Quem passa pelo trânsito nervoso no quilômetro 13,5 da MG-20, no bairro Novo Aarão Reis em Belo Horizonte, não imagina que naquele ponto há uma história mais antiga que a capital. Na rodovia que liga BH a Santa Luzia, apenas uma placa indica a existência da comunidade quilombola Mangueiras.
O quilombo foi reconhecido no ano de 2018 como patrimônio cultural do município pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte. Mas a construção dessa identidade se deu ao longo dos 100 anos de história da comunidade com sua origem ligada à criação dos municípios de Sabará, Santa Luzia e da região de Venda Nova.
A história do quilombo remonta às últimas décadas do século 19, com a ocupação das terras pela matriarca, Maria Bárbara de Azevedo, nascida em Santa Luzia, em 1863, filha do casal Cassiano José de Azevedo e Vicência Vieira de Lima. Maria Bárbara casou-se com José Maria do Espírito Santo, com quem teve três filhos: Cassiano, Miguel e José Maria. Ela trabalhava artesanalmente na fabricação de panelas de barro e na produção de doces e tem o nome citado, de forma recorrente, pelos integrantes da comunidade, como referência histórica pela criação do quilombo.
Veja as fotos do Quilombo Mangueiras:
Em Mangueiras, a memória dos antepassados dos atuais moradores está intimamente ligada ao uso e da ocupação do território e do seu entorno. No entanto, nos últimos anos, a comunidade vem sofrendo pressão pelo crescimento da cidade e por obras de urbanização. O espaço, que até há pouco tempo era desvalorizado, tornou-se alvo de especulação após a implantação de empreendimentos imobiliários.
Atualmente vivem no Quilombo Mangueira 32 famílias em uma área de 19,9 hectares que resistem há mais de um século às diversas tentativas de tomada do território, de invasões e descaso do poder público e de parte da sociedade. Algumas sobrevivem da agricultura de subsistência.
“A maior parte do nosso quilombo trabalha com a horta urbana e vendemos os produtos aqui mesmo. Plantamos desde cana para fazer o caldo de cana, couve, salsinha, cebolinha entre outras ervas”, cometa Ione Maria de Oliveira, moradora do Quilombo Mangueiras e presidente da Associação Quilombola de Mangueiras por dois mandatos.
Já são seis gerações mantendo as tradições culturais. “Aqui convivemos todos em harmonia”, reforça Ione. As manifestações mais fortes são as religiosas, com destaque para terreiro de candomblé e umbanda.
Entre matas e riachos
O território do quilombo fica em área de preservação ambiental, com nascentes, vegetação nativa, fauna e flora. Apesar de ser considerada uma comunidade urbana, os moradores mantêm características rurais, como práticas agrícolas (especialmente hortaliças), criação de animais, uso do fogão a lenha e plantas medicinais.
Além da devastação ambiental que prejudica as atividades rurais e religiosas, a comunidade também tem sua saúde prejudicada com a poluição das águas do córrego Lajinha. Ligações clandestinas de esgoto e interferências na rede regular por parte dos moradores da ocupação, conhecida como Novo Lajedo, prejudicam a qualidade das águas. Antes puras e cristalinas e utilizadas para consumo e banho, atualmente estão sujas e impróprias para uso. Moradores da comunidade contam que foi encontrado no córrego até mesmo um sofá.
A nascente urbana do Quilombo Mangueiras foi revitalizada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), em parceria com o Subcomitê da Bacia Hidrográfica do Ribeirão Onça, no ano de 2017. A ação foi parte do projeto de “Valorização de Nascentes Urbanas na Bacia Hidrográfica do Ribeirão Onça”.
O CBH Rio das Velhas realizou na nascente do Mangueiras serviços de limpeza e retirada de entulho e lixo; plantio de espécies nativas, hortaliças e tubérculos; cercamento e identificação da área da nascente. Também foram feitos trabalhos de mobilização e sensibilização junto à comunidade.
Ione Maria de Oliveira reforçou a importância da revitalização da nascente. “Para a nossa matriz africana a água é o elemento mais importante. Nos preocupamos com os cuidados com a água e estamos lutando pela despoluição das águas em torno do quilombo”.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Fotos: Michelle Parron e Ohana Padilha