Um derrame de efluentes domésticos na calha do Rio das Velhas, ali onde o curso d’água corre limpo e ostenta classe especial, alarmou os moradores do distrito ouro-pretano de São Bartolomeu, localidade que concorreu, no final de 2021, ao título de uma das melhores vilas do mundo justamente por sua riqueza natural, histórica e cultural.
O distrito possui a única Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) em funcionamento no município de Ouro Preto, inaugurada em 2008. Poucos quilômetros acima, no Parque das Andorinhas, estão as nascentes do mais comprido afluente do Velho Chico.
A concessionária privada que responde pelos serviços locais de saneamento, a Saneouro, de capital majoritariamente sul-coreano, informou, em Nota Oficial, que “a obstrução da rede é que foi responsável pelo descarte de esgoto na rede pluvial, e por consequência, no rio das Velhas. Após a desobstrução, o esgoto retomou seu trajeto natural pela rede da Saneouro até a ETE SB”.
Evaristo Bellini, superintendente da empresa desde 2022, engenheiro mecânico com pós-graduação em Engenharia de Manutenção e em Engenharia Ambiental e Saneamento, detalhou: “O transbordamento ocorreu antes [da chegada de funcionários da empresa] e nós atuamos para eliminar o problema. As redes [pluvial e de esgoto] não se comunicam, mas tem uma boca de lobo próxima ao PV [Poço de Visita, utilizado para manutenção e limpeza da rede], e esse esgoto transbordou em decorrência da obstrução e foi para a rede pluvial”.
Dúvidas…
Ronald Guerra, vice-presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) vive em São Bartolomeu há mais de 40 anos. Conhecedor do rio e das ameaças que o rondam, Guerra avalia: “As redes são muito próximas uma da outra e no PV tem um joelho de 90 graus. Fizeram um esquema de tampão, mas teria que ter outro Poço de Visita. A rua é de pouca declividade, ali encontra com outras redes. O que estava estancado foi para a área da drenagem pluvial, que passa ao lado”.
Para ele, “se tem um entupimento e não quer que ele migre pela própria rua ou pela rede pluvial, tem que sugar para desobstruir. Tem mecanismos para evitar isso, mas foi direto para a rede pluvial, um sinal de que elas estão conectadas”.
O professor Aníbal Santiago, da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), explica que, “no Brasil, por norma é adotado o sistema separador que conduz o esgoto sanitário apartado das águas pluviais, mas ocorre contaminação por ligações clandestinas ou projetos mal executados”.
O professor continua: “A rede de esgoto precisa de manutenção, por isso temos os Poços de Visita e tubulações de inspeção e limpeza. Esses acessórios comuns são utilizados para esses serviços. Em caso de entupimento, tem que sugar da rede de esgoto e encaminhar para a ETE, ou empregar um cabo de aço desentupidor, para obstruções sólidas”.
Segundo Bellini, “tínhamos que desobstruir o mais rápido possível, se fosse sugar não ia parar”.
Narcísio Gonçalves, coordenador do Procon de Ouro Preto e gestor do contrato de concessão, calcula que a separação adequada das redes pluvial e de esgoto seja “realidade de 1% das cidades brasileiras. Em Ouro Preto, o problema ocorre em praticamente toda a extensão da rede. Só em governos do Angelo [Angelo Oswaldo, atual prefeito, que já esteve à frente do Executivo Municipal em três outros mandatos] tivemos investimentos para corrigir isso, com separação das redes na Vila Aparecida, na Rua São José, no Jardim Itacolomi, no Nossa Senhora do Carmo e Novo Horizonte, para citar alguns exemplos”.
Derrame de efluentes deixou moradores em alerta em São Bartolomeu
… e desafios
O mapa básico para orientar investimentos e intervenções na rede coletora é o chamado Cadastro Técnico, um desenho pormenorizado das redes. Bellini admite: “Não temos cadastro de esgoto, estamos revisando o que tínhamos de início [quando a empresa assumiu a concessão], com foco nos centros com maior volume de geração de esgoto, como na sede e em Cachoeira do Campo. Depois vamos partir para outros distritos”. Ele clama pelo “uso consciente da rede de esgotos”, onde “se encontra de tudo”, de modo a evitar novas obstruções.
O superintendente, contudo, não estimou prazos para os investimentos da Saneouro em São Bartolomeu.
As necessidades se acumulam. Além da presumida existência de ligações irregulares de esgotos domésticos à rede pluvial, o distrito possui várias moradias reconhecidamente sem acesso à coleta, na região conhecida como Ponte dos Machados, nas quais o efluente vai para fossas sépticas ou instalações ainda mais rudimentares, praticamente às margens do Rio das Velhas.
O episódio de derrame de esgoto no Rio das Velhas e toda a situação relacionada serão examinados pelo CBH e pelo Subcomitê Nascentes, um dos 19 organismos consultivos e participativos do Comitê. Ronald Guerra constata: “Precisamos de investimentos para resolver os problemas”. E se pergunta: “Será que o melhor caminho é a privatização?”.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Fotos: TantoExpresso