Revista Velhas nº20: Turismo da Fé

09/10/2024 - 10:00

As festividades e tradições religiosas na bacia do Rio das velhas não apenas atraem turistas e fiéis de todo o país, mas também mantêm vivas as ricas heranças culturais mineiras


Quando se fala em turismo da fé, Minas Gerais se destaca. De acordo com dados da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult-MG), 36% dos turistas que visitam o estado têm como principal motivação conhecer locais e festas de riqueza histórico-cultural, incluindo bens e eventos religiosos, gerando uma movimentação econômica de cerca de R$ 5 bilhões por ano. Além das rotas da fé, que exploram o turismo religioso católico, o estado conta com as tradicionais festas religiosas de matriz africana, como o candombe, congado e as missas congas. Nesta reportagem, vamos destacar alguns roteiros e destinos de turismo religioso na bacia do Rio das Velhas.

Membros da Guarda em momento de orações para o descendimento dos mastros para o encerramento do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, em Ouro Preto.

Rota da fé

O CRER (Caminho Religioso Estrada Real), maior roteiro do segmento no Brasil, abrange 38 municípios, sendo 32 mineiros e seis paulistas, ligando Caeté a Aparecida (SP). Destes, 11 municípios estão inseridos na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. Esse trajeto é uma verdadeira peregrinação de fé e devoção, passando por diversos marcos religiosos e históricos.

Em Caeté, o Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade, localizado na Serra da Piedade, é um dos principais pontos de turismo religioso, recebendo cerca de 500 mil visitantes por ano. O conjunto cultural, arquitetônico e natural da Serra da Piedade, tombado nos âmbitos municipal, estadual e federal, serve como ponto de partida do CRER.

Seguindo pelo caminho, de Caeté passa-se por Antônio dos Santos e Pompéu, até chegar a Sabará, destino tradicionalmente conhecido por seus eventos religiosos. Das primeiras vilas criadas em Minas Gerais, no início do século XVIII, Sabará conserva um belo conjunto arquitetônico no seu núcleo histórico. Durante a Semana Santa e o Corpus Christi, a cidade enfeita suas ruas com tapetes de areia colorida, flores e ramagens para as procissões. A tradicional Festa de Santo Antônio na comunidade de Roça Grande é outro evento importante, atraindo devotos de várias partes do estado.

Santuário Nossa Senhora da Piedade, em Caeté, está no alto da Serra da Piedade e dela se tem uma das vistas mais belas de todo o estado de Minas Gerais.

No distrito de Morro Vermelho, próximo destino do CRER, a tradição do Banho de Nosso Senhor dos Passos, realizada na Quarta-Feira de Cinzas, é um rito que data dos antepassados da comunidade. Utilizando cachaça para combater a deterioração da imagem, o ritual prepara a figura sacra para as procissões e cerimônias da Semana Santa. A mesma aguardente é reutilizada pelos devotos para curar dores.

Continuando pelo caminho, o município de Raposos, considerado uma das primeiras povoações de Minas Gerais, preserva centenárias manifestações culturais como o Congado, a Marujada, o Moçambique, a Cavalhada, as Pastorinhas, a Capoeira, a procissão das Almas e a Folia de Reis. Os eventos religiosos ganham maior relevância durante a Festa da Padroeira Nossa Senhora da Conceição, realizada no dia 08 de dezembro, e que inclui a tradicional cavalhada, reencenando as cruzadas entre mouros e cristãos. Também se destacam as festas do Divino Espírito Santo e de Nossa Senhora do Rosário, com a participação das guardas de Congado; a comemoração do dia de Santa Efigênia, acompanhada por sua guarda de marujos; o Jubileu de São Benedito, com a presença da guarda de Moçambique; e as solenes celebrações da Semana Santa.

O roteiro segue passando por Honório Bicalho (Nova Lima) e Rio Acima, onde se encontra o Memorial Paroquial Padre Osvaldo Carlos Pereira que possui acervo referente ao padre, peças sacras da capela original e indumentárias eclesiásticas.

Em Acuruí, distrito de Itabirito e próxima parada do trajeto, destaca-se a festa de Nossa Senhora da Conceição do Acuruí, celebrada entre 5 e 8 de dezembro. A celebração inclui a Alvorada Festiva, procissão motorizada, Santa Missa Solene, procissão pelas ruas e a Solene Coroação da imagem da padroeira, com participação da Corporação Musical Santa Cecília.

Sirlei Pena, moradora de Acuruí, é dona da mercearia local e coordena as atividades das duas igrejas do distrito, a de Nossa Senhora da Conceição e a de Nossa Senhora do Rosário. Com a propriedade de quem organiza a festa anualmente, ela conta que “vem pessoas de vários lugares de Minas Gerais. Vem gente pagar promessa, vem gente por curiosidade, para conhecer a bela igreja centenária. Vem gente participar dos leilões promovidos na ocasião. A festa é sempre muito povoada. Só quem participa sabe dizer o tamanho da emoção neste dia”.

Moradora de Acuruí, Sirlei Pena coordena as atividades das duas igrejas do distrito itabiritense. Festa de Nossa Senhora de Nazareth, realizada há mais de 300 anos no distrito de Morro Vermelho, em Caeté.

Os dois últimos pontos de parada do CRER na bacia do Rio das Velhas são os distritos de Ouro Preto, Glaura e São Bartolomeu. Glaura é sede da matriz de Santo Antônio, edificada de 1758 a 1764 e que integra o grupo das grandes matrizes mineiras. São Bartolomeu festeja o seu padroeiro no mês de agosto, quando a imagem do santo apóstolo atrai romarias de diversas regiões do Brasil, com fiéis em busca dos milagres do padroeiro. Durante a festa, o profano e o sagrado se entrelaçam, com barracas de jogos e doces ao lado de vendedores de velas e terços. O pequeno povoado se enche de visitantes de todos os cantos.

Morro São Sebastião, em Ouro Preto, próximo às primeiras nascentes do Rio das Velhas. Tapetes de serragem dispostos no chão durante o Domingo de Páscoa, em Ouro Preto. Festa do Divino Espírito Santo é celebrada em Pentecostes, em agosto, junto à Festa em homenagem ao santo padroeiro do distrito ouropretano de São Bartolomeu.

Tradição

Ouro Preto, um dos principais destinos turísticos do país, é conhecida por seu patrimônio histórico e religioso, além de seu estilo barroco. Durante a Semana Santa, a cidade, localizada a 100 quilômetros de Belo Horizonte, se transforma para receber visitantes de todo o mundo. Tapetes de serragem são confeccionados nas ruas para as procissões do Domingo de Páscoa, uma tradição herdada dos portugueses no século XVIII. A confecção desses tapetes começou em 1733, durante a reinauguração da matriz de Nossa Senhora do Pilar.

Já no norte de Minas, a Igreja Bom Jesus de Matozinhos, construída com enormes blocos de pedra às margens do Rio das Velhas, em Barra do Guaicuí, distrito de Várzea da Palma, é um importante marco histórico e de visitação. Documentos indicam que a construção foi iniciada pelos jesuítas no século XVII. Apesar de nunca concluída, a igreja foi tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).

Afromineiridades

A Comunidade dos Arturos, em Contagem, celebra, no mês de outubro, a Festa de Nossa Senhora do Rosário, reconhecida como patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais. A festa, marcada por cortejos de Guardas de Congo, Missa Conga e uma vasta programação, é um agradecimento à santa por sua proteção histórica aos negros. A comunidade também é responsável por manter tradições como a Festa do João do Mato, a Festa da Abolição, a Folia de Reis, o Congado e a cozinha tradicional.

Na Serra do Cipó, a comunidade do Quilombo do Açude celebra o Candombe, considerada a expressão mais antiga do Congado mineiro. Realizado anualmente no segundo sábado de setembro, o Candombe atrai um grande público com seu cortejo e ritual sagrado ao som de tambus, instrumentos feitos por escravizados há mais de 200 anos. O Candombe, originário dos últimos anos da escravidão, é hoje uma manifestação de fé e orgulho, agradecendo a Nossa Senhora do Rosário por todas as bênçãos concedidas à comunidade. Um dos líderes do Quilombo do Açude e também professor de Saberes Tradicionais, Mestre Cuta, faz questão de destacar a tradição banto candobeira. “As pessoas estudam uma África europeia e precisa ser mais estudada a nossa África mineira. Minas Gerais é o berço da religião de matriz africana. Cada montanha dessa tem uma tradição de religião de matriz africana e que precisa ser olhada com mais carinho”.

Festa de Nossa Senhora do Rosário, da Comunidade Quilombola dos Arturos, em Contagem. Mestre Cuta é um dos líderes do Quilombo do Açude, na Serra do Cipó.


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Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Mariana Martins