O governo de Minas e a mineradora Vale celebraram um acordo bilionário em reparação ao rompimento da barragem em Brumadinho, com ações voltadas para a segurança hídrica da Grande BH. O que podemos esperar desse acordo? Especialistas apontam soluções viáveis para a bacia do Rio das Velhas.
A tragédia ocorrida em 25 de janeiro de 2019 na cidade de Brumadinho deixou rastros de destruição. O rompimento da barragem de Córrego do Feijão, da mineradora Vale, agravou uma situação que se arrasta há anos: a fragilidade do sistema de abastecimento da população da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Dois anos após a tragédia, o governo de Minas Gerais, a mineradora Vale e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) assinaram o acordo para reparação dos danos provocados pela tragédia. Após meses de negociações, o termo foi assinado com valor de mais de R$ 37 bilhões. O acordo vigerá por 10 anos e a segurança hídrica será um dos destinos do dinheiro.
Atualmente, a RMBH é abastecida por duas bacias: a do Paraopeba (51%) e a do Rio das Velhas (49%). Essa porcentagem é diferente para a capital: 30% do abastecimento provém do Sistema Paraopeba e 70% do Sistema Velhas. O rompimento da barragem da Vale interrompeu a captação de água no Rio Paraopeba, já que o manancial foi atingido pelos rejeitos da lama. Após a tragédia, o Rio das Velhas tem sido sobrecarregado na missão de abastecer a Grande BH.
O acordo prevê o investimento de R$ 2,05 bilhões para obras nas bacias do Paraopeba e do Rio das Velhas, “que garantirão a segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte, inclusive de municípios atingidos. As intervenções têm o objetivo de melhorar a capacidade de integração entre os sistemas Paraopeba e das Velhas, evitando o desabastecimento”, diz o documento do governo.
O governo de Minas, por meio do Comitê Pró-Brumadinho, informa que as ações para a segurança hídrica da RMBH estão especificadas no âmbito de outro instrumento jurídico: o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) Segurança Hídrica, firmado com o MPMG e a Vale. O documento prevê a elaboração de estudos de viabilidade técnico-ambiental e o desenvolvimento de projetos básicos de engenharia de cinco obras estruturantes que garantam o atendimento à demanda hídrica atual da RMBH, correspondente a 15 mil litros por segundo.
Acordo de mais de R$ 37 bilhões entre Vale e Governo de MG foi assinado no início de fevereiro.
Pelo acordo, a Vale terá que custear e executar os estudos de viabilidade para subsidiar a implantação de: 1) nova captação a fio d’água, adução e reservação no Ribeirão da Prata com vazão mínima de 600 l/s; 2) nova captação a fio d´água, adutora e reservação na região denominada “Ponte de Arame do Rio das Velhas”, garantindo a vazão mínima prevista de 2.000 l/s e a vazão de operação necessária também durante períodos secos; 3) nova captação a fio d´água, adução e reservação com vazão mínima de 2.500 l/s no Ribeirão Macaúbas; 4) ampliação do Sistema Rio Manso, compreendido entre a captação e o reservatório Morro Vermelho, incluindo a Estação de Tratamento de Água (ETA), adutoras, elevatórias e subestação, de forma a atingir uma vazão nominal de 9.000 l/s; e 5) nova adutora de transferência entre os Sistemas do Paraopeba e Rio das Velhas, para uma capacidade de transporte de 3.200 l/s.
A secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, Marília Carvalho de Melo, aponta que os R$ 2,05 bilhões em intervenções devem garantir a segurança hídrica da RMBH. “As ações previstas no acordo trarão segurança hídrica para a região. A Vale está identificando os pontos que podem ser utilizados como novos mananciais de abastecimento. Foi proposto pela Copasa que as intervenções sejam realizadas especialmente em bacias que não tenham barragem a montante, para aumentar a oferta de água para a população com segurança”, afirmou.
Polignano defende estudo que considere as mudanças climáticas e projeções futuras.
Marcus Vinícius Polignano, secretário do CBH Rio das Velhas, alerta que para garantir água em qualidade e quantidade na RBMH é necessário um bom diagnóstico. “Ainda não temos estudos efetivos de ações que vão melhorar a segurança hídrica da região metropolitana. Para isso, precisamos estudar a demanda de vazão necessária para garantir o abastecimento da população, em conformidade com as mudanças climáticas. Um desenho atual com projeções futuras. A segurança hídrica é uma questão que deve ser enfrentada, pois a cada ano vemos o risco de escassez hídrica mais próximo e de comprometer o abastecimento de água, o que será extremamente ruim e grave”, destacou.
A Revista Velhas conversou com especialistas nas áreas de saneamento e meio ambiente, que apontaram quatro possibilidades que contribuiriam para a segurança hídrica do Rio das Velhas e da RMBH:
Desassoreamento da Represa Rio de Pedras
A represa da pequena central hidrelétrica (PCH) Rio de Pedras é administrada pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Inaugurado em 1907, o barramento está instalado no Rio das Velhas, no município de Itabirito, e possui um volume total de 604 mil m³.
Há anos o CBH Rio das Velhas articula com a Cemig e Copasa o desassoreamento da represa Rio de Pedras, um dos poucos barramentos na região do Alto Rio das Velhas. Caso não estivesse assoreada, a água da represa poderia ser utilizada para o abastecimento da população, especialmente durante os períodos de estiagem.
O secretário do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano, ressalta a importância da represa Rio de Pedras para a segurança hídrica da RMBH. “O reservatório é pequeno, mas poderia ajudar na vazão do Rio das Velhas. Estudos já mostraram que o volume acumulado em Rio de Pedras poderia ser disponibilizado em momentos de crise hídrica para o abastecimento público”, esclareceu.
De acordo com a Cemig, o volume útil do reservatório atualmente está em 37,5% e a defluência é de 1,39 m³/s.
Descentralização do abastecimento
Um sistema de poços a ser perfurado e uma nova adutora interligada à Estação de Tratamento de Água (ETA) Bela Fama, em Nova Lima, podem trazer mais segurança hídrica à RMBH e alívio ao Rio das Velhas. É o que explica o professor do departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (DESA/UFMG), Marcelo Libânio.
“Trata-se de uma das medidas de prevenção que visam garantir a segurança hídrica da RMBH, em um cenário de eventual suspensão da captação no Rio das Velhas. A alternativa que se mostrou mais eficiente para garantir o abastecimento do município de Sabará é a perfuração de poços tubulares em áreas de relevante potencial hidrogeológico. A utilização das áreas também se mostra estratégica devido à proximidade com a adutora da Copasa, com a qual os poços serão interligados”, esclareceu Marcelo Libânio.
A Copasa informa que medidas de reforço da captação e tratamento estão sendo implementadas pela mineradora Vale em acordo com o MPMG. O superintendente da Unidade de Negócio Metropolitano da Copasa, Sérgio Neves Pacheco, comenta que, em Sabará, a previsão é de implantação de oito a 10 poços. “Com profundidade de 300 a 450 metros, os poços terão capacidade para suprir o abastecimento de 200 l/s ao município, mesma vazão ofertada atualmente pela ETA Bela Fama”, afirmou.
Também será construído um sistema de captação para abastecer a ETA Bela Fama da Copasa. “Esse sistema irá captar a água armazenada na barragem de Cambimbe, que é de propriedade da AngloGold Ashanti, e direcioná-la, por tubulação, numa extensão aproximada de 4 km, até a ETA Bela Fama. A vazão a ser captada pelo sistema será capaz de abastecer cerca de 89 mil habitantes, sendo a totalidade do município de Raposos e parte de Nova Lima, atualmente abastecidos pela ETA Bela Fama”, contou Sergio Neves.
Integração do sistema de abastecimento da RMBH
Melhorar a capacidade de integração entre os sistemas Paraopeba e das Velhas poderia evitar o desabastecimento da RMBH. A capacidade de transferência de água entre os dois sistemas de distribuição da Copasa nos Rios das Velhas e Paraopeba precisa ser ampliada, aumentando a resiliência, em especial no período de seca.
O superintendente da Unidade de Negócio Metropolitano da Copasa, Sérgio Neves Pacheco, esclarece que os sistemas são interligados, entretanto, não é possível fazer a interligação de 100%. “Nossos sistemas são integrados, por meio da Linha Azul. Podemos transportar água do sistema Rio das Velhas para o sistema da bacia do Paraopeba e vice-versa. No entanto, a Copasa não tem como cobrir totalmente um ao outro”, disse.
A Copasa utiliza uma rede, formada por 22 km de adutoras que interligam os sistemas de produção das bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba, transferindo água tratada de um para o outro.
Como solução, Sérgio Neves aponta a necessidade de melhorias na interligação dos sistemas. “A Copasa já tem aprimorado a integração dos sistemas e os valores destinados à segurança hídrica do acordo em reparação ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho nos darão melhores condições”, afirmou.
Conservação de Áreas Verdes e de Recarga
O desaparecimento da vegetação natural e a degradação do solo podem alterar o padrão do fluxo das águas na paisagem e acarretar um fornecimento de água pouco confiável, com implicações para os usuários de água. A bacia do Rio das Velhas, localizada na RMBH, é importante para o abastecimento da população. No entanto, na região, tem se desenvolvido uma grande concentração de atividades industriais e um intenso processo de urbanização, o que intensificou a degradação da bacia.
O gerente nacional de Água da The Nature Conservancy (TNC), Samuel Barrêto, explica que a segurança relacionada aos recursos hídricos começa com a garantia da gestão adequada da bacia hidrográfica. “A conservação de bacias hidrográficas é indispensável para garantir o suprimento de água no longo prazo com qualidade e em quantidade, para abastecer a população e para o desenvolvimento da economia, inclusive para criar a resiliência climática. Conservar e recuperar as terras em nossas bacias hidrográficas é fundamental para a biodiversidade, mas também para garantir o nosso fornecimento de água para o futuro”, disse.
O superintendente da Copasa, Sérgio Neves, alertou para a perda de resiliência da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. “Precisamos avançar na conservação e revitalização da bacia do Rio das Velhas. Ao longo do tempo, a bacia tem perdido elementos que contribuem para a sua resiliência, como a cobertura vegetal que auxilia na proteção contra a erosão acelerada e parte significativa de suas vazões fluviais”, finalizou.
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio
Fotos: Bianca Aun, Léo boi, Leonardo Maia e Pedro Gontijo