Logo CBH Rio das Velhas

Revista Velhas nº 21: Pioneirismo na gestão ambiental

12/08/2025 - 13:47

Ex-ministro e ex-secretário estadual de Meio Ambiente, José Carlos Carvalho fala sobre os caminhos – nem sempre lineares – da revitalização do Rio das Velhas


José Carlos de Carvalho é um dos nomes que marcaram a gestão ambiental em Minas Gerais e no Brasil. Além de ter sido titular da pasta de Meio Ambiente em Minas Gerais, foi ministro e secretário-executivo do Ministério de Meio Ambiente no governo Fernando Henrique Cardoso, diretor e presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e diretor-geral do IEF (Instituto Estadual de Florestas).

Quando à frente da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, a Meta 2010 – nascida no Projeto Manuelzão e que buscava o nado, a pesca e a navegação no Rio das Velhas em seu trecho metropolitano – foi encampada pelo poder público. “Poucas vezes o Estado institucionalizou como política pública uma meta de uma organização da sociedade civil”, conta. Ainda assim, reconhece que esperava um rio de melhor qualidade ao que temos hoje.

Atualmente, o capixaba José Carlos de Carvalho é sócio-diretor da Seiva Consultoria em Meio Ambiente & Sustentabilidade e realiza palestras pelo Brasil.

Em entrevista à Revista Velhas, Carvalho relembra o processo em torno do estabelecimento da Meta 2010, fala dos desafios dos tempos atuais e traça um balanço da Lei das Águas, que procurou descentralizar a gestão dos recursos hídricos no país.

Cerimônia de natação no Rio das Velhas, ligada à Meta2010, em Santo Hipólito

 

Como o senhor avalia o progresso da revitalização do Rio das Velhas? O senhor imaginava que, em 2025, teríamos um rio melhor do que de fato temos hoje?

Certamente. Quando, em articulação com o Projeto Manuelzão, lançamos a Meta 2010, a nossa expectativa era de que as águas do Rio das Velhas melhorassem de forma considerável. Poucas vezes o Estado institucionalizou como política pública uma meta de uma organização da sociedade civil. A Meta 2010 foi incorporada aos planos do governo.

As primeiras conquistas aconteceram em 2010, com a construção das Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) Arrudas e Onça. Um avanço muito expressivo, pois saímos de 5% de esgoto tratado em Belo Horizonte para algo em torno de 60% em um período de seis anos mais ou menos. Em um primeiro momento a Meta foi um grande sucesso. Meu mandato finalizou em 2010, mas deixamos estabelecida a Meta 2014.

Apesar dos esforços e avanços, as Metas não foram plenamente alcançadas. Quais os principais fatores que dificultaram a revitalização do Rio das Velhas no prazo estipulado?

Tivemos um ritmo bom até 2010 e o que dificultou foi não manter o ritmo na sequência. Faltou prioridade, a mesma prioridade que havia em 2010 não foi mantida. Infelizmente, a Meta 2014 não caminhou da mesma forma que a de 2010 e acabou morrendo. Um grande avanço no início, que perdeu fôlego nos anos seguintes. Agora temos a Meta 2034, que não sei como está. Se o governo não assume, vira apenas um debate público.

Quais medidas ou estratégias poderiam ser implementadas atualmente para avançarmos na revitalização do Rio das Velhas?

As Metas 2010/2014 estavam baseadas na qualidade da água. Mas, precisamos também trabalhar a quantidade. Precisamos ter novos programas para o aumento da quantidade. Isso se faz recuperando as nascentes, restaurando e preservando as áreas de recarga, entre outras ações importantes.

Em 2019, José Carlos Carvalho e outros seis ex-ministros do meio ambiente, de diferentes espectros políticos, lançaram comunicado alertando que a governança ambiental do Brasil estava sendo desmontada em afronta à constituição. Para José Carlos Carvalho, minerar a Serra do Curral (dir.) significa rasgar o principal cartão postal de Belo Horizonte.

 

Com as mudanças climáticas e a crescente demanda por água, como o senhor projeta o futuro?

Nós vamos ter o agravamento dos eventos climáticos extremos com momentos de seca alternados com cheias. Isso já vem ocorrendo no mundo todo, o que torna ainda mais importante a recuperação das nascentes e das áreas de recarga para permitir a ampliação da cobertura vegetal da bacia, aumentando a retenção de água no solo. Por outro lado, se aumentar a quantidade, a oferta de água também aumenta para a população.

Quais os desafios mais urgentes enfrentados por Minas Gerais em relação à conservação das águas e o que mudou nos últimos 20 anos no cenário estadual?

Minas Gerais enfrenta, primeiramente, um problema de tratamento de esgoto. O lançamento in natura ainda é um grande problema – maior que a indústria e a mineração, que são outros grandes poluidores. Então, a meu ver, o maior desafio é melhorar a qualidade da água. O segundo continua sendo evitar o desmatamento das áreas de recarga hídrica e de nascentes para melhorar a oferta de água. Também é preciso estabelecer programas de restauração florestal para as áreas que já foram desmatadas. Com exceção da Meta 2010, houve uma inércia na gestão ambiental. Algumas poucas iniciativas foram realizadas, mas que não são suficientes para resolver o problema na sua magnitude. As ações foram estabilizadas e os problemas ambientais aumentaram.

Como o senhor avalia a atual política estadual de Meio Ambiente em Minas?

Minas é o que poderíamos chamar de estado em potencial poluidor. Digo isso porque as atividades econômicas estabelecidas aqui são efetivamente poluidoras, como mineração, indústria, extrativismo, e isso faz com que o estado tenha uma economia baseada na extração dos recursos naturais, sem as preocupações ambientais necessárias. Isso faz com que boa parte das atividades sejam feitas de forma predatória. Temos profissionais excepcionais na Secretaria de Meio Ambiente. A própria secretária [Marília Carvalho de Melo], que é de carreira, é uma grande profissional. No entanto, o Meio Ambiente não é uma prioridade para o governador Romeu Zema.

Durante o mandato de José Carlos Carvalho como Secretário Estadual de Meio Ambiente, a Meta 2010 – que pregava ‘nadar, pescar e navegar’ no Rio das Velhas – foi institucionalizada como política pública

 

Como o senhor avalia o avanço da mineração em áreas estratégicas para a segurança hídrica da Grande BH, como Serra do Curral e Serra do Gandarela?

A Serra do Curral é emblemática no uso predatório, apesar de ser uma área considerada patrimônio histórico e artístico nacional. É um cartão postal de Belo Horizonte e, o fato de haver mineração ou de tentarem minerar em uma área com essa sensibilidade e expressão, significa total descaso com o meio ambiente e com a própria cidade. Minerar a Serra do Curral significa rasgar o principal cartão postal da cidade.

A Lei nº 9433/97, chamada de Lei das Águas, completou um quarto de século. Qual o seu balanço sobre essa política que procurou descentralizar a gestão dos recursos hídricos no país?

A Lei das Águas é uma das mais modernas de política pública do Brasil. Pela maneira que foi estabelecida, adotando a bacia hidrográfica como uma unidade de planejamento, pela constituição dos Comitês de Bacia como unidade descentralizada e participativa de gestão do território. Mas, infelizmente, por falha de implementação, essa legislação acabou não atingindo seus objetivos como estão consagrados.

Em 2010, então Secretário Estadual de Meio Ambiente nadou no Rio das Velhas, na região de Santo Hipólito, e anunciou novos compromissos junto a lideranças do Comitê.

 


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio