Cobrança pelo Uso da Água: entenda como são aplicados os recursos

14/05/2024 - 17:15

A Cobrança pelo Uso da Água, um dos instrumentos de Gestão dos Recursos Hídricos, é realizada anualmente para aqueles usuários de água que possuem outorgas de usos significantes. Os recursos são pagos ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) e repassados integralmente ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) através da Agência Peixe Vivo. São esses recursos que permitem a gestão, o planejamento e a execução de ações de proteção e revitalização do Rio das Velhas e seus afluentes.


Para entender como essas ações são executadas, acompanhe como é o processo de um projeto ambiental, desde a demanda até a entrega.

Uma introdução

Na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, é grande a diversidade da ocupação humana e as demandas de cada região são também bastante diferentes. Basta dizer que, próximo às cabeceiras, no Alto Rio das Velhas, a urbanização é intensa e uma das atividades econômicas de destaque é a mineração, enquanto no Baixo Rio das Velhas a principal atividade é a agricultura e a população rural é considerável.

No CBH Rio das Velhas, a maneira encontrada para que essas demandas sejam visibilizadas e atendidas foi a criação dos Subcomitês da Bacia Hidrográfica (SCBHs). Em geral, é no seio dos Subcomitês, mais próximos das populações locais, que nascem as solicitações por projetos hidroambientais que beneficiem a sociedade civil e os usuários de recursos hídricos. Os projetos hidroambientais se diferenciam dos grandes projetos de saneamento básico e ambiental, que buscam a melhoria da qualidade da água através da coleta e tratamento dos esgotos. Os projetos hidroambientais se caracterizam pela ação pontual em áreas espalhadas por uma bacia hidrográfica, para garantir que suas condições naturais sejam preservadas.

Antes de começarmos a ver passo a passo a aplicação dos recursos é importante dizer que, do início ao fim de um projeto, a Equipe de Mobilização e Educação Ambiental do CBH Rio das Velhas acompanha todas as etapas, uma vez que mobilizar socialmente os atores locais é a chave para o sucesso de um programa de revitalização ambiental, bem como a Câmara Técnica de Planejamento, Projetos e Controle (CTPC), instância do Comitê que vai avaliar a viabilidade do projeto, os critérios de seleção e a adesão a todo o processo legal que a utilização de recursos públicos exige.

Outra instituição que está presente em toda a cadeia é a Agência Peixe Vivo. Ela assessora o Comitê não só na gestão dos recursos, mas também no suporte técnico necessário tanto para o planejamento quanto para a execução do projeto. Desde estagiários, passando por analistas, coordenadores e gerentes, a equipe da agência assegura que os trâmites legais e a aplicação dos recursos provenientes da cobrança pelo uso da água sejam realizados de modo transparente, racional e técnico.

Primeiros passos

A partir do momento em que o Comitê anuncia a criação de um novo projeto hidroambiental para a bacia, os Subcomitês são convocados a apresentarem microbacias prioritárias para receberem os projetos e os critérios de seleção dessas localidades. Rayssa Ribeiro, Coordenadora Técnica da Agência Peixe Vivo, vai nos guiar por todo o processo. Veja o que ela diz sobre a etapa de seleção: “A Agência Peixe Vivo, em conjunto com o CBH Rio das Velhas, produziu um manual para implementar programas de conservação ambiental e produção de água. Esses projetos visam a maximizar a produção de água na bacia e o manual procura estabelecer critérios objetivos para seleção e execução de projetos hidroambientais que construam estruturas de conservação do solo, de recuperação de áreas degradadas, entre outros”.

Para entender como isso ocorre na prática, vamos olhar para um projeto concreto. No início de 2015, o Comitê publicou a Deliberação Normativa no 01, que dispunha “sobre os mecanismos para a seleção de demandas espontâneas de estudos, projetos e obras que poderão ser beneficiados com os recursos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, no âmbito do CBH Rio das Velhas, para execução em 2015 a 2017”. No documento, o Comitê definiu que os Subcomitês que demandassem estudos, projetos e obras ao CBH Rio das Velhas deveriam apresentar “definição dos objetivos, justificativa, área de abrangência, metas, resultados esperados, população beneficiada, parceria e a relevância ambiental para a Unidade Territorial Estratégica (UTE); e cópia de ata, assinada pelos coordenadores do Subcomitê, da reunião na qual foram referendadas todas as demandas apresentadas”. Essa exigência permite maior participação dos atores locais na decisão de onde serão aplicados os recursos.

Um dos projetos selecionados nesse processo foi o da contratação de “empresa especializada para executar obras de terra, visando à melhoria hidroambiental em pontos diversos de estradas rurais na UTE Guaicuí, nos municípios de Várzea da Palma e Lassance, nas áreas definidas como prioritárias em função dos fatores de pressão previamente identificados nos diagnósticos da UTE Guaicuí”. No caso, buscando sanar o problema da escassez de água, foi solicitado pelos membros do Subcomitê Guaicuí, o “Projeto Barraginha: Adequação de Estradas Rurais”, que consistia na construção de barragens de contenção em estradas vicinais de comunidades rurais.

A UTE Guaicuí se localiza no Baixo Rio das Velhas, na região da foz. Essa UTE ocupa quase 15% do território da bacia, sendo a maior unidade do território. Possui cinco Unidades de Conservação inseridas em seu território, tendo 35% de sua área considerada prioritária para conservação. Mais de 50% de seu território tem forte tendência à erosão e 36,88% com média fragilidade. As características naturais do terreno, a compactação do solo e a ocupação desordenada aceleram os processos erosivos. Ou seja, é uma área de grande interesse para recuperação de áreas degradadas, o que ajudou no processo de hierarquização das demandas.

“A primeira etapa de um projeto hidroambiental é a hierarquização e seleção de microbacias prioritárias, definidas com base em critérios socioeconômicos, ambientais, hidrológicos etc. com a participação dos SCBHs. Após selecionado o projeto a ser executado, a Agência Peixe Vivo prossegue com a contratação de uma empresa especializada, que vai prestar consultoria, fazer um diagnóstico dessas microbacias, ver qual é o problema e quais são as soluções”, conta Rayssa.

Segundo ela, “isso é feito em escalas de propriedades: a empresa contratada visita cada propriedade, cadastra os proprietários, conversa com os produtores rurais. Isso acontece porque é alvo desse programa ter ampla participação social, uma vez que a pessoa que está ali na bacia tem mais conhecimento sobre quais são as questões e pode auxiliar no diagnóstico. Em seguida, elaboramos um projeto executivo por propriedade, que é apresentado para os produtores, para ciência e aceitação. O projeto só será executado se o produtor aceitar”, esclarece.

Projeto em execução

“Com o projeto em mãos, inicia-se a execução. Empresas executoras e gerenciadoras são contratadas, sendo que as primeiras executarão o projeto, enquanto as segundas vão acompanhar a execução com assessoramento técnico”, explica Rayssa. É nessa fase que acontece a implantação das intervenções necessárias levantadas na fase de diagnóstico. Tudo isso acontece através de um processo licitatório, em que a Agência Peixe Vivo fica responsável por construir o Termo de Referência (TDR) com os parâmetros para a concorrência. No projeto para o qual estamos olhando, a empresa executora foi a Localmaq, enquanto a gerenciadora foi a Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos (Cobrape).

A partir daí, a empresa irá executar o projeto de acordo com todas as informações levantadas durante o processo. No caso do “Projeto Barraginha: Adequação de Estradas Rurais”, a Localmaq produziu quatro produtos, sendo eles: diagnóstico ambiental das sub-bacias da UTE, levantamento topográfico, 450 barraginhas (150 em cada microbacia), plantio de 500 mudas nativas e cercamento de três nascentes e seis ações de mobilização social e educação ambiental para os atores locais. A execução iniciou-se em março de 2017 e foi concluída em fevereiro de 2018. O investimento do CBH Rio das Velhas no projeto foi de R$ 944.128,77.

O projeto pode ser verificado no Siga Rio das Velhas, sistema do Comitê para dar ampla publicidade às ações do CBH.


Veja fotos do projeto realizado na UTE Guaicuí:


Benefícios permanentes

“A última etapa é o monitoramento, que consiste em promover a manutenção das estruturas para um benefício duradouro. A empresa executora realiza a manutenção por cerca de dois anos, prestando assistência para que os beneficiários possam fazer a manutenção permanente”, diz Rayssa.

Vamos ouvir o que tem a dizer um dos beneficiários do “Projeto Barraginha: Adequação de Estradas Rurais”. João Pedro Medeiros é produtor rural. Junto com o pai, Antônio Azevedo, possui gado leiteiro e cultiva uma horta, cujos produtos vende na região. O Sítio Nossa Senhora Aparecida capta água da bacia do Rio das Velhas – os dois são, portanto, usuários de água. João Pedro conta que participou de todo o processo, inclusive da execução. “Eu participei no projeto, trabalhei com um pessoal que tava implantando aqui. Foi feito aqui no nosso terreno e nos vizinhos. Fechamos veredas, construímos barraginhas, a nascente de onde eu capto água foi cercada. Até hoje eu luto lá para manter as estruturas”.


João Pedro Medeiros é produtor rural no Sítio Nossa Senhora Aparecida


João celebra o fato de que os benefícios têm sido permanentes. Ainda hoje, sete anos após a finalização do projeto, ele sente que há mais disponibilidade de água e diz que começou a ver resultados já no ano seguinte à conclusão do projeto. “As barragens a gente vê o resultado logo no ano seguinte. Quando chove você vê a paisagem ao redor mais verde. Aqui na nossa propriedade tem um brejinho, aqui mesmo no fundo de casa. É intermitente, mas hoje ele corre por mais tempo”, conta.

Para ele, vale a pena o retorno do valor pago na cobrança pelo uso da água. E já se colocou disposto a receber mais benfeitorias: “Vale a pena demais. Estamos cuidando do bem que é nosso, o bem precioso que é a água. Se a gente que está perto das nascentes sente que melhorou, quem está mais embaixo no rio são muito mais beneficiadas. Se houver chance de vir mais projetos para cá, a gente está disposto. Essas coisas quando vem para cá, é bom demais. Depois disso já teve mais dois projetos, mas estamos sempre dispostos”, conclui.


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Leonardo Ramos
*Fotos: Acervo pessoal – Divulgação