Revista 9: Rede Asas do Carste envolve mais de 150 alunos de escolas públicas na pesquisa científica

24/04/2019 - 6:25

Como o aumento ou decréscimo das populações de aves aquáticas pode ser usado como indicador sobre os ciclos das lagoas cársticas e de suas condições ambientais.

Entre 2015 e 2018, 104 espécies de aves do entorno das lagoas da região cárstica de Lagoa Santa foram identificadas e fotografadas por alunos das escolas públicas dos municípios vizinhos, a partir de sete trabalhos de campo promovidos pelo projeto Rede Asas do Carste – uma iniciativa concebida pelos Subcomitês Carste e Ribeirão da Mata, pertencentes ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), com coordenação acadêmica do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). A ação envolveu mais de 150 alunos de nove escolas, num trabalho continuado de educação ambiental que intercalava visitas de campo e atividades em sala de aula.

A escolha por aves aquáticas teve por base sua relação com as lagoas e o seu sistema hídrico, possibilitando entendê-las como sinalizadoras dos ciclos de cheias e secas, quando diferentes habitats e alimentos aparecem e desaparecem. “Um exemplo são os biguás. Eles se alimentam de peixes que capturam mergulhando. Assim, você encontrará biguás onde houver peixes e a lagoa for relativamente profunda. Quando as lagoas vão secando, os biguás as abandonam, pois não conseguem mergulhar. Mas aí as garças aparecem em maior número, pois caminham em águas rasas em busca de peixes”, explicou o professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, José Eugênio Côrtes Figueira, um dos colaboradores do projeto Rede Asas do Carste.

Segundo ele, isso conta a história de como a lagoa cárstica funciona – enchendo ou secando – e como as aves respondem – chegando ou saindo. Cada espécie, num determinado momento no tempo, que reúne condições adequadas para encontrar e obter alimento. “A variedade de espécies de aves e suas abundâncias têm relação direta com o tamanho (áreas dos espelhos d’água) e duração das lagoas ao longo do ano. Num dado momento no tempo, as maiores lagoas serão as mais ricas em espécies e com maiores densidades de aves, pois nelas geralmente encontramos maior variedade de microhabitats (das margens rasas cobertas por algas, junco e plantas flutuantes, às regiões mais profundas), abundância e tipos de alimentos”.

As lagoas contempladas no Rede Asas do Carste foram a Lagoa do Fluminense (Matozinhos), a Lagoa do Cercado (Prudente de Morais), a Lagoa Central (Lagoa Santa), a Lagoa de Fora (Funilândia), a Lagoa Vargem Bonita (Confins), a Lagoa Santo Antônio e a Lagoa do Sumidouro (Pedro Leopoldo). Com exceção da Central e da Santo Antônio, as demais são temporárias, com ciclos de cheias e secas que, até poucos anos, eram anuais.

De acordo com o professor, a saúde das lagoas cársticas também está diretamente associada aos efeitos globais do clima. “A presença das mais de 50 espécies de aves aquáticas nas várias dezenas de lagoas da APA Carste sinaliza que as lagoas estão lá e que, consequentemente, as chuvas aconteceram em níveis satisfatórios. Essa é uma bioindicação diferente, pois aponta para uma certa previsibilidade do clima (com chuvas em níveis adequados todos os anos) e que depende muito da manutenção das grandes áreas florestadas do Brasil, com destaque a Amazônia, que são fábricas de chuva e também responsáveis pela infiltração da água no solo a caminho de nascentes, rios, lagos e aquíferos”.

Nesse contexto, José Eugênio Côrtes Figueira alerta como a saúde das lagoas cársticas piorou consideravelmente nos últimos seis anos, fruto especialmente do desmatamento crescente, da mineração e do uso crescente da água subterrânea, com proliferação descontrolada de poços artesianos. “O que o projeto revela é que aves indicam como o sistema funciona. Por outro lado, se elas [aves] desaparecem por completo, como praticamente ocorreu a partir de 2013 na maior parte das lagoas e continua até hoje, a bioindicação é clara: o sistema entrou em colapso, por que não tem chovido com a mesma intensidade e regularidade. Isso acende o alerta máximo que tem sido desconsiderado pelas prefeituras e grandes empresários. Tudo sugere que a região está secando”, concluiu.

Educação ambiental em figurinhas

Desde o final de 2018, todo o acervo registrado pelas lentes das crianças e adolescentes da região, a partir dos trabalhos de campo de identificação e registro das aves do entorno das lagoas cársticas, se transformou numa outra importante ferramenta de educação ambiental: um álbum de figurinhas. O objetivo é que a publicação seja uma nova forma de incentivo à multiplicação da proposta pedagógica de envolver as escolas com seu ecossistema, fortalecendo noções de pertencimento. “O foco do projeto é o aluno. Acreditamos que é nele que a mudança vai acontecer a partir de uma releitura do ambiente do entorno. É pelo olhar e pela vivência dessa realidade que o indivíduo se transforma”, afirmou Procópio de Castro, conselheiro do CBH Rio das Velhas e um dos organizadores do álbum, ao lado de Derza Nogueira, Gefferson Silva e Thaís Drumond.

O álbum conta com 104 imagens de aves e apresenta os seus nomes científico e popular, em qual lagoa foi encontrada, o nome dos alunos que as fotografaram, a família e ordem da ave, uma breve descrição do pássaro, o seu estado de conservação e um QR Code (Quick Response Code) que direciona para um site, com mais informações.

O coordenador do Subcomitê Carste, Gefferson Silva, enalteceu a importância do processo de construção – ida a campo, observação, procura pelas aves e fotografias – enquanto estratégia de educação ambiental junto aos alunos. “O campo foi de suma importância, pois foi o laboratório, ofereceu os estímulos pedagógicos e educacionais e permitiu a identificação e o pertencimento dos estudantes para com o seu entorno. Em paralelo a tudo isso, a gente trabalhava os outros conteúdos: a questão hídrica da região, o estado da lagoa (se estava seca ou cheia, se estava enchendo ou esvaziando), a poluição e degradação daquele ambiente, os resíduos, os conflitos, a vegetação do entorno e qual a relação desses impactos todos com o dia a dia dos alunos”, disse.

E a ideia de transformar todo esse acervo de quase quatro anos de trabalho em um álbum de figurinhas partiu de Derza Nogueira, mobilizadora social do CBH Rio das Velhas, e sua então estagiária, a bióloga Thais Drumond. “Voltando da última visita de campo com os alunos, pensamos em como dar um retorno sobre esse trabalho de campo e fotos tão lindas. Vamos apenas voltar ao Comitê e arquivar todo esse material? Foi aí que resgatei uma proposta da minha época de escola e pensamos em fazer um álbum. A ideia seria então voltar com isso para a escola e os alunos terem acesso novamente às fotos que tiraram. Apresentamos a ideia ao Subcomitê e todo mundo aprovou”, contou Nogueira.

O álbum também apresenta propostas e sugestões de atividades de educação ambiental para os professores utilizarem em sala. “O projeto não interfere no curso normal da escola. Ele é transdisciplinar, utiliza o banco curricular comum e as matérias que estão sendo estudadas, buscando uma integração a esse conteúdo”, lembrou Procópio de Castro.

O Rede Asas do Carste envolveu ainda um processo intenso de mobilização e parcerias, agregando a participação das prefeituras, por meio de suas secretarias de Educação e Meio Ambiente, empresas, sociedade civil, além das escolas – a partir de seus professores, alunos e familiares.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiz Ribeiro
Fotos: Fernando Piancastelli e Ohana Padilha
Ilustração: André Fidusi