Revista Velhas Nº11: Conhecer, proteger e preservar

14/08/2020 - 15:06

Há poucos quilômetros da capital do estado está a região do Carste, berço da história das ciências naturais do país


No Vetor Norte de Belo Horizonte, encontra-se uma das regiões brasileiras mais emblemáticas e ricas em termos de paisagem cárstica e da história das ciências naturais do país: o Carste,que já foi palco do desbravamento do território brasileiro na época dos bandeirantes e cenário de importantes descobertas arqueológicas até os dias atuais.

Por definição, Carste é um tipo de relevo formado pelo efeito corrosivo das águas sobre rochas. É uma área muito frágil que apresenta dois sistemas de funcionamento: o superficial – que dá origem a sumidouros, dolinas, vales cegos e maciços calcários – e o subterrâneo – que proporciona a formação de grutas, galerias e ao sistema de drenagem subterrâneo, que é alimentado pelos sumidouros.

Parque Estadual do Sumidouro em Pedro Leopoldo (MG)

“A região do Carste possui uma beleza particular e única pela exuberância dos afloramentos calcários, bem como dos tesouros escondidos em seu interior, como os achados arqueológicos e paleontológicos, e formações espeleológicas que essas rochas armazenam e que ainda são pouco conhecidas pelos moradores da região. Além dessas belezas guardadas em seu interior, possui ainda uma característica de armazenamento de água em razão da dissolução e porosidade das rochas carbonáticas, formando assim um relevo, que além de belo, é importantíssimo para o abastecimento de água, tanto do sistema hídrico subterrâneo, quanto do sistema hídrico superficial. Por essas características, o relevo cárstico exige cuidados especiais”, explicou José Duarte, coordenador do Subcomitê Carste, vinculado ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das  Velhas (CBH Rio das Velhas).

Esse tipo de relevo é encontrado em outras partes do país e do mundo. O carste mineiro, e que é banhado pelo Rio das Velhas, compreende os municípios de Lagoa Santa, Confins, Pedro Leopoldo, Matozinhos, Funilândia e Prudente de Morais. Rica em história, que perpassa a formação e ocupação do estado de Minas Gerais e do Brasil, a região do Carste também se destaca pelas belezas naturais e formação geológica peculiar.

É uma região que encanta pela diversidade de sua paisagem, que ora apresenta grandes afloramentos calcários que abriga um número considerável de cavernas, ora paisagens exuberantes que cobrem esses afloramentos. Na estação chuvosa exibe sua beleza verde e na estação seca desprende-se de suas folhagens, mostrando duas percepções completamente distintas dependendo da época do ano.” José Duarte Coordenador do Subcomitê Carste

Devido às características naturais, o Carste chama a atenção pelo seu potencial turístico com possibilidades de práticas de ecoturismo e turismo histórico. Porém, Duarte explica que tudo isso ainda é pouco explorado no local. “Percebe-se um baixo valor turístico atribuído à região pela falta de conhecimento e de senso de pertencimento em valorizar aquilo que está no “quintal de casa”. A proposta do Subcomitê Carste é de abrir caminho para um diálogo com o poder público, sociedade civil e setor produtivo para construirmos um programa de desenvolvimento do potencial turístico da região”, ressaltou.

O início do Brasil. Em todo o território brasileiro há mais de 25 mil sítios arqueológicos e paleontológicos catalogados, sendo que apenas cerca de 12 mil são georreferenciados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Um desses importantes sítios encontra-se em Lagoa Santa, região que foi estudada desde meados do século XIX pelo pioneiro cientista Peter Lund, que descobriu milhares de fósseis de animais e 31 crânios humanos. No início dos anos 1970, foi encontrado na região o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo da América, com mais de 11 mil anos. O crânio de Luzia, dentre outros importantes fósseis pré-históricos descobertos na região de Lagoa Santa, encontravam-se no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, o maior museu de história natural do Brasil. No entanto, um incêndio de grandes proporções destruiu o museu, na noite do dia 02 de setembro de 2018.

Vulnerabilidade cárstica

Segundo o Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH) do CBH Rio das Velhas, os principais agentes de degradação das águas superficiais da sub-bacia cárstica devem-se, sobretudo, ao aporte de cargas difusas que são relacionadas às atividades de agropecuária, que favorecem os processos erosivos devido à remoção da cobertura vegetal. Além disso, o lançamento de esgotos domésticos e de efluentes industriais.

De acordo com o estudo, a sub-bacia conta com a captação de água subterrânea para o abastecimento de 100% dos municípios de Funilândia, Lagoa Santa e Matozinhos, os quais também possuem o serviço de tratamento de água. Inclusive, no espectro do Rio das Velhas, a unidade é a sexta maior com índice de tratamento de esgoto entre as sub-bacias da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas.

Na Unidade Territorial Estratégica (UTE) do Carste, entre os anos de 2013 e 2018, o CBH Rio das Velhas elaborou os Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) de Funilândia, Pedro Leopoldo, Prudente de Morais e Confins, para garantir uma melhor gestão dos recursos hídricos da região.

Acima, pinturas rupestres no Parque Estadual Cerca Grande. O efeito corrosivo das águas sobre rochas no Carste permite a formação de grutas, galerias, sumidouros, dolinas, vales cegos e maciços calcários.

De acordo com o coordenador do Subcomitê Carste, o saneamento básico na localidade é uma questão primordial para a conservação dos recursos hídricos, dada a fragilidade do sistema cárstico e a vulnerabilidade à contaminação dos sistemas hídricos superficiais e subterrâneos. Ele completa afirmando que há grande parte da população urbana sem acesso à rede de esgoto em alguns municípios e outros que resistem em interligar seus esgotos à rede coletora.

Outro grande impacto na região é o desenvolvimento e a consequente expansão urbana do Vetor Norte de Belo Horizonte nos últimos anos. “A expansão urbana sem um planejamento adequado traz impactos irreversíveis para a região, como a extinção de manchas verdes que poderiam ser preservadas e a ocupação de áreas às margens de curso d’água. Além disso, vê-se a criação de condomínios em áreas mais afastadas dos centros urbanos, que deixam o saneamento básico à deriva”, destacou Duarte.

O Homem de Lagoa Santa. O cientista dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801 a 1880) é considerado o pai da paleontologia brasileira, o ramo da ciência que estuda as formas de vida existentes em períodos geológicos passados, a partir dos seus fósseis. De acordo com estudos, o pesquisador descobriu mais de 12 mil peças fósseis em cavernas da região de Lagoa Santa, que permitiram escrever a história do período pleistocênico brasileiro, o mais recente na escala geológica. Entre as descobertas de Lund figura o denominado Homem de Lagoa Santa, que revelou a presença humana no local há mais de 10 mil anos. Também é reconhecido como o pai da espeleologia no Brasil, o estudo da formação de grutas e cavernas. Explorou mais de 800 delas, algumas das quais foi o primeiro a localizar e a entrar. No campo da arqueologia, relatou a descoberta de importantes pinturas rupestres (feitas na rocha) e instrumentos de pedra.

Um lugar de tesouros escondidos

Respiração abafada, olhos cerrados e caminhos estreitos são as experiências de quem decide desbravar as grutas da região. A Gruta da Lapinha é um dos destinos mais conhecidos da localidade e que não pode ficar de fora do roteiro de quem por lá passa – isso porque a Lapinha foi eleita como uma das “Sete Maravilhas da Estrada Real”. A gruta é um maciço calcário formado há cerca de 600 milhões de anos pelos restos de fundo de mar que cobria toda a região.

A Gruta da Lapinha é um dos atrativos do Parque Estadual do Sumidouro, uma unidade de conservação situada nos municípios de Lagoa Santa e Pedro Leopoldo. O parque também abriga pinturas rupestres de milhares de anos e sítio arqueológico de importância mundial escavado por Peter Lund. Também tem trilhas, a Casa Fernão Dias e a vila da Quinta do Sumidouro.

Gruta da Lapinha é um dos atrativos do Parque Estadual do Sumidouro.

Outra curiosidade da região é o Parque Estadual Cerca Grande, localizado no distrito de Mocambeiro, no município de Matozinhos. O lugar também abriga importantes e expressivos sítios arqueológicos do Brasil. A Lapa da Cerca Grande é um verdadeiro patrimônio e tem importante papel nas ciências mundiais desde quando foi descrita pela primeira vez por Peter Lund, em 1835.

O parque tem como objetivos a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científica e o desenvolvimento de atividades de educação ambiental. A unidade ainda não está aberta à visitação ao público em geral, apenas para pesquisa e intuitos educacionais.

Em novembro do ano passado, o CBH Rio das Velhas realizou uma visita técnica a este belo e rico cenário durante a programação do 9º Encontro de Subcomitês, que acontece anualmente.

Na região há muitas outras belezas e encantos existentes, como a Gruta do Ballet, Lapa do Santo, Monumento Natural Vargem da Pedra, Monumento Natural da Jaguara, Lagoa Central em Lagoa Santa, Surgências e Sumidouros, e tantas outras manifestações culturais e artísticas, como a Igreja Nossa Senhora da Conceição, construída por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, no fim do século 18, sendo considerada a única obra completa executada pelo mestre.

Mapa do Carste

Rede Asas do Carste

O “Rede Asas do Carste”, desenvolvido desde 2015 nos municípios da sub-bacia do Carste, é um dos projetos mais importantes e conhecidos por todos da região. A iniciativa tem como proposta desenvolver, com professores e alunos da rede municipal e estadual, que estão instaladas próximas às lagoas cársticas, atividades de campo para monitoramento e observação de aves no ambiente local para que, assim, entendam o contexto em que vivem.

Para o projeto definiram as aves aquáticas como bioindicadores, pois o aumento ou decréscimo das populações de aves aquáticas pode ser usado como indicador sobre os ciclos das lagoas cársticas e de suas condições ambientais.

Entre 2015 e 2018, 104 espécies de aves do entorno das lagoas da região cárstica de Lagoa Santa foram identificadas e fotografadas por alunos das escolas dos municípios. A ação envolveu mais de 150 alunos de nove escolas, e todo o acervo adquirido resultou-se em um álbum de figurinhas, com o objetivo de que seja uma nova forma de incentivo à multiplicação da proposta pedagógica de envolver as escolas nas questões de pertencimento do território.

Rede Asas do Carste envolveu processo intenso de mobilização e parcerias, agregando a participação das prefeituras, secretarias de Educação e Meio Ambiente, empresas, sociedade civil, além das escolas.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Ohana Padilha
*Fotos: Bianca Aun, Fernando Piancastelli e Ohana Padilha