Revista Velhas Nº11: Em terra que se planta e cuida, água boa vai brotar!

24/07/2020 - 16:50

Proprietários rurais são pagos para proteger áreas de matas em suas fazendas


Quando quem lida com a terra vira braço direito na proteção das florestas e áreas de recarga hídrica, o meio ambiente começa a dar respostas a essas mudanças. Quem vive do campo, e no campo, vai assistindo a água ressurgindo nas superfícies, encharcando solos, refazendo córregos, encorpando rios e devolvendo potência às bacias hidrográficas.

Como instrumento para reconhecer àqueles que estão fazendo um papel essencial com ações de preservação ambiental em suas propriedades, tem-se o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Um mecanismo financeiro que paga o proprietário rural pela sua prestação de serviços ambientais à sociedade. Quando a finalidade da proteção é um maior volume de água na nascente, o PSA reconhece o proprietário pela proteção, restauração de ecossistemas naturais e conservação do solo em áreas estratégicas para produção de água dentro das propriedades rurais.

Ele é considerado um “produtor de água”.

Como se produz água A mata funciona como uma “esponja”. Quando um proprietário rural faz o reflorestamento de áreas estratégicas de recarga hídrica, a terra volta a absorver a água, promovendo a recarga do lençol freático e o reaparecimento de nascentes. Dizemos então que ele produziu água. Agora, quando a propriedade está com o solo todo desmatado, a tendência, quando chove, é a formação de enxurradas, provocando enchentes e erosões na propriedade. A água não infiltra no lençol freático, provoca o desabastecimento hídrico, impactando nas bacias hidrográficas da região.

Extrema (MG): 2 milhões de árvores em 15 anos

Alguns municípios do Brasil já deram seus passos ao pagar o produtor de água. O caso mais emblemático é o de Extrema, no sul de Minas Gerais, município que foi pioneiro no PSA ao iniciar o projeto “Conservador das Águas”. A iniciativa aumenta a cobertura vegetal das propriedades rurais, influenciando, diretamente, os mananciais da região.

O Conservador das Águas, com 15 anos, tem vários prêmios no Brasil e no mundo. A fama foi tão longe que chegou até Dubai,nos Emirados Árabes Unidos, ao conquistar o Prêmio Internacional para Boas Práticas, oferecido pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat).

A iniciativa está em mais de 7 mil hectares nas bacias dos Rios das Posses, Saltos e Forjos. Projeto em Extrema já viabilizou o plantio de 2 milhões de árvores e a proteção de mais de 500 nascentes.

A iniciativa está em mais de 7 mil hectares nas bacias dos rios das Posses, Saltos e Forjos, sendo responsável, ao longo desses anos, pelo plantio de 2 milhões de árvores e a proteção de mais de 500 nascentes. Um trabalho que só acontece graças à atuação da Prefeitura Municipal de Extrema, que é quem paga o recurso aos produtores, em parceria com o governo de Minas Gerais, Instituto Estadual de Florestas (IEF), Agência Nacional de Águas (ANA), as organizações não governamentais The Nature Conservancy (TNC) e SOS Mata Atlântica e os Comitês de Bacias de Rio Piracicaba, Capivari e Jundiaí.

“A importância do Projeto Conservador das Águas para Extrema foi enorme. Colocou o município em evidência e atraiu muitos parceiros e investimentos. Tivemos muitas dificuldades no início em razão da pouca credibilidade  junto aos agricultores,  técnicos e políticos. Mas, com muito trabalho, hoje os resultados se mostraram e colhemos os frutos”, explica Paulo Henrique Pereira, secretário de Meio Ambiente de Extrema.

15 anos de Conservador das Águas em Extrema: • 2 milhões de árvores plantadas • 500 nascentes protegidas • Presença em mais de 7 mil hectares nas bacias de Posses, Saltos e Forjos.

Mas sensibilizar o proprietário rural não é tarefa fácil. Coordenador do Subcomitê Nascentes e membro dos Subcomitês Rio Itabirito e Águas da Moeda, vinculados ao CBH Rio das Velhas, Ricardo Galeno é engenheiro florestal e consultor da The Nature Conservancy (TNC) – uma das maiores organizações do mundo em restauração ambiental e parceira do projeto de Extrema. Ele explica que, para conquistar a adesão a iniciativas como do Conservador de Água, é preciso um esforço maior para engajar o proprietário a reservar parte da sua área para preservação, quando ele ainda não é afetado diretamente pela falta de água.

É o proprietário que vai sofrer restrição de uso e ocupação em sua propriedade rural ou, na pior das hipóteses, vai ter que mudar a forma de uso da propriedade. Isso não é fácil. Sair da sua zona de conforto para qualquer mudança, mesmo ela sendo benéfica, exige um esforço.” Ricardo Galeno Engenheiro florestal e Coordenador do Subcomitê Nascentes

Nesse sentido, Galeno explica que um dos desafios da atuação do pagamento por serviço ambiental é, justamente, ter a parceria do proprietário rural, peça mais importante de qualquer projeto de PSA. Afinal, é na propriedade rural dele que vão ser implementadas as ações de recuperação e restauração das sub-bacias.

Quanto recebe um produtor de água? O valor a ser pago para cada proprietário rural vai depender de cada projeto de PSA. Em Extrema, que tem uma lei municipal aprovada que define o valor de referência a ser pago, o proprietário recebe o equivalente a R$ 262,00 por hectare/ano. O valor faz parte do orçamento da prefeitura, mas a lei autoriza que o município firme convênios com entidades governamentais e da sociedade civil, possibilitanto tanto apoio técnico, como financeiro ao projeto.

Produção de água no Rio das Velhas

O PSA é uma realidade que começou a fazer parte das ações e discussões do CBH Rio das Velhas. No Subcomitê Rio Itabirito, por exemplo, o projeto Produtor de Águas do Ribeirão Carioca realizou, ao longo de 2019, um diagnóstico nas propriedades rurais para saber quais poderiam receber pelo serviço ambiental. Com reuniões, visitas, pesquisa e cadastro das propriedades localizadas na região da sub-bacia do Ribeirão Carioca, ao todo foram 183 que participaram do levantamento em uma área de 2.800 hectares, mais da metade da área da sub-bacia que tem cerca de 5 mil hectares.

PSA na bacia foi elaborado em área estratégica para o abastecimento público de água: o Alto Rio das Velhas

O projeto foi uma demanda do Subcomitê Rio Itabirito, aprovado pelo CBH Rio das Velhas e executado com o apoio da Agência Peixe Vivo. Além do diagnóstico, foram realizadas capacitações com os proprietários rurais sobre agroecologia, manejo conservacionista e recuperação de áreas degradadas. “Todos esses elementos foram, na verdade, muito inovadores na gestão da bacia do Velhas. Porque é um projeto piloto, realizado em uma área estratégica da bacia que é o Alto Velhas, uma produtora de água reconhecidamente. A tendência é ele se espalhar por todas as sub-bacias, desenvolvendo projetos que façam com que o manejo conservacionista do solo, da vegetação, da água, tenha realmente um valor agregado para aqueles que fazem isso no chão, na prática, que são os proprietários rurais”, explica Thiago Metzker, um dos coordenadores do projeto de pagamento de serviços ambientais, executado pela empresa Myr.

Mas essa é uma parte do trabalho. Para o PSA ter continuidade na sub-bacia ou em qualquer munícipio,  é importante que ele esteja assegurado com uma lei municipal, por exemplo. Dessa forma, a iniciativa poderá contar com assessoria técnica, monitoramento, fiscalização e o pagamento através de recursos do próprio município ou de outras fontes, garantindo estabilidade para a ação.

Encontro do Rio Itabirito com o Rio das Velhas: região recebeu a primeira iniciativa de PSA pelo Comitê. Ricardo Galeno é conselheiro do CBH Rio das Velhas, coordenador do Subcomitê Nascentes e atuou no programa implantado em Extrema.

No município de Itabirito, existe um decreto referente ao Programa de Águas Integradas (PAI). A proposta da gestão municipal é adaptar o documento e transformá-lo na lei do PSA. A lei deverá ser apresentada pela Prefeitura ao Legislativo municipal ainda este ano.


Assista ao vídeo sobre o projeto:


Já no Subcomitê Nascentes a discussão foi levada até o Executivo de Ouro Preto pelos próprios conselheiros, que definiram apontamentos e solicitaram que a prefeitura encaminhasse à Casa Legislativa a minuta do projeto de lei que cria o Pagamento por Serviços Ambientais na cidade. O Subcomitê vai acompanhar, de perto, o andamento da implantação do PSA no município.

 

Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA) Para reconhecer aqueles que mantém preservada parte de suas propriedades, a chamada reserva legal, obrigação prevista em lei cujo tamanho da área varia de acordo com o bioma, está tramitando no Senado o Projeto de Lei nº 3791, de 2019, que Institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA) sendo considerado um avanço para o desenvolvimento sustentável do país ao estabelecer o diálogo no campo entre o proprietário de terra e o meio ambiente. Com a aprovação no Senado, conforme informa o deputado federal José Silva Soares, a política vai beneficiar todos os produtores rurais do Brasil. Ex-secretário da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais, agrônomo e extensionista da Emater/MG durante 30 anos, onde também ocupou o cargo de presidente, Zé Silva explica que entidades nacionais ou internacionais, governamentais e não governamentais, mas especialmente os governos federais, estaduais e municipais, poderão pagar os produtores rurais. “Todo mundo que preservar o meio ambiente vai poder se beneficiar e receber por esse serviço”, completa.

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Michelle Parron
Fotos: Bianca Aun, Léo Boi e Prefeitura de Extrema