Bacias de detenção se espalham pela cidade e lançam a dúvida:
são o melhor e único caminho?
A observação dos fenômenos naturais sempre foi o ponto de partida para o entendimento das “leis da natureza”. Ao longo dos séculos, o gênero humano absorve, adapta e aplica o conhecimento, muitas vezes ancestral, sobre a convivência harmoniosa com o meio ambiente. Esse fato produz ideias, ações e intervenções nas áreas urbanas.
No começo dos anos 2000, a capital mineira viveu uma experiência muito rica em participação e cidadania. Preocupados com uma região farta em nascentes de água, moradores do bairro São Francisco, na Pampulha, se organizaram em torno da preservação da área e da criação do Parque Ecológico do Brejinho, com o objetivo principal de proteger os olhos d’água que brotam no lugar. Com a organização, os moradores conquistaram votos no Orçamento Participativo e a liberação de verba para cercar a área – a consolidação do parque só se deu de fato ao final de 2021.
A professora Dalva Lara Corrêa, hoje aposentada, participou ativamente do processo e chegou a coordenar o Projeto de Preservação das Nascentes do Brejinho. “Com verba conseguimos construir uma guarita e cercar uma área de 73 mil m² que abriga as nascentes, com boa parte em vegetação natural”. Era o início de um grande projeto ecológico, mas que seria interrompido no meio do caminho.
Dalva conta que, anos depois dessa conquista, estava de férias, longe de Belo Horizonte, quando leu a notícia sobre a construção de uma bacia de contenção na área do Brejinho. “A Praça Bagatelle e o Aeroporto da Pampulha foram construídos em área brejosa, onde passam três córregos que causavam frequentes inundações. Por causa disso, a Prefeitura decidiu construir uma bacia de detenção dentro do parque. O Brejinho, com isso, perdeu 22 mil m² de área de preservação para a implantação da obra”, fato que deixou Dalva muito decepcionada com as decisões tomadas pelo poder público.
Professora Dalva Lara participou ativamente do processo de preservação da área do Brejinho.
Passadas quase duas décadas, com mais conhecimento acumulado sobre as ações da natureza e com as emergências climáticas batendo em nossas portas, a discussão sobre a execução de obras de macrodrenagem em centros urbanos volta com muita força. Em agosto de 2022, o Subcomitê Ribeirão Arrudas, ligado ao CBH Rio das Velhas, organizou um webinário para debater técnicas de manejo das águas das chuvas nas cidades, em especial as bacias de detenção, contenção e retenção. A conversa gira em torno da eficiência desse tipo de construção, os custos de implantação e manutenção, a necessidade de supressão de vegetação nativa para viabilizá-la e sobre o local ideal para instalar essas áreas de amortecimento das águas.
A discussão abre uma série de reflexões sobre até onde a intervenção é necessária e eficaz. Outro fator relevante no processo de implantação de uma bacia de contenção é a instalação ou remodelamento da rede de esgoto da região, tarefa que exige alinhamento e articulação com a concessionária de saneamento, a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais).
O caso do Parque Ecológico do Brejinho ilustra muito bem essa contradição entre solução natural ou intervenção humana. A geógrafa Viviane Ferreira Batista, especialista em geoprocessamento de dados, mestranda em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais, é moradora da região e membro da iniciativa Sistema Agroflorestal do Brejinho. Viviane é quem traz a questão dos impactos causados pela obra. “A bacia de detenção do Brejinho está dentro de uma unidade de conservação. Mesmo com as audiências públicas que aconteceram nos anos 1990 e 2000, com a aprovação pelo Orçamento Participativo, boa parte da vegetação nativa do parque foi retirada para a construção da bacia. Uma área arborizada, que poderia servir com escoamento e infiltração da água, de forma natural, deu lugar às obras de concreto”, explica a geógrafa.
Para ela, a falta de comunicação com os moradores foi sempre uma falha. “Numa visão geral vemos prédios, a bacia, isso tudo dentro da área de preservação do Brejinho. Em relação à comunicação visual, eu, como moradora, não sei se essa obra está acabada, se está em processo, não sei quem é o órgão executor. A gente não tem nenhum tipo de comunicação, seja uma placa indicadora com descrição da obra”. De acordo com a Secretaria de Obras da PBH, a Bacia de Contenção do Parque Ecológico do Brejinho está concluída.
Moradores dizem não saber se bacia no Parque do Brejinho está concluída ou em processo.
Bacias de detenção aberta
Área para receber o excedente das águas das chuvas que pode ser adaptada como área de lazer, com implantação de paisagismo, quadras de esportes e pistas para patinação e skate. Custo de implantação relativamente mais baixo.Bacias de infiltração
Localizadas em áreas com solo apropriado, funcionam nos períodos de maior concentração de chuvas, absorvem a água captada com maior rapidez.Bacias de retenção subterrânea
Mantêm nível constante de água, propiciam a sedimentação dos resíduos sólidos, guardam água de melhor qualidade. Precisam de monitoramento constante do volume armazenado e necessitam de manutenção para retirada dos resíduos sólidos ou desarenadores. Tem maior custo de implantação.
Soluções baseadas na Natureza
A engenheira Ambiental Andreiva Lauren Vital do Carmo, mestre em Engenharia Civil na área de Concentração Sanitária e Ambiental, aponta que um dos caminhos que podem ser adotados é reduzir o volume das águas que chegam até o curso d’água. “Existem as SbN [Soluções baseadas na Natureza], como, por exemplo, as trincheiras de infiltração. São caixas escavadas em áreas livres, a exemplo dos trechos do passeio público, com camadas de areia e brita para receber parte da água das chuvas do local. Já temos também tecnologia de revestimento que permite a infiltração de água como paralelepípedo ou bloquetes, que podem ser usados em áreas de estacionamento, por exemplo”, detalha a engenheira.
Andreiva destaca como um modelo de bacia de detenção subterrânea a obra construída na cidade de São Paulo. “No Estádio do Pacaembu, a bacia foi feita no subsolo. As galerias da região direcionam as águas excedentes para essa área, evitando alagamentos no entorno”, explica.
Coordenadora do Subcomitê Ribeirão Arrudas, Márcia Marques conclama uma urbanização que dialogue
mais com os espaços naturais.
A busca por uma convivência mais harmônica com as bacias dos rios nasceu da necessidade de melhorar a saúde da população. Chamada de abordagem higienista no princípio, ganhou versão contemporânea mais abrangente, englobando o meio ambiente e a biodiversidade do território. Márcia Marques, coordenadora do Subcomitê Ribeirão Arrudas, cita o exemplo do Ribeirão Cercadinho. “É uma região mais ‘encaixada’, com poucas áreas suscetíveis a enchentes. O Cercadinho é um dos poucos ribeirões que não foram canalizados. A população pede por uma urbanização que dialogue mais com os espaços naturais”.
O temor é que ocorra, por exemplo, como se deu com a bacia de detenção do Córrego Jatobá, na região do Barreiro. “É muito interessante porque dá para ver que o lugar, antes, era muito melhor do que é hoje em termos de cobertura vegetal, em termos de característica natural. Desmatou bastante. Então, o que questionamos é a eficiência dessas obras, se são construídas no melhor ponto e se é necessária a retirada da vegetação nativa”, indaga Márcia.
O analista ambiental da Copasa, Cristiano Abdanur, também membro do Subcomitê Ribeirão Arrudas, sublinha que o papel da companhia nesses casos é basicamente o de redesenhar o sistema de esgotamento sanitário local. “São áreas onde geralmente já existe uma rede coletora, o que facilita a nossa ação”, afirma. Ele lembra, contudo, do exemplo da bacia
de contenção do Córrego Camarões, também no Barreiro – uma obra que, segundo ele, solucionou os problemas de inundação na região. “Era uma área verde que foi desmatada e a comunidade tem uma percepção muito positiva da obra.
Para eles, ficou mais bem urbanizado do que com a área verde que tinha antes”. Por outro lado, Cristiano também questiona esse tipo de intervenção de macrodrenagem. “É algo para repensarmos porque pode virar um ‘saco sem fundo’, onde se faz uma obra atrás da outra, ao invés de pensar algo maior, com resultado para longo prazo”.
Bacia de contenção do Córrego Camarões, também na região do Barreiro, em Belo Horizonte.
Complementaridade
A adoção dos recursos da engenharia para contornar e solucionar os problemas naturais causados pela espécie humana é polêmica antiga, com discussões que seguem pelo mundo atual. A diretoria de Gestão das Águas Urbanas da PBH trabalha com novas referências no manejo das águas urbanas, a partir do Plano Diretor de Drenagem Urbana e da Instrução Técnica para Elaboração de Estudos e Projetos de Drenagem. Este último, em particular, aponta que a Região Metropolitana de BH tem 17 bacias construídas, quatro em construção e 14 devem ser construídas nos próximos anos.
Com mais de 30 anos no serviço público, o engenheiro Ricardo Aroeira, diretor de gestão de águas urbanas da PBH, integra uma equipe que fez a revisão do conceito de saneamento da visão higienista, “enterrada em BH”, para uma abordagem de reabilitação ambiental na gestão das águas. “Hoje em dia é proibido canalizar rios em Belo Horizonte”, lembra.
Ele pondera, contudo, o argumento de quem desacredita as bacias de detenção como soluções na gestão das águas urbanas. “É um equívoco achar que as medidas compensatórias podem substituir as grandes obras estruturantes; em hipótese alguma isso é verdade. Elas são soluções que se somam, cada uma com a capacidade de resposta que consegue dar. Medidas compensatórias como telhados verdes, jardins de chuva, reservatórios individuais de detenção e retenção, caixas de infiltração ou valas de infiltração, a gente incentiva o uso, a Prefeitura exige o uso, mas elas conseguem responder a eventos de chuvas menos intensos”, argumenta.
Para além das obras de macrodrenagem, Ricardo destaca também a criação do Plano Diretor de Drenagem Urbana e do Programa Drenurbs, como estratégias complementares para se mitigar e minimizar as inundações na cidade e seus efeitos. São instrumentos que apontam os principais eixos de ação para a gestão do risco de inundações, como planejamento, gestão, implantação de obras, manutenção e comunicação com sistemas de aviso e alerta para a população. “A gente tem placas espalhadas pela cidade chamando a atenção para aquela área está sujeita à inundação, orientando para que você se desvie daquela rota”, conclui.
Cercadinho é um dos poucos ribeirões que não foram canalizados na capital mineira. Diretor de gestão das águas urbanas da PBH, Ricardo Aroeira acredita na complementaridade entre grandes obras estruturantes e medidas compensatórias.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Tobias Ferraz