No dia 22 de março é comemorado o Dia Mundial da Água. Em tempos tão difíceis, quanto o que estamos passando, a água se apresenta como um símbolo da vida, o bem mais precioso que devemos preservar.
O ciclo da água é o que permite a existência de vida no planeta, água que alimenta a biodiversidade terrestre e aquática, abastece a população humana, propicia o cultivo da terra, a produção de alimentos, a regulação do clima e a dessedentação dos animais.
Apesar de essencial, a água doce representa apenas 3% da água total disponível no planeta e grande parte da água doce se encontra na forma de gelo. A água doce disponível em nosso país e em nosso estado se encontra em grande parte nos rios que formam as bacias hidrográficas. Assim temos as bacias do Rio São Francisco, do Rio das Velhas, do Rio Grande – e tantas outras que compõem o Estado de Minas Gerais.
Apesar de ser renovável não é inesgotável. Exatamente porque é escassa e extremamente necessária é que tem que haver uma adequada gestão para que tenhamos água em qualidade e quantidade para atender aos múltiplos usos e garantir a sua disponibilidade para esta e as futuras gerações.
A lei federal nº 9433/1997, que define a política da água no Brasil, afirma que a água é um bem de domínio público, um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; que em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; que a bacia hidrográfica é a unidade territorial para planejamento da gestão dos recursos hídricos; e que a gestão dos comitês de bacia devem ser descentralizadas com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades. Para implementar esta política de gestão das águas um dos instrumentos que temos é o Plano Diretor de Recursos Hídricos, que norteia sobre o que pode ou não ser feito dentro da bacia para preservar a qualidade e a quantidade das águas dos nossos rios.
A verdade é que, na maioria das vezes, estes planos não têm sido obedecidos. Assim, áreas de recargas hídricas, como topo de morros, planaltos e planícies, têm sido inadequadamente ocupadas; por outro lado, o desmatamento em áreas rurais assim como a impermeabilização das áreas urbanas tem diminuído a infiltração e a absorção de água pelo solo; causando a destruição de nascentes e córregos; que acrescidos pela canalização de cursos d’água, pela contaminação de rios pelos esgotos não tratados, pelo mar de lama provocado pelos rompimentos de barragens, pela falta de uma política pública comprometida com a preservação dos recursos hídricos, pela ausência de integração entre gestão ambiental (licenciamento) e gestão das águas, e pelo desmonte das leis de proteção ambiental gera a perda de qualidade e quantidade das águas das nossas bacias.
Todo este cenário projeta um futuro sombrio sobre as nossas águas e nossos rios. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), dois terços da população mundial atualmente vivem em áreas de escassez de água ao menos durante um mês por ano e cerca de 500 milhões de pessoas vivem em áreas nas quais o consumo de água excede em duas vezes os recursos hídricos renováveis localmente.
E não precisamos ir longe. Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, vive atualmente uma insegurança hídrica. Hoje, em parte do ano, retiramos do Rio das Velhas mais de 70% da vazão do rio, que chega a valores críticos nos meses de julho, agosto e setembro. Além disso, temos três barragens com grandes volumes de rejeitos que não tem certificado de segurança e que, se romperem, comprometerão o futuro do Rio das Velhas e o abastecimento de água de toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Lembrando que, do outro lado, o Rio Paraopeba se encontra contaminado pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho.
Ainda assim, a mineração tenta avançar para regiões de aquíferos, como as Serras do Curral, do Rola-Moça, do Gandarela, da Piedade, e outros. O quadrilátero no entorno da capital é na verdade um quadrilátero aquífero, portanto tem que ser preservado para o bem de todos. O fato de ter pouca disponibilidade hídrica aumenta a pressão e os conflitos pela água. E uma das consequências nefastas é a intensificação do processo de mercantilização e privatização das águas e que passaram a ser tratadas como “recursos hídricos”, nos quais os grandes utilizam de processos para se apropriarem dos recursos como a captação de água subterrânea, que, sem controle, diminui mais ainda a disponibilidade da água superficial.
A discussão por vezes se restringe a “disponibilidade hídrica”, sem contextualizar uma visão sistêmica de rio, como um ambiente que tenha vida, com existência de peixes e de outros organismos aquáticos como sendo bioindicadores de qualidade das suas águas.
Empreendimentos com alta demanda de consumo hídrico têm sido instalados em áreas de stress hídrico o que coloca em xeque o abastecimento humano de diferentes populações. Falar da saúde do Rio das Velhas é falar, dos seus vários territórios, dos seus afluentes, das suas nascentes. É também falar das inúmeras pessoas que estão à frente dos cuidados que esta bacia precisa. São as pessoas, no seu território e na sua bacia, devidamente empoderadas e imbuídas do sentimento de pertencimento ao rio é que cuidam dele, lutam por ele e sabem da sua história e do seu valor.
Em um contexto macro de perdas, limitações, sacrifícios e resiliência, o Rio das Velhas continua sendo o elo de esperança que mobiliza todos esses atores em busca de saúde, equilíbrio, biodiversidade e qualidade de vida.
A Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas possui 23 Unidades Territoriais Estratégicas (UTEs), que são grupos de bacias ou Sub-bacias hidrográficas contíguas, cada uma com suas características próprias no que se refere à história de ocupação, ao grau de degradação, de paisagens e belezas cênicas. Estes territórios através dos subcomitês articulam diferentes atores da sociedade que direcionam a elaboração e implantação de programas e estudos regionais, a aplicação descentralizada do recurso da Cobrança pelo Uso da Água, a aplicação do Plano Diretor e lutam pela preservação e revitalização do seu rio. A proposta permitiu a descentralização e a ampla participação social ao longo da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas.
Com o intuito de dar visibilidade a estes múltiplos territórios – e atores que lá se encontram – que o CBH Rio das Velhas está lançando este ano a campanha O rio que eu cuido. São 23 Unidades Territoriais de Gestão, são ao menos 23 razões para acreditar que a revitalização da bacia é possível!
Vivemos um momento de quebra de paradigmas em vários aspectos da nossa vida cotidiana e com o CBH Rio das Velhas não poderia ser diferente. Verdadeiramente, essa é uma grande oportunidade de posicionamento e reverberação da mensagem proposta pelo CBH Rio das Velhas: uma mensagem pela vida do rio, pela vida das pessoas em sua bacia, contra a morte que nos cerca.
Convidamos à sociedade para refletir sobre este tema, se posicionar, defender e cobrar de governos e empresas o compromisso inadiável de defender o ambiente e a vida, de não serem negacionistas diante da realidade de que é a sociedade humana que provoca as perdas ambientais e que estas geram escassez de recursos naturais, miséria, doenças, comprometendo o nosso futuro e das gerações vindouras.
Acesse a carta