Revista Velhas nº15: A agropecuária na encruzilhada do clima

14/06/2022 - 16:47

Setor responde por mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa e sofre pressão por sustentabilidade


O governo brasileiro assumiu, na 26ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre o Clima (COP26), realizada em novembro último, uma série de compromissos para “fazer o dever de casa” no desafio de conter o aquecimento global e evitar mudanças climáticas ainda mais drásticas, entre eles reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE) em 50% até 2030 e zerar o desmatamento ilegal até 2028.

Na encruzilhada que pode conduzir tanto ao alcance das metas como ao desastre ambiental e climático está a agropecuária. Dados do Observatório do Clima, que reúne 70 entidades da sociedade civil brasileira para analisar as mudanças climáticas no contexto nacional, mostram que as atividades rurais foram responsáveis, em 2019, por 72% do total de 2,17 bilhões de toneladas de GEE emitidos pelo Brasil naquele ano.

Apenas as emissões de metano pelo rebanho bovino corresponderam a 17% do total de emissões de GEE do Brasil em 2020. O metano é o segundo maior causador do efeito estufa, atrás somente do dióxido de carbono, mas capaz de aquecer a atmosfera 28 vezes mais do que o CO².

Marcio Astrini, Secretário Executivo do Observatório do Clima, destaca que o setor agropecuário, embora seja o maior emissor de gases de efeito estufa no país, será o mais atingido pelo aquecimento global.

Marcio Astrini, Secretário Executivo do Observatório do Clima, destaca que o setor agropecuário, embora seja o maior emissor de gases de efeito estufa no país, será o mais atingido pelo aquecimento global.

Para Marcio Astrini, especialista em Gestão e Políticas Públicas e Secretário Executivo do Observatório do Clima, “o Brasil tem toda a possibilidade de cumprir os compromissos assumidos na COP 26, mas este governo não irá cumpri-los”. Ele ainda chama atenção para o que deveria ser evidente: “a sustentabilidade traz benefícios gerais para o país, mas também melhora o desempenho do setor agropecuário, que será o mais atingido pelo aquecimento global e é dependente da regularidade climática para produção em grande escala”.

“Desmatar condena a agropecuária pelo desequilíbrio climático e ainda pela pressão internacional”, lembra, referindo-se às legislações fortemente restritivas que Europa, EUA e China estão adotando para eliminar de seu cardápio o desmatamento.

“Os criminosos ambientais”, fulmina, “usam terra pública, atividade madeireira ilegal, garimpo ilegal, ataque a áreas protegidas. Hoje assumiram a presidência da República, que estimula o crime, fazendo boa parte do setor refém desses criminosos”.

Plano Diretor da Bacia do Rio das Velhas tem agenda para o setor

A agropecuária ocupa quase 44% da área da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, com mais de 12 mil km², notadamente no Médio Baixo e Baixo Velhas. Com tamanha extensão, a atividade é uma importante fonte de contaminação difusa, geração de processos erosivos e retirada de cobertura vegetal natural.

O manejo inadequado do solo gerou áreas degradadas na bacia, especialmente de pastagens. O uso da água na agricultura irrigada nem sempre é racional e não há planejamento territorial adequado para a gestão de recursos naturais e para o desenvolvimento sustentável.

Para enfrentar o assunto, o CBH Rio das Velhas tem, em seu Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH), a chamada Agenda Estratégica Laranja, que prevê diversas ações voltadas para o setor agropecuário: controle da carga poluidora, apoio à reservação local, incentivo a programas de uso racional de água, melhoria do controle de sedimentos e erosão, planejamento para uso eficaz da irrigação e recuperação de áreas degradadas.

Ênio Resende, engenheiro agrônomo e servidor aposentado da Emater, era vice-presidente do CBH Rio das Velhas quando o PDRH – cuja primeira versão data de 2004 – foi atualizado, em 2015. Para ele “a agropecuária tem um destaque muito grande por vários motivos e um deles é com relação ao tamanho da área ocupada, praticamente três quartos do estado”. E prossegue: “O setor tem tudo a ver com a água. Não se faz gestão das águas sem envolver os produtores rurais, um dos mais importantes atores na gestão de recursos hídricos”.

Servidor aposentado da Emater e ex-conselheiro do CBH Rio das Velhas, Ênio Resende aponta as pastagens degradadas como o maior problema ambiental do setor na bacia hidrográfica.

Servidor aposentado da Emater e ex-conselheiro do CBH Rio das Velhas, Ênio Resende aponta as pastagens degradadas como o maior problema ambiental do setor na bacia hidrográfica.

Resende avalia que o setor agrário tem baixa expressão na Bacia do Rio das Velhas, mas ressalva as regiões fisiográficas do Médio Baixo e Baixo Velhas, onde a atividade é maior. Mesmo nelas, contudo, o porte não se compara ao de outras regiões do estado, como explica: “Pelo Censo Agropecuário de 2017, a população bovina da bacia era de 77 mil cabeças, enquanto só Campina Verde, no Triângulo Mineiro, tem mais de 300 mil. Curvelo tem 6.400 hectares de milho. Só Unaí, no Noroeste, tem 343 mil”.

No entanto, segundo Resende, apesar de o volume, em quilos de agrotóxico por hectare, ser bem menor na Bacia do Rio das Velha do que em outras regiões de Minas, a adoção do método por si só “é uma preocupação”.

“O maior problema ambiental relacionado à agropecuária na nossa bacia são as pastagens degradadas”, diz. E acrescenta: “50% da chuva cai sobre as pastagens. Quando o solo está exposto, a água escoa em forma de enxurrada, causando erosão, aumentando a turbidez e o assoreamento”. A solução pede técnicas simples, explica: “Se aduba a pastagem, cresce o capim, sequestra mais carbono, melhora a absorção da água da chuva, quase zera o escoamento”.

 

Agropecuária responde por 72% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil; na bacia do Rio das Velhas, setor ocupa quase 44% do território.

Agropecuária responde por 72% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil; na bacia do Rio das Velhas, setor ocupa quase 44% do território.

 

O produtor rural entrou no clima

Ana Paula Mello, gerente de Meio Ambiente do Sistema FAEMG (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais), considera que “as metas da COP26 são ousadas e geram para o Brasil grande necessidade de ações, recursos e a necessidade de adequar as políticas públicas à realidade do setor”.

Segundo ela, ninguém deseja um cenário catastrófico. “Do jeito que a coisa está, já são sentidos os efeitos: geada na cafeicultura, secas e inundações, eventos climáticos extremos se tornando mais frequentes, com mais impactos à agropecuária.” Luz no fim túnel existe, acredita: “Todos queremos trilhar caminhos bons, conseguir chegar nessas metas de forma que o estado possa prosperar, com desenvolvimento sustentável, gerando renda e defendendo o meio ambiente”.

Ana Paulo Mello, da FAEMG, considera que as metas do Brasil na COP26 sejam ousadas, mas que setor quer alcançá-las.
Ana Paulo Mello, da FAEMG, considera que as metas do Brasil na COP26 sejam ousadas, mas que setor quer alcançá-las.

 

Mello aponta caminhos: “O Plano ABC mitigou, na última década, cerca de 170 milhões de toneladas de carbono. Há um grande potencial, com aplicação de tecnologias, para a redução das emissões”.

Mas mostra a dimensão do desafio: “Em Minas, temos uma Inglaterra inteira em matas nativas somente nas propriedades rurais, que são número de quase um milhão. A tecnologia existe, da Embrapa e de outras instituições, para promover a integração de lavoura, pecuária e floresta, quase como um sistema fechado. Para abarcar esse universo enorme, é preciso investimentos, transferência de tecnologia, capacitação, assistência técnica. Como financiar isso?”, pergunta.

A questão crucial é que o tempo para responder à indagação – e, em decorrência, colocar em movimento soluções de largo espectro – é cada vez mais escasso para a bacia do Velhas, para o estado, para o Brasil, para o planeta.

Distribuição das classes de uso e cobertura do solo na Bacia do Rio das Velhas. Mineração - 0,26%Agricultura Irrigada - 0,26%Hidrografia - 0,41%Afloramento Rochoso - 1,71%Queimada - 2,52%Área Urbana - 2,92% Silvicultura - 2,97%Vegetação Arbórea - 7,87%Vegetação Arbustiva - 37,27%Agropecuária - 43,87%

 

 


Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcala
Fotos: Márcia Alves, Ohana Padilha, Bianca Aun e Léo Boi