Revista Velhas nº21: Investir para revitalizar

16/04/2025 - 17:02

Com investimentos estimados em R$ 4 bilhões ao longo de 20 anos, o Enquadramento de corpos hídricos da bacia se aproxima de sua etapa derradeira. Agora, é hora de garantir os recursos necessários para transformar o projeto em realidade.


Neste alvorecer do ano de 2025, o processo de revisão do enquadramento de corpos hídricos da bacia do Rio das Velhas vai chegando às etapas finais. Atualmente na fase de estruturação do Relatório das Propostas de Metas Relativas às Alternativas de Enquadramento, o trabalho já contou com as etapas de elaboração do Plano de Trabalho, do Prognóstico e do Diagnóstico, bem como com a realização de audiências públicas e reuniões junto aos Subcomitês do CBH Rio das Velhas.

Com a conclusão da quarta etapa, resta elaborar os estudos e realizar os eventos de participação social para propor o Programa de Efetivação do Enquadramento de Águas Superficiais e a Proposta Conceitual para a Implantação de um Programa de Monitoramento das Águas Subterrâneas. Essa etapa irá traçar as ações e metas a serem cumpridas, contendo os prazos, custos e medidas necessárias para efetivá-las, bem como as fontes de financiamento necessárias.

Por fim, após a apresentação do Programa e aprovação por parte do Plenário do CBH Rio das Velhas, o estudo será encaminhado para deliberação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Minas Gerais (CERH-MG). O processo de atualização desse importante instrumento de gestão vem sendo realizado pela empresa Ecoplan Engenharia e conta com o financiamento do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e com o apoio técnico da Agência Peixe Vivo.

Com foco na participação popular, consultas e audiências públicas foram realizadas durante todas as etapas do processo.

Trabalho conjunto em busca de recursos

Durante as audiências públicas desta última etapa do processo, realizadas em novembro de 2024, foram apresentados dois caminhos possíveis para as Propostas de Metas Relativas às Alternativas de Enquadramento. Na ocasião, foram detalhadas as estimativas de custos para cada ação proposta nas etapas progressivas de remoção de poluentes, visando à adequação dos trechos às classes delimitadas. No caso da primeira alternativa, mais restritiva e ambiciosa, para todos os trechos, o valor previsto é de R$ 4,2 bilhões, diluído em 20 anos. Na segunda alternativa, menos restritiva, o valor gira em torno de R$ 3,8 bilhões.

“Independentemente da alternativa escolhida pelo Comitê ao final do processo, já está clara a necessidade de um investimento robusto e de um trabalho coordenado, que envolva os poderes públicos municipais e estadual, além das companhias e empresas que atuam na bacia, para que possamos tirar esse plano do papel. A atualização do enquadramento representa um divisor de águas para esta bacia. Se bem executado, o novo enquadramento será sinônimo de revitalização. Ainda assim, o instrumento por si só não vai mudar a realidade da bacia. Se não houver pactuação, um plano de efetividade, nós não vamos avançar”, ressaltou a presidenta do CBH Rio das Velhas, Poliana Valgas.

Principal concessionária de água e esgoto da bacia, a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) destacou, em nota, quais contrapartidas pretende assumir para o alcance dos objetivos propostos pelo enquadramento. “A Copasa atende 40 dos 51 municípios da bacia do Rio das Velhas com água potável e 28 com coleta e tratamento de esgoto. A Companhia está investindo para atender às metas do marco legal do saneamento em toda a área de abrangência da Companhia no estado, ou seja, 99% da população com abastecimento de água e 90% com coleta e tratamento de esgoto. Para 2025, estão previstos investimentos da ordem de R$ 2,3 bilhões, que visam à garantia da qualidade de vida, saúde da população, melhoria do meio ambiente e benefícios sociais e econômicos”.

Procuradas pela reportagem da Revista Velhas, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) não responderam ao contato até a data de fechamento desta matéria.

“Por mais que façamos todos os esforços possíveis, o Comitê, sozinho, não será capaz de efetivar o novo enquadramento. Nossos recursos são limitados. Vamos precisar de todo mundo, companhias de saneamento, indústrias, municípios, estado, para que possamos atingir os recursos necessários para fazer do plano proposto uma realidade palpável nos próximos 20 anos”, finaliza Poliana.

Propulsor de investimentos

Próximo da sua fase final, a atualização do enquadramento já gera expectativas. A Copasa diz esperar que o produto final reflita a realidade desta bacia e que se torne um catalisador de recursos. “O enquadramento deve ser o propulsor de investimentos na área e não dificultador do setor, que tem importante desafio de alcance da universalização até 2033, conforme o marco legal do saneamento”, diz em nota.

A companhia diz, ainda, reconhecer o papel fundamental do saneamento no novo enquadramento. “Esperamos que a atualização do enquadramento do Rio das Velhas considere a situação atual da bacia hidrográfica, o uso e ocupação preponderantes do território, a qualidade atual da água dos cursos d’água, tendências de desenvolvimento econômico e populacional e os investimentos necessários para o alcance de metas de enquadramento. Sabemos que o saneamento ambiental, especialmente a coleta e tratamento de esgoto, tem papel estratégico no alcance desses objetivos”, finaliza a Copasa.

Investimentos no tratamento de água e esgoto ao longo da bacia estão previstos no plano de metas.

Um pouco mais do caminho até aqui

Desde outubro de 2023, quando o Grupo de Acompanhamento Técnico (GAT), criado especialmente para análise do processo de revisão do enquadramento, aprovou o Plano de Trabalho para início das atividades, um dos destaques tem sido o amplo processo de escuta e participação popular ao longo do território. Já na primeira fase, relativa ao Diagnóstico, que apresentou uma caracterização geral da bacia, dados sobre a qualidade atual das águas, usos preponderantes, fontes de poluição, áreas reguladas por legislação específica, planos e programas previstos, entre outros aspectos relevantes, uma consulta pública foi realizada, de forma virtual, em março de 2024.

No Prognóstico, que, como o próprio nome indica, tem a função de traçar os prenúncios para a bacia em horizontes de cinco, 10 e 20 anos, foram realizadas outras três consultas públicas, em julho do mesmo ano, nas cidades de Curvelo, Itabirito e Belo Horizonte. Por fim, no mês de novembro de 2024, foram realizadas duas consultas públicas, realizadas em Curvelo e Itabirito, e uma audiência pública, em Belo Horizonte, para discutir com a sociedade a etapa mais atual do processo, relativa à proposição de metas de enquadramento.

Reuniões junto aos Subcomitês do CBH Rio das Velhas também foram realizadas. Os encontros contaram com 268 participantes, e as manifestações resultantes dos encontros vieram do consenso dos membros de cada colegiado, com apontamentos sobre as classes dos corpos hídricos propostas no relatório. Além disso, a empresa recebeu 20 formulários digitais com contribuições.

Poliana Valgas destacou como a pluralidade de contribuições reflete na construção de um instrumento de gestão mais representativo. “A gente teve contribuições expressivas de diversos setores, tanto da sociedade civil, quanto do setor de saneamento, prefeituras, que trouxeram contribuições e detalhamentos de territórios, sobre trechos, sobre cursos d’água. Isso possibilita aprimorarmos ainda mais o produto e é isso que a gente vai ter quando compiladas essas informações. Foram levantados pontos de alerta justamente a partir desse olhar de quem está nos territórios, de quem executa o saneamento. Tanto a audiência como as consultas públicas foram experiências certamente muito ricas.”

 

Subcomitês puderam contribuir ativamente ao longo de todo o processo. Em destaque, uma das ações de formação promovidas pela equipe de Mobilização Social e Educação Ambiental. Audiência Pública, realizada em Belo Horizonte, em novembro de 2024, possibilitou a participação de diversos setores da sociedade da bacia.

Foco na Grande BH

Representante da sociedade civil na audiência pública sobre o enquadramento, o médico sanitarista, ambientalista, professor e ex-presidente do CBH Rio das Velhas, Apolo Heringer Lisboa, é o idealizador da nova Meta 2034. O projeto propõe um conjunto de medidas focadas em uma área na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), entre Nova Lima e a foz do Ribeirão da Mata, que fica entre as cidades de Vespasiano e Santa Luzia.

Com a experiência de quem construiu as Metas 2010 e 2014, que propuseram ‘Nadar, Pescar e Navegar’ no Velhas, o fundador do Projeto Manuelzão ressalta a necessidade de um esforço conjunto, assim como no caso do enquadramento, que envolva diversos entes da sociedade da bacia para que a meta se faça viável. “Está comprovado que o problema do rio é sanitário, mas também é de volume de água. A Meta 2034 vai procurar se ligar mais aos vereadores, aos prefeitos, aos movimentos sociais dos municípios, procurando levar esse pessoal, que está mais próximo à problemática da água, a pressionar seus deputados estaduais, federais, governador. Não podemos ter uma meta só do Comitê, é preciso incorporar os movimentos sociais nessa construção”.


Quer saber mais sobre a Meta 2034, ouça o podcast “Momento Rio das Velhas” com Apolo Heringer Lisboa:


Idealizador da Meta 2034, Apolo Heringer foi nomeado, pelo plenário do CBH Rio das Velhas, como embaixador da iniciativa.

O Marco Legal do Saneamento também é lembrado por Apolo, que indica o ajuste da Meta 2034 a este prazo. “Vale lembrar que o Marco Legal do Saneamento tem um horizonte, que é 2033, para captar e tratar o esgoto e despoluir a água no Brasil todo. Então nós estamos alinhados com essa meta temporal, em consonância com o horizonte federal.”

Apolo diz ainda como financiar uma empreitada dessas e como operar o indispensável redirecionamento econômico que exige. “A lógica tem sido privatizar o lucro político e financeiro e socializar o prejuízo. Matam os peixes e o povo não tem água boa, o gado não pode beber água do rio, não tem peixe para comer. Tem que inverter essa lógica, socializar o lucro e privatizar o dano que o ‘cara’ causou. A população está pagando um preço muito alto, os recursos têm que vir das empresas”, conclui.

Meta 2034 na bacia do Rio das Velhas

Objetivo prioritário até 2034: despoluir o núcleo do epicentro, tornando-o classe 02 segundo a resolução CONAMA nº 357 de 2005

 

O enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes, é um importante instrumento de gestão de recursos hídricos, previsto na Lei Federal n° 9.433/1997, conhecida como ‘Lei das Águas’. Visa assegurar qualidade das águas compatível com os usos, além de diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes. Além disso, também estabelece objetivos de qualidade a serem alcançados por meio de metas progressivas intermediárias e finalísticas.

A Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), de n° 357/2005, estabelece, em sua seção primeira, um sistema de classificação com cinco classes, que norteiam os usos permitidos para os corpos hídricos. São elas: Classe Especial, Classe 1, Classe 2, Classe 3 e Classe 4.

Classe Especial são águas destinadas:

a) ao abastecimento para consumo humano, com desinfecção;
b) à preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas; e
c) à preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral.

Classe 1 são águas destinadas:

a) ao abastecimento para consumo humano, após tratamento simplificado;
b) à proteção das comunidades aquáticas;
c) à recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho, conforme Resolução CONAMA n° 274, de 2000;
d) à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de película; e
e) à proteção das comunidades aquáticas em Terras Indígenas.

Classe 2 são águas destinadas:

a) ao abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional;
b) à proteção das comunidades aquáticas;
c) à recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho, conforme Resolução CONAMA n° 274, de 2000;
d) à irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato direto; e
e) à aquicultura e atividade de pesca.

Classe 3 são águas destinadas:

a) ao abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional ou avançado;
b) à irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras;
c) à pesca amadora;
d) à recreação de contato secundário; e
e) à dessedentação de animais.

Classe 4 são águas destinadas:

a) à navegação e
b) à harmonia paisagística.

 

Fonte: resolução CONAMA n° 357/2005

 


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Arthur de Viveiros