Revista Velhas nº17: Um rio para irrigar o bom turismo

02/08/2023 - 12:48

Rio das Velhas pode ser o grande estimulador de um desenvolvimento sustentável, consistente e justo, afirma especialista


“Quem conduz esse manancial de desenvolvimento que o turismo pode representar é o Rio das Velhas. O rio vai nutrindo, liga a natureza e a história. Traz as potencialidades. Sem água não tem turismo, não tem vida”. As palavras são da historiadora e especialista em Governança em Rede e Desenvolvimento Territorial, Jussara Rocha, há mais de duas décadas atuando nas áreas do turismo e da economia criativa, nas esferas pública e privada.

“Se olhar pro mapa”, continua, “ele nasce em Ouro Preto e vai até a Barra do Guaicuí, passando por BH, pelas grutas, Serras do Cipó e do Cabral e o Circuito dos Diamantes”. Para ela, o Rio das Velhas, que pode ser “o grande estimulador de um processo mais consistente” de turismo em Minas, é “pouco falado, subdimensionado, só vem à tona nos desastres ambientais, mas precisa ser tratado também no âmbito da educação e do turismo”.

Circuitos Turísticos são instâncias de governança regionais constituídas em 2001 pelo Programa de Regionalização do Turismo do governo mineiro, reunindo municípios de uma mesma região com afinidades culturais, sociais e econômicas, sociedade civil e setor privado. Na bacia do Rio das Velhas são seis os circuitos turísticos consolidados: Circuito do Ouro, Belo Horizonte, Grutas, Serra do Cipó, Serra do Cabral e Diamantes.

De fato, o maior afluente do São Francisco liga os principais destinos indutores de Minas Gerais e possui vasta rede de Unidades de Conservação (UCs), também polos de atração turística. Os 27.850 km2 da bacia abrigam 51 municípios, 4,5 milhões de habitantes, seis circuitos turísticos e 118 Unidades de Conservação, distribuídas entre 66 Parques, sendo três nacionais, importantíssimos [Serras do Gandarela e do Cipó e Sempre-Vivas], sete estaduais e 56 municipais, 23 Áreas de Proteção Ambiental (APAs), 14 Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), nove Monumentos Naturais, três Estações Ecológicas, dois Refúgios de Vida Silvestre (REVIS) e uma Floresta Estadual. Além de tudo isso, a Serra do Espinhaço, que emoldura grande parte da bacia, é Reserva da Biosfera reconhecida pela Unesco desde 2005.

Estátua do Juquinha, na Serra do Cipó. Região compõe um dos Circuitos Turísticos inseridos na bacia do Rio das Velhas

Caminho das pedras

Treinado na longa trajetória profissional, o olhar prático de Jussara se volta “para o chão do turismo”. A atividade, “tão falada”, é segundo ela “ainda muito pouco definida” e “até hoje não foi prioridade na esfera pública, em nenhuma instância”.

As lacunas ganham forte exemplo nas Unidades de Conservação (UCs), áreas preservadas que trazem todo um contexto não só da natureza, mas da história e das pessoas. No mundo, há pelo menos 15 anos é crescente a demanda por esse nicho, em que o turista espera encontrar mais segurança, informação e opções orientadas.

Jussara Rocha aponta, contudo, “uma falta muito grande de gestão, deficiências estruturais para cuidar da conservação, imagina para o processo de gestão turística”. Os números não ajudam. Das 313 UCs federais, 173 não tinham plano de manejo um ano atrás, 60 não tinham conselho formado e 297 não haviam concluído a consolidação territorial.

Remando ao lado dos que veem no turismo, em UCs ou fora delas, combustível poderoso para “dinamizar a economia de forma justa e equilibrada”, a historiadora frisa: “Tem que trazer benefícios às comunidades do entorno”.

Monumento natural da Serra da Piedade

Preconizando medidas de ordenamento e estratégias para superar a ação fragmentada, clama para que os seis circuitos da bacia comecem a trabalhar de forma integrada, computem dados como ticket médio, perfil do turista, preferências e demandas e traduzam sua oferta em bons produtos.

A profissionalização é outra vertente crucial: “incluir as pessoas do lugar de forma qualificada, preparar os destinos e roteiros, capacitar os receptivos, descobrir os vazios a preencher para criar novas atividades turísticas”, receita.

“Precisa deixar de romantizar o turismo”, indica, e ressalta que a atividade envolve “uma cadeia produtiva muito grande”. A arte reside em atrair o fluxo turístico, mas fazer com que ele venha de forma estruturada, “que queira preservar, se integrar às comunidades existentes, se inteirar da história que ali existe, dos saberes, dos ofícios, de todas as pequenas singelezas que contém cada milímetro de mata, de rua, de pedra, de água”.

“Enquanto a gente não se sentir rio, montanha, a gente não anda”, diz, ecoando a alma xamânica dos povos originários.

Vários pontos da bacia do Rio das Velhas são considerados ideais para a prática de esportes ao ar livre, como o mountain bike. Grutas na bacia do Rio das Velhas impressionam estudiosos e turistas de todo o mundo.

 

O papel do Comitê

De acordo com a especialista, o CBH Rio das Velhas pode ter “papel significativo” no “desenvolvimento de novas experiências turísticas sustentáveis” por agir em toda bacia e “por sua capilaridade”, que lhe daria condições de uma ação “sistêmica, sem barreiras, olhando para o rio como o ponto mega relevante”.

Marcus Vinícius Polignano, secretário do Comitê, cerra fileiras: “Todo mundo que convive com esse rio aprende a amá-lo e a querê-lo cada vez mais vivo, cada vez mais limpo, com sua biodiversidade, com toda a sua riqueza natural. A história, as belezas naturais são razões para a sua preservação, para além do uso da água. O Rio das Velhas conta a história de Minas. Essa perspectiva do turismo é muito pouco explorada. Ao invés de extrair, de destruir, é preciso construir, através do turismo, uma geração de renda sustentável”.

O tema já havia merecido atenção nos debates internos do CBH. Um dos principais produtos dos Diálogos Regionais, encontros que reuniram os Subcomitês das quatro regiões fisiográficas da bacia, realizados em junho passado, foi a elaboração da Matriz de Prioridades. No evento do Alto Rio das Velhas, ficou destacada a promoção do uso sustentável dos territórios com base no ecoturismo, no turismo de experiência e outras modalidades.

Jussara Rocha crê que “o bom viajante, aquele que se interessa por esses lugares todos da bacia, quer fazer parte desse processo de preservação”, no que chama de “um turismo regenerativo”. E recomenda “não ficar esperando só a esfera estatal, dando mais protagonismo à própria sociedade civil. O CBH pode puxar isso”.

Especialista em Governança em Rede e Desenvolvimento Territorial, Jussara Rocha destaca capilaridade do Comitê na bacia para fomentar experiências turísticas sustentáveis.

 

 

Trilha sobre as águas

Exemplo de quem não fica de braços cruzados vem de Taquaraçu de Minas, cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a cerca de 60 km da capital. Lá, Jânio Marques, conselheiro do Subcomitê Rio Taquaraçu do CBH Rio das Velhas, fundador e presidente da Taquaraçu Ecotur, começou a descer de caiaque as águas Classe 1 do rio para mostrar, a naturais do lugar e a turistas, as maravilhas da região e a beleza do Taquaraçu. Numa dessas, acabou conhecendo Marcelo Bastos, espeleólogo e operador de turismo de aventura. Daí nasceu a ideia da Trilha Aquática que entra em cena ainda em 2023.

“Precisamos mostrar o inesgotável potencial turístico, religioso, rural, ecológico,”, diz Jânio, para quem a trilha vai “falar da história da cidade e gerar renda e emprego” para a população urbana e rural.

O projeto é norteado pelo conceito de Turismo de Base Comunitária, no qual a comunidade organiza e presta serviços aos visitantes, e tem como bandeira a proteção do rio. “Quando atrai o turista, gera renda, vende queijo, doce, sorvete, tem a gastronomia, a hospedagem, os pontos de apoio na descida do rio, um café da manhã, um almoço, vários tipos de ganho”, antecipa Jânio. Marcelo destaca a importância “de incluir a população ribeirinha, as comunidades tradicionais, os moradores urbanos”.

Conselheiro do Subcomitê Rio Taquaraçu, Jânio Marques idealiza Trilha Aquática na região.


Assista ao webinário “O turismo como aliado da proteção, educação e desenvolvimento regional”:


Muita história e beleza

Com população de 4 mil habitantes e extensão territorial apenas três quilômetros menor que a da capital, Taquaraçu de Minas é bem preservada, muito hospitaleira e ainda guarda os aspectos coloniais do ciclo do ouro, testemunhados nos anos de 1820 pela famosa Expedição Langsdorff.

A Trilha Aquática do Rio Taquaraçu pode se estender por dois dias ou mais, desde a cabeceira até a barra no Rio das Velhas, reunindo várias opções de esportes náuticos: rafting (descida em corredeiras utilizando botes infláveis), caiaques simples ou duplos, com condutor, e canoas.

Do município seguindo rio abaixo, em águas tranquilas, o cenário fica perfeito para o banho e o turismo de observação de aves, da vegetação e de belas paisagens. No caminho, cachoeiras, ranchos e prosas ribeirinhas, causos de antigos tropeiros, preciosidades arqueológicas e muita história.

Trilha Aquática do Rio Taquaraçu pode se estender por dois dias ou mais, desde a cabeceira até a barra no Rio das Velhas.

Conexões terrestres

Quem mergulhar na Trilha Aquática ainda terá a chance de conhecer o Caminho Macaúbas/Piedade, trilha terrestre conectada que desemboca em duas joias raras: o Monumento Natural da Serra da Piedade, em Caeté, de alto valor ambiental e abrigo do oitocentista santuário católico, e o Convento de Macaúbas, em Santa Luzia, nascido Recolhimento do Monte Alegre de Macaúbas, em 1712.

Trilha terrestre conectada permitirá ao visitante conhecer o Convento de Macaúbas, em Santa Luzia, datado de 1712.

 

Anote aí alguns atrativos imperdíveis:

  • Igreja do Santíssimo Sacramento
  • Fazenda São José, a primeira fazenda da região
  • Teatro São Francisco de Assis, um dos dois únicos “teatros de curral” do mundo, fundado em 1954
  • Sítio Arqueológico Lapa Grande, com tombamento federal e objeto de estudo da USP e da UFMG, que remonta à época de Luzia, o mais antigo fóssil humano encontrado na América do Sul, na região de Lagoa Santa, com cerca de 12 500 a 13 000 anos
  • Gruta Lapa Grande
  • Sítio Arqueológico. Lapa do Padre Borges
  • Banda de música Estrela de São João, de 1956
  • Túneis abandonados da linha férrea, da década de 50, que ligaria BH a Itabira

 


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcalla