Moradores de Rio Acima, Nova Lima, Raposos e ambientalistas verificaram, no dia 29 de abril, que o Rio das Velhas estava com coloração “alterada, com um laranja bastante intenso e turbidez elevada”, com material denso carreado do Córrego Luzia dos Santos, afluente do Rio Itabirito, e apresentaram uma denúncia junto aos órgãos de fiscalização e ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas). No documento, entidade da sociedade civil organizada levanta a hipótese de que o evento pode ser “resultado de um processo de transposição de rejeitos vinculado a eventual processo de descaracterização ou desativação de barragens” e pede providências. Minas Gerais está passando por processo de descomissionamento das inúmeras barragens de alteamento a montante, muitas delas localizadas no Alto Rio das Velhas.
Assinam o documento de denúncia o Instituto Cordilheira e o Grupo de Pesquisa Educação, Mineração e Território (EduMiTe), ligado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Daniela Campolina, Co-coordenadora do EduMiTe e Coordenadora do Observatório de Barragens de Mineração informa que os moradores e membros do grupo de pesquisa já haviam notado a mudança no rio. “Nós já estávamos discutindo sobre o fato de o rio estar com coloração estranha aqui, passando pelo centro de Rio Acima. Subindo o rio, verificamos que era do Córrego Luzia dos Santos que estava saindo o material. Não havia nenhum motivo para ele estar com essa cor pelo fato de haver muita mata ciliar na região alta do rio, além de que a cor apresentada é muito distinta: um material muito brilhante, escuro. O córrego é um afluente pequeno do rio Itabirito, mas que está fazendo uma diferença muito grande na coloração do Rio das Velhas”, conta Daniela.
Ainda no documento de 14 páginas, as entidades recordam que, no ano passado, houve um evento parecido ligado à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) no Córrego Fazenda Velha. No entanto, relatam que “no presente caso, no dia 29 [de abril], ambientalistas e moradores e o pesquisador do EduMiTe Luciano Corrêa foram até o local de encontro dos dois rios e constataram que a contaminação não era proveniente do mesmo local do ano passado. O córrego Fazenda Velha não apresentava a turbidez e coloração que estava presente no Rio das Velhas. Seguiram a MG-030 sentido Itabirito, alguns quilômetros após o córrego Fazenda Velha, quando verificaram uma grande quantidade de material lamacento e com as características da coloração vista no Rio das Velhas em um córrego sob uma pequena ponte da estrada MG-030”, que é o Córrego Luzia dos Santos.
Em visita posterior, no dia 5 de maio, integrantes do projeto “Que lama é essa?”, do EduMiTe, constataram que “o mesmo córrego continuava contaminando os rios Itabirito e Velhas, onde a mesma coloração intensa e muito turva se apresentava. Junto ao córrego, de nome Luzia dos Santos ou Moleque, verificou-se, além de material barrento, muito resíduo cinza escuro e brilhante nas suas margens. O córrego apresenta mata ciliar preservada e densa, sem nenhum registro de possível foco erosivo no entorno. Foi encontrado depositado às margens, material denso, escuro, gelatinoso e com brilho metálico”.
Mais à frente, ressaltam que esses “rejeitos despejados no Córrego Luzia dos Santos e dele nos rios Itabirito e Velhas podem ser resultado de um processo de transposição de rejeitos vinculado a eventual processo de descaracterização ou desativação de barragens no complexo Vargem Grande [da Vale] ou nas áreas da Minérios Nacional/CSN”. Segundo eles, algo parecido aconteceu após a tragédia do rompimento da barragem de Fundão, da empresa Samarco, em Mariana, quando, segundo o documento, houve “transposição de rejeitos da empresa da microbacia hidrográfica de afluentes do Rio Gualaxo do Norte (na sub-bacia hidrográfica do rio do Carmo) para a calha do rio Piracicaba”.
Rio das Velhas e o córrego Luzia dos Santos apresentaram mudança na coloração da água
Paulo Rodrigues, pesquisador colaborador do EduMiTe, afirma o mesmo que a Daniela observou. “Nunca tinha visto algo assim in loco. Nada parecido. E o afluente tem uma vazão muito menor do que o Itabirito. Não obstante, depois da confluência dos dois, o Itabirito fica da mesma cor, o que acontece também com o Rio das Velhas quando recebe o Itabirito. Ou seja, a concentração de material ali é enorme, logo abaixo do Complexo de Vargem Grande. É coisa muito grave, não é desprezível. Que é minério, não há dúvida. Só não sabemos de onde vem”, alerta.
O receio dos pesquisadores vem da observação de que não houve chuvas recentemente na região que justificasse a turbidez dos rios, bem como que uma simples erosão das margens dos cursos d’água não justificariam o material denso e escuro que verificaram.
O documento foi enviado ao CBH Rio das Velhas, ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), à Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) e ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), pedindo que “se apure com urgência” o evento e que “forneçam informações sobre a real situação da qualidade da água do Córrego Luzia dos Santos, do Rio Itabirito e Rio das Velhas, como também da segurança das estruturas de mineração das empresas potencialmente envolvidas”.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Leonardo Ramos
*Fotos: Acervo EduMiTe