As unidades de conservação são vitais na conservação dos recursos hídricos. Mas será que estão sendo mesmo protegidas?
Pensar o papel das unidades de conservação (UC) desconectado da água é impossível. Criadas para proteger a fauna e a flora e oferecer serviços à população, como recreação em ambientes naturais, as UCs do Brasil nasceram, também, para proteger os recursos hídricos, tornando-se estratégicas por preservarem o que o ser humano necessita de mais precioso para viver: a água.
As UCs são criadas por leis específicas para proteger espaços territoriais e os recursos ambientais existentes. Elas são regidas pela Lei Federal nº 9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e são classificadas em 12 categorias, de acordo com suas características e finalidade pela qual são criadas. A principal mudança determinada a partir da criação de uma UC é a definição de seus limites territoriais e de regras para normatizar sua ocupação e seu uso a partir da elaboração do plano de manejo.
O Brasil possui atualmente 1.828 unidades de conservação federais, estaduais e municipais, que somam 1.494.989 km2, cerca de 17,5% do território nacional. Na bacia do Rio das Velhas, são 118 áreas protegidas, de acordo com o Plano Diretor de Recursos Hídricos (2015), distribuídas entre 66 Parques, sendo três nacionais, sete estaduais e 56 municipais, 23 Áreas de Proteção Ambiental (APAs), 14 Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), nove Monumentos Naturais, três Estações Ecológicas, dois Refúgios de Vidas Silvestres (REVIS) e uma Floresta Estadual.
Da esquerda para a direita: Parque do Gandarela, Serrado Curral, Moeda e Serra do Cabral.
Apesar da grande quantidade de unidades de conservação criadas entre 2003 e 2009 – quando o Brasil foi responsável por 70% das áreas terrestres protegidas instituídas em todo o mundo –, a mera criação não basta. Para que cumpra seu papel, a unidade de conservação deve ser efetivamente implantada, o que implica, no mínimo, a existência de plano de manejo, conselho gestor e consolidação territorial.
Das 313 UCs federais – de responsabilidade da União, do Ministério do Meio Ambiente e, principalmente, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 173 não têm plano de manejo, 60 não têm conselho formado e 297 não concluíram a consolidação territorial. Ou seja, a maioria delas está longe de cumprir efetivamente sua função: proteger o meio ambiente.
O procurador da República Leandro Mitidieri, integrante do grupo de trabalho do meio ambiente do Ministério Público Federal, indica riscos de privatização, sobretudo de parques nacionais. “Nós tivemos um número muito grande de unidades de conservação criadas no Brasil. Mas, o jogo está invertendo e passamos de uma posição de buscar a implementação dessas unidades a lutar para que elas não sumam, porque começou um ataque para que muitas delas fossem reduzidas, recategorizadas ou até extintas, em um ataque feroz, em várias frentes”, disse Mitidieri.
Para o procurador, ainda impera no Brasil a visão do meio ambiente como entrave ao progresso, e não do desenvolvimento sustentável como a própria garantia de uma prosperidade econômica continuada. “É um modelo que destrói os recursos naturais em prol de crescimento concentrador e de progresso imediato e para poucos”, finalizou.
Para o procurador da República, Leandro Mitidieri, unidades de conservação sofrem pressão para que sejam reduzidas, recategorizadas ou até extintas.
Já na bacia do Rio das Velhas, o ambientalista e conselheiro do CBH Rio das Velhas, José de Castro Procópio, alerta que áreas que deveriam ser protegidas sofrem, dentre outras questões, com ocupações ilegais, poluição, extrativismo ilegal, turismo predatório e com a falta de gestão e de fiscalização. “Um dos problemas mais sérios é a falta de conhecimento da população sobre as unidades de conservação e sua importância para a vida e produção de água. As UCs também sofrem interferências de indústrias, loteamentos imobiliários, mineração, são pressionadas por obras de infraestrutura como rodovias, sofrem um grande problema fundiário com as ocupações ilegais, além de poluição, extrativismo ilegal, turismo predatório, falta de fiscalização, gestão e planejamento entre muitas outras questões”.
Sob ataque
Instituído e protegido por lei, unidades de conservação da bacia do Rio das Velhas, como o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, Monumento Natural da Serra da Calçada, Parque Municipal da Serra do Curral, Monumento Natural Estadual Serra da Piedade, áreas do Sistema de Áreas Protegidas (SAP) Vetor Norte, bem como regiões de Mata Atlântica, Cerrado e de campos ferruginosos, são pressionados pela mineração, expansão imobiliária e mais recentemente pelo projeto proposto pelo governo de Minas Gerais para a construção do Rodoanel. São áreas que guardam abundante biodiversidade, constituídas por espécies da fauna e flora, além de mananciais que são responsáveis pelo abastecimento de água de boa parte da Grande Belo Horizonte.
Uma das preocupações em relação ao projeto do Rodoanel é relacionada ao dano ambiental. O conselheiro do Subcomitê Ribeirão da Mata, Rogério Tavares, foi gestor de unidades de conservação por mais de 10 anos no Instituto Estadual de Florestas (IEF) e esclarece que o atual traçado do Rodoanel preocupa por impactar áreas de vegetação natural. “A alça sul passa por cima da Serra da Calçada e a alça norte causará impactos em mais de 20 áreas protegidas do SAP Vetor Norte onde se encontram diversas categorias de unidades de conservação, como monumentos naturais, áreas de proteção ambiental e parques estaduais, conservando o patrimônio natural e espeleológico”, explicou.
Rogério Tavares diz que o traçado da nova malha viária precisa ser redesenhado. “Não somos contra a construção do Rodoanel, mas acreditamos que o traçado das alças precisa de um novo desenho que leve em consideração a integridades das unidades de conservação e que mantenha os corredores ecológicos, permitindo a dispersão de espécies, a recolonização de áreas degradadas, o fluxo gênico e a viabilidade de populações que demandam mais do que o território de uma unidade de conservação para sobreviver”, afirmou.
O traçado preliminar do Rodoanel apresenta quatro alças. As que mais preocupam são a alça sul, que vai sair da BR-040, na altura da Serra da Calçada, passar por Brumadinho e chegar à rodovia Fernão Dias, em Betim. Já a alça norte vai sair da Fernão Dias e vai até a BR-381, na saída para o Espírito Santo, na altura de Sabará e Caeté.
A mineração é outra ameaça às unidades de conservação em Minas. De acordo com dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), dos 41.165 processos minerários presentes em Minas Gerais, 657 incidem em UCs federais e 1.852 em unidades estaduais. No caso das zonas de amortecimento (área estabelecida ao redor de uma unidade de conservação com o objetivo de filtrar os impactos negativos das atividades que ocorrem fora dela), 324 processos de mineração incidem nas federais e 1.192 nas estaduais.
A coordenadora do Subcomitê Águas da Moeda, Junia Borges, integrante do movimento “Fechos eu Cuido”, afirma que existe um conflito de interesses entre mineração e a preservação das unidades de conservação. “As UCs e suas zonas de amortecimento deveriam ser áreas onde os recursos naturais estão protegidos. No entanto, é cada vez mais comum vermos as unidades de conservação sofrerem interferências. Em Minas Gerais, especialmente na região do Alto Rio das Velhas, a mineração é um grande problema para essas áreas. Existe um conflito de interesse entre a extração de minério, a ocupação urbana e a conservação dessas áreas”, esclareceu.
Coordenadora do Subcomitê Águas da Moeda, Junia Borges é uma das lideranças do movimento “Fechos eu Cuido”, que propõe a expansão da Estação Ecológica de Fechos.
A Estação Ecológica de Fechos é uma das unidades de conservação pressionada pela mineração. Uma das características da região onde se encontra Fechos é a presença dos chamados aquíferos que são formações geológicas que criam uma espécie de caixa d’água natural. Eles retêm as águas subterrâneas que são disponibilizadas para a superfície por meio de afloramentos e nascentes. Daí surgem 14 dessas importantes fontes de água, classificadas como nascentes de Classe Especial (destinada ao abastecimento para consumo humano ou à preservação de espécies aquáticas), que estão no interior da unidade de conservação. Todas elas são fundamentais para o abastecimento de água na Grande BH.
No entorno da Estação Ecológica de Fechos estão as minas de Capão Xavier, Capitão do Mato, Mar Azul, Minas Abóboras e Tamanduá, que pertencem à Vale. Em 2011, a mineradora apresentou aos órgãos ambientais o Projeto Vargem Grande, que visa ampliar a exploração de minério na região, expandindo suas atividades em Nova Lima, Belo Horizonte, Rio Acima e Itabirito. A documentação para a ampliação das cavas Capitão do Mato e Tamanduá encontra-se protocolada nos órgãos ambientais competentes para análise de concessão das licenças necessárias à sua implantação. Essa expansão impactará o abastecimento dos córregos Fechos e Tamanduá. Este último, junto com outros mananciais, abastece o ribeirão Macacos, importante afluente do Rio das Velhas, que é responsável por parte do abastecimento de água da população de Belo Horizonte.
Ambientalistas e moradores estão agindo para garantir a preservação da biodiversidade e da manutenção da água de qualidade que brota dali. Para isso é fundamental que a área à sudeste de Fechos, a única adjacente à estação ecológica, não ocupada por loteamentos ou atividade minerária, seja preservada permanentemente. Por isso, o movimento “Fechos eu Cuido” luta pela preservação do entorno dessa unidade de conservação e propõe a expansão da Estação Ecológica de Fechos para garantir a preservação de ambientes de alta relevância e que contribuem para a produção de águas de excelente qualidade. “A proposta prevê expansão da área em 269,5 hectares. Lançamos um abaixo assinado eletrônico para apoiar o Projeto de Lei que tramita na ALMG. O nosso objetivo é manter a água em quantidade e qualidade ao expandir a Estação Ecológica de Fechos”, finalizou Júnia Borges. O abaixo assinado pode ser acessado pelo link institutocresce.org.br/movimentofechoseucuido.
Estação Ecológica de Fechos
Comitê investe na proteção das UCs
Pensando na importância de conservar áreas verdes na bacia para que se mantenha a biodiversidade e regiões de recarga hídrica, o CBH Rio das Velhas tem investido em projetos para a conservação das unidades de conservação. Com recursos da cobrança pelo uso da água, o Comitê já contratou Planos de Manejo para áreas de preservação ambiental, bem como estudos para a criação de corredores ecológicos.
Em 2021, o CBH Rio das Velhas contratou o Plano de Manejo para a APA da Serra do Cabral, localizada em Lassance, da APA da Lajinha em Ribeirão das Neves – que corre o risco de ser cortado ao meio pelo Rodoanel – e do Parque Estadual Serra do Sobrado, localizado em São José da Lapa. Também já elaborou o Plano de Manejo do Parque Municipal das Andorinhas, onde se encontra a nascente do Rio das Velhas, em Ouro Preto.
Além disso, o Comitê contratou recentemente dois estudos de mapeamento de corredores ecológicos: um para as Unidades Territoriais Estratégicas (UTEs) Ribeirão da Mata e Carste e outro para a UTE Rio Taquaraçu, localizadas no Vetor Norte de Belo Horizonte, no Médio Alto Rio das Velhas.
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Para o CBH Rio das Velhas as UCs são importantes para a conservação do manancial e devem estar integradas com as APPs [Áreas de Preservação Permanente], matas ciliares, fundos de vale, áreas de recarga, remanescentes florestais entre outros. E a formação e manutenção dos corredores ecológicos são essenciais para preservar a biodiversidade e aumentar a segurança jurídica das unidades de conservação”,
Procópio de Castro, ambientalista e conselheiro do CBH Rio das Velhas.
Os projetos do Comitê podem ser acompanhados pelo Siga Rio das Velhas:
siga.cbhvelhas.org.br
Veja outras fotos dos parques:
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto:Luiza Baggio
Fotos: Bianca Aun, Fernando Piancastelli, Léo Boi, Ohana Padilha e Robson Oliveira