ficam três dos quatro aquíferos mais importantes do Quadrilátero Ferrífero, sendo eles o Aquífero Cauê, o Aquífero Cercadinho e o Aquífero Gandarela – não à toa a região é também conhecida por Quadrilátero Ferrífero-Aquífero.

A área compreende os segmentos hidrográficos do Ribeirão Funil, afluente da Bacia do Rio São Francisco, e também cursos d´água integrantes da Bacia do Rio Doce, como o Córrego Botafogo. Os recursos hídricos dessa parte do território são responsáveis pelo abastecimento de água para várias comunidades próximas a Ouro Preto, além de ter um impacto significativo no Rio das Velhas, garantindo parte do fornecimento para a região metropolitana de Belo Horizonte.

A ambição das mineradoras

Ronald Guerra, vice-presidente do CBH do Rio das Velhas e morador da região há mais de 40 anos, acompanha com preocupação o avanço da mineração em Botafogo. Segundo ele, no final do ano de 2019, o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Ouro Preto aprovou a anuência para a empresa LC Participações e Consultoria LTDA., responsável pelo ‘Projeto Patrimônio’, implantar uma Unidade de Tratamento de Minério (UTM) na comunidade. “A empresa não reconheceu o impacto desse tipo de atividade no território, que tem um importante acervo arqueológico, patrimônio natural, na cabeceira do Córrego Funil. Nós fomos contrários, mas perdemos na votação e a partir disso surgiu o movimento ‘Mineração no Botafogo não!”, explica Ronald Guerra. Ambientalistas, comunidade científica e outras centenas de pessoas se uniram à iniciativa e, em março de 2020, protocolaram uma denúncia no Ministério Público tentando barrar o empreendimento.

O Subcomitê Nascentes seguiu monitorando a situação e o Ministério Público (MP) abriu um inquérito civil para apurar a situação. Diante disso, a empresa desistiu do processo de licenciamento e o MP arquivou as investigações. “A empresa se utilizou de um subterfúgio, dizendo que havia desistido do empreendimento para que o Ministério Público não desse prosseguimento às investigações, justamente porque o licenciamento que era apurado não existia mais. Mas, na verdade, a empresa mudou o licenciamento, deu início a um novo processo, burlando o procedimento para conseguir a autorização de exploração”, complementa Ronald.

O novo pedido de licenciamento foi aprovado pela FEAM (Fundação Estadual de Meio Ambiente) em fevereiro deste ano. A licença para a ‘Patrimônio Mineração’ é válida por dez anos, prevendo mineração a céu aberto de 1,35 milhão de toneladas de ferro e 150 mil toneladas de manganês por ano, além da instalação de uma UTM e uma pilha de rejeitos estéreis numa área de 5,4 hectares. Um dia após a publicação do parecer favorável da FEAM, a empresa deu início às atividades em Botafogo.

A situação deixou a comunidade inconformada. “Aqui é uma área de interesse arqueológico, patrimônio e recursos hídricos. O inquérito foi arquivado porque alegaram desistência, mas o que fizeram foi abrir outro processo de licenciamento em paralelo, e conseguiram a licença sem que a gente tivesse tempo de reagir”, afirmou Líria Barros, vice-presidente da Associação de Moradores, em entrevista à imprensa durante uma manifestação organizada pela comunidade.

Segundo os ambientalistas, depois de abrir o outro processo de licenciamento, a empresa conseguiu autorização pra dar início à mineração na comunidade de Botafogo. Os moradores da região afirmam que, para tentar facilitar a liberação das autorizações e burlar as legislações ambientais, as mineradoras se dividiram em áreas menores. A situação foi confirmada pelo estudo do Departamento de Geologia da UFOP. “Podemos afirmar que os projetos de mineração em Botafogo, como em outras regiões do Quadrilátero Ferrífero, são fragmentados em pequenas partes para facilitar sua aprovação. Esta fragmentação impede a sociedade e os licenciadores de conhecerem os impactos cumulativos e sinérgicos às recargas hídricas, além dos rebaixamentos dos níveis de águas subterrâneas e diminuição das vazões das águas superficiais”, afirmam os pesquisadores no relatório.

Em entrevista ao Projeto Manuelzão, Adivane Costa, professora da UFOP e coordenadora da Cátedra Unesco Água, Mulheres e Desenvolvimento, destacou que em poucas semanas de exploração da ‘Mina Patrimônio’ já foi possível perceber os impactos negativos. “Com a chuva recente, observamos um aumento exorbitante da turbidez e dos sólidos em suspensão no Ribeirão Funil, causado pelo carreamento de sedimentos como ferro e manganês. Essas alterações comprometem a qualidade da água captada para o abastecimento público”, alerta.

Cratera soterrada

O Subcomitê Nascentes e o CBH Rio das Velhas demonstraram grande preocupação com o caso e a população também se mobilizou. No último dia 9 de fevereiro, a Associação dos Moradores e Amigos de Botafogo encaminhou uma nova denúncia ao MP. O documento alertou que o trabalho na ‘Mina Patrimônio’ estava avançando de forma irresponsável, colocando em risco importantes sítios arqueológicos, causando impactos ambientais e comprometendo a integridade do patrimônio histórico e cultural da região.

Mesmo diante das denúncias, com a demora de ações efetivas por parte do poder público, os próprios moradores passaram a monitorar a área, com uso de drones, flagrando o avanço de retroescavadeiras em direção a uma área onde havia uma caverna e que estava sendo soterrada. No dia 24 de março, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMAD) vistoriou a área e confirmou que a cavidade havia sido soterrada, sem autorização dos órgãos competentes. A secretaria lavrou um Auto de Fiscalização e um Auto de Infração, determinando o embargo das atividades da mineradora em um raio de 250 metros ao redor da caverna.

A Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) notificou órgãos estaduais e federais sobre a destruição da gruta pela mineradora na comunidade Botafogo, destacando a constatação de crimes ambientais. Segundo a entidade, a cavidade natural consta no relatório de arqueologia do empreendimento, sendo registrada também no Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Porém, a mineradora omitiu a existência da gruta no relatório espeleológico apresentado no processo de licenciamento. A SBE solicitou a abertura de uma investigação e a suspensão de todas as atividades da mineradora até a conclusão da perícia técnica no local.

No dia 27 de março, após nova denúncia dos moradores, a pedido do MP, a Polícia Militar de Meio Ambiente fez uma nova fiscalização na ‘Mina Patrimônio’ e que empresa teria descumprido a determinação de embargo às atividades na área e utilizado escavadeiras e rompedor hidráulico durante a madrugada para avançar com a extração de minério de ferro no local. Diante disso, no início de abril, a juíza Ana Paula Lobo Pereira de Freitas determinou a imediata suspensão de todas as atividades da mina, estabelecendo multa diária de R$ 50 mil, proibição do uso de maquinário e escoamento de minério na área, vetando ainda que a mineradora realizasse outras intervenções no local.

A destruição da gruta e os prejuízos arqueológicos revoltam a população. “A ação das mineradoras nas nossas comunidades revela um comportamento vizinho do suicídio. As mudanças climáticas estão aí. Alertamos sobre o descalabro do Botafogo já faz pelo menos um ano e nada foi feito para impedir o desastre. Tememos pelos danos ambientais, culturais e arqueológicos, assim como pela nossa segurança hídrica e até da Região Metropolitana de Belo Horizonte, já que boa parte da água que abastece a capital e a RMBH vem daqui do Alto Rio das Velhas”, protesta Paulo Barcala, coordenador do Subcomitê Nascentes como representante da Sociedade Civil.

Efeitos cumulativos

Os estudos da UFOP, encaminhados às autoridades competentes, concluem que as atividades minerárias na região do Botafogo não são sustentáveis e estão “gerando riscos para a segurança hídrica, tanto em quantidade como qualidade das águas. Os dados coletados indicam a necessidade urgente de um manejo sustentável e de políticas públicas que visem a preservação ambiental, a proteção dos recursos hídricos e a mitigação dos efeitos adversos das atividades”.

Membros do Subcomitê chamam atenção para os perigos dos efeitos cumulativos das atividades mineradoras. Com a estratégia das empresas de fragmentar as atividades em minas de pequeno porte, para facilitar a aprovação das licenças, os prejuízos acumulados podem ser negligenciados.

O CBH Rio das Velhas e o Subcomitê Nascentes seguem atentos à situação. “Vamos continuar acompanhando o andamento das investigações e contribuindo com o dossiê que está em posse do Ministério Público. Essa área é de extrema importância para toda a bacia. As várias mineradoras dentro do território conseguiram aprovação por parte do Governo do Estado, mas sem que fosse considerado o efeito cumulativo dessas ações. É preciso que sejam adotadas medidas urgentes, porque os problemas já são visíveis e as perdas vão ser irreparáveis”, finaliza Ronald Guerra.


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Ricardo Miranda
*Foto: Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE)/Divulgação; Arthur de Viveiros