Cuidadores estão transformando a paisagem às margens do rio de uma pequena cidade no Baixo Velhas
Das veredas da majestosa Serra do Cabral, maciço rochoso de onde brotam as sempre-vivas, ele desce, percorre e abastece com água limpa Buenópolis, município que fica na chamada área dos grandes sertões, conhecida pelos escritos de Guimarães Rosa. Seu nome é Riachão. Com lugar garantido no coração e na história dos moradores da cidade e indispensável na vida das resistentes lavadeiras, o rio vem ganhando olhares amorosos e atentos da população, em especial de um grupo chamado “Cuidadores do Riachão”.
Essa história começa com a licitação de um bar às margens do rio pelo casal seu Gilberto e Verinha. Na época a área não estava nada atrativa aos olhos do pessoal da cidade. Montar um comércio por ali era um ato de coragem. Mas para Marina Pimenta, uma das cuidadoras, essa foi uma atitude visionária dos dois. “O Gilberto é um senhor muito sonhador, cheio de força de vontade e apaixonado pelo Riachão, o que fez toda diferença”, conta. Ao ficar sabendo que o casal tinha começado a cuidar da área no entorno do Riachão, Marina ofereceu ajuda. Em abril de 2020, ganhava força e uma nova aliada a proposta de criar o espaço de lazer público Balneário do Riachão.
O grupo decidiu focar primeiro na revitalização da área natural. A campanha foi abraçada por alguns moradores da cidade e logo o trio conseguiu as árvores necessárias e no tamanho ideal para o plantio. “Fizemos um caminho com concreto que parece feito de pedra, ladeado de Palmeiras que não crescem demais”, conta Marina.
A preocupação era realizar as intervenções sem perder de vista a beleza que a própria natureza oferece, ou seja, sem deixar o lugar com uma atmosfera artificial. Para isso, foram pensados materiais mais naturais e formas orgânicas de revitalizar o Riachão. As plantas e flores foram doadas pela comunidade e têm como característica serem de fácil manutenção e gostarem de sol pleno.
Esse ímpeto da Marina em se tornar uma voluntária na revitalização do rio é explicado pela ligação do curso d’água com a sua própria história. O Riachão e as pessoas daquela parte do Baixo Rio das Velhas têm suas vidas entrelaçadas. Seja pelos tantos banhos de rio tomados desde a infância, pelos momentos que passaram com amigos e familiares ou pela importância cultural e econômica que o Riachão tem para as lavadeiras que estão por ali, todos os dias, há gerações. Isso pode explicar o motivo dessa iniciativa, genuinamente popular, estar ganhando cada dia mais força na cidade.
O quarto voluntário que se juntou aos “Cuidadores do Riachão” foi Edinho Salomé. O pedreiro, que é um apaixonado pelo rio, foi ao local para uma espécie de “consultoria” para um serviço que estava sendo feito e não deixou mais o lugar. Seu abraço no Riachão foi tão forte que boa parte do trabalho feito até então aconteceu graças à dedicação do Edinho.
Os resultados foram aparecendo aos olhos de toda cidade. A partir daí não foi muito difícil que surgissem novos apoiadores. As pessoas começaram a doar o que podiam, como sacos de cimento, areia, esterco, plaquinhas decorativas, plantas e mão de obra. Um movimento espontâneo que uniu a comunidade, com apoio do poder público e do CBH Rio das Velhas.
O encontro do Comitê com a ação de revitalização aconteceu por Tamires Nunes, atual coordenadora pela sociedade civil do Subcomitê Rio Curimataí. Tamires decidiu procurar Marina para oferecer o apoio do CBH Rio das Velhas. Assim, articulou-se a doação de mudas de Ingá vindas do Viveiro Langsdorff – uma iniciativa do Comitê, Subcomitê Rio Taquaraçu, Agência Peixe Vivo e ArcelorMittal Brasil voltada à produção e doação de espécies nativas para toda a bacia. “Pensamos em mudas que fossem recuperadoras de mata ciliar e que conseguissem fazer reflorestamento e optamos pelo Ingá. As 40 mudas doadas pelo viveiro chegaram em outubro [2020]”, explica Tamires. Com as mudas em mãos, o jeito foi organizar um mutirão de plantio. De lá para cá, alguns já foram feitos com ajuda da comunidade, inclusive com a ajuda dos jovens.
Mas a colaboração entre o CBH Rio das Velhas e os “Cuidadores do Riachão” não parou por aí. Além das mudas, uma outra ação que está recebendo apoio do Comitê, através do Subcomitê, é a reativação do banheiro público do local. “Eu recebo todos os meses o informativo do Comitê. Recebo também os materiais da Bacia Hidrográfica do Rio Curimataí e Rio São Francisco. Em um encontro com Marina, entreguei alguns exemplares. Nos informativos ela encontrou uma matéria sobre fossas sépticas, sobre biodigestor, e se interessou em procurar uma forma de viabilizar isso para o Riachão. Ela me perguntou: ‘com quem que eu posso conversar para fazer isso acontecer no Riachão?’. Eu falei: ‘comigo’”.
No mesmo dia da entrega das mudas do Viveiro Langsdorff, o engenheiro ambiental Alvânio Junior visitou o local a convite do CBH Rio da Velhas para fazer um diagnóstico e avaliar as possibilidades. “Com ajuda do Alvânio, foi feita a análise e chegamos à conclusão de que um biodigestor seria uma opção melhor para o lugar. A ideia é que essa ação aconteça da melhor forma possível para que o banheiro e o espaço do bar voltem a funcionar de uma forma ecologicamente consciente”, conta Tamires.
Outras ações também foram feitas às margens e dentro do próprio Riachão. Os poços de água que estavam tomados pela erosão e pelo mato foram recuperados. Bancos de madeira reaproveitada e pedras foram espalhados pela área.
A preservação das nascentes do Riachão também está sendo pensada. Ele nasce no alto da Serra do Cabral e grande parte das suas nascentes ficam dentro do Parque Estadual de mesmo nome. O rio é responsável por abastecer as casas das famílias com a água que é retirada pela Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) do alto da serra, o que mostra que a importância do Riachão vai além de um espaço de lazer e turismo dentro da cidade.
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Ela me perguntou: ‘com quem que eu posso conversar para fazer isso acontecer no Riachão?’. Eu falei: ‘comigo’”
Tamires Nunes, coordenadora do Subcomitê Rio Curimataí
Para proteger essas nascentes, ameaçadas pelo fogo e pelo pisoteio do gado que compacta o solo, Irene Rodrigues, que é conselheira do Subcomitê Rio Curimataí e atuante no setor de turismo, agricultura e meio ambiente na região, está desenvolvendo um projeto com a Associação Regional de Preservação Ambiental (ARPA). “Vamos focar prioritariamente nas nascentes do Riachão, esse rio que é de grande importância enquanto curso d’água, que contribui com o Rio Curimataí, que deságua no Rio das Velhas, importantíssimo para nossa comunidade”, conta. A ideia da conselheira é somar esforços com entidades públicas e outros parceiros para realizar um estudo de mapeamento das nascentes, levantando o número e as condições em que elas se apresentam atualmente.
A prefeitura de Buenópolis também apoiou a revitalização. Disponibilizou materiais para algumas obras e funcionários que fizeram o trabalho de limpeza da área, roçando e livrando as árvores de ervas daninhas. Nesse trabalho, nenhuma árvore foi retirada. “O turismo em Buenópolis acontece principalmente por água. As cachoeiras e os rios são os atrativos mais procurados. O Riachão é uma área pública e completa de lazer não só para os buenopolenses, como também para os turistas”, conta Ana Luíza Pereira Arcanjo, secretária municipal de Cultura, Turismo, Lazer, Esporte e Meio Ambiente.
O mesmo rio que abastece a cidade e que proporciona lazer para as famílias também é o rio que ajuda a economia e mantém a cultura ancestral de Buenópolis. As lavadeiras são presenças cotidiana com seus baldes, lençóis e sabão às margens do Riachão. Prática que é passada de geração para geração, costume mantido pelas mulheres da cidade. É com a água limpa do rio que elas ajudam no sustento da família.
Filha de lavadeira que ficou viúva com três filhos pequenos para criar, a professora Simone de Fátima Primo sabe da importância da profissão para o município. “São muitas as gerações de mulheres guerreiras que criaram famílias inteiras com essa sofrida função. As lavadeiras são um bem imaterial de Buenópolis e é fundamental resgatar e valorizar essa história que envolve saberes”, conta Simone.
Aos poucos, as obras do Riachão vão ficando prontas e, a cada dia, novos colaboradores chegam para ajudar. Fazer parte da revitalização desse espaço de Buenópolis e ver ele se transformando é motivo de orgulho para Tamires. “Somos privilegiados em ter dentro da cidade águas para nos refrescar. O Riachão é pano de fundo das infâncias de Buenópolis, atravessando as gerações. A matriarca de minha família já tem 90 anos e coleciona histórias que aconteceram lá, o mesmo acontece com minha mãe, comigo e com minha irmã. A cada dia que a beleza de lá aumenta, seja nas placas afixadas, nas águas aumentando, nas flores florindo e colorindo, nas pontes de madeiras ficando prontas, no caminho de pedras, nas árvores nascendo, mais o sentimento de pertencimento tem sido travado em nossos peitos. É a prova de que o amor por uma causa provoca mudança rápidas, em seis meses já era possível uma surpresa do antes e depois. Os cuidadores do Riachão são pessoas necessárias para a cidade. E o desejo é de que eles jamais desistam desse sonho”, completa.
De lugar abandonado, o Riachão agora é motivo de disputa aos domingos. Disputa amigável de uma população que está transformando não só um espaço público, mas sua relação de pertencimento com a cidade onde vivem.
Veja mais fotos do Riachão:
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Michelle Parron
Fotos: Léo Boi