Análise das águas de janeiro revela presença de minerais acima dos limites legais

09/03/2022 - 14:35

As inundações que arrasaram diversas cidades da Região Central de Minas Gerais em janeiro, com destaque para a bacia do Rio das Velhas, trouxeram mais do que destruição e prejuízos. Carreados pelas cheias, elementos como arsênio, ferro, manganês e chumbo foram encontrados em concentração superior aos limites estabelecidos pela legislação que regula a qualidade das águas.


O estudo que constatou a presença nociva desses metais na água ainda está em curso e é conduzido pela Rede de Monitoramento Geoparticipativo, formada por voluntários de comunidades atingidas nas bacias dos rios das Velhas, Doce e Paraopeba, pelo Grupo de Pesquisa em Educação, Mineração e Território (EduMiTe), Laboratório de Educação Ambiental e Pesquisa: Arquitetura, Urbanismo, Engenharias e Processos para Sustentabilidade (LEA: AUEPAS/UFOP), Laboratório de Solos e Meio Ambiente do IGC/UFMG, Núcleo de Análises de Resíduos e pesticidas (NARP/UFMA), Projeto Manuelzão/UFMG e Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM).

O arsênio ultrapassou os valores máximos permitidos pela deliberação normativa COPAM 01/2008 em 14 dos 17 pontos analisados. O maior valor foi encontrado na amostra de água da barragem da Vallourec, localizada na BR-040, em Nova Lima, na bacia do Velhas. A concentração de ferro extrapolou os limites em 10 dos 17 pontos, e o pico marcou as amostras de água do Rio Paraopeba, em São Joaquim de Bicas.

As amostras de água, lama e solo coletadas já chegam a 76, segundo Paulo Rodrigues, doutor em Geologia, Mineralogia e Cristaloquímica pela Johannes Gutenberg Universität, em Mainz, Alemanha, professor e pesquisador titular da Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) e um dos idealizadores da Rede de Monitoramento.


Mapa com os pontos de coleta confirmados, nos dias 16, 17 e 28 de janeiro


A primeira fase da pesquisa se dedicou à análise das águas. Em seguida, virá o exame do solo, parceria com a professora Dulce Pereira, da Universidade Federal de Ouro Preto. Finalmente, a lama coletada entrará no foco dos pesquisadores. Segundo Rodrigues, “os minerais encontrados nas análises da água “podem sugerir vínculo com a mineração, mas não são prova conclusiva. Por isso o centro do estudo será a lama, que tem potencial muito maior de atestar essa ligação, desde que sejam feitas análises específicas, o que demanda mais tempo até termos um DNA bem refinado para comprovar”.

Embora alguns desses elementos, como arsênio e chumbo, estejam na lista das 10 substâncias tóxicas de preocupação da Organização Mundial da Saúde, os efeitos sobre a saúde humana da concentração encontrada no pós-enchentes ainda não podem ser dimensionados, de acordo com o pesquisador do CDTN: “Tudo depende quanto essas substâncias vão persistir na água que a Copasa e outras empresas de saneamento fornecem à população”.

Ele explica: “O tratamento adotado pelas empresas de saneamento é feito de filtragem do material sólido, as argilas, que são uma espécie de esponja e podem absorver metais pesados, e adição de cloro para matar patógenos. O tratamento pode reter esses minerais e limpar a água”.

São muitas variáveis, diz Rodrigues: “A água do rio que vai para a torneira é uma coisa, a que vai irrigar é outra. As consequências dessa contaminação são difíceis de precisar, demandaria uma especiação, estudos mais aprofundados. O manganês, por exemplo, é uma coisa na água e outra no ar. Se aspirado, os problemas podem ser muito mais graves. A lama seca gera poeira, e muita gente reclamou da poeira depois das enchentes. Cada caso é um caso”.

Rompendo o equilíbrio

Marcus Vinícius Polignano, secretário do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) e coordenador do Projeto Manuelzão, da UFMG, que compõe a Rede de Monitoramento, avalia que “é possível que esses elementos sejam oriundos da extração minerária, mas eles também estão distribuídos no solo da região, no background do solo. Com mais estudos, será possível determinar melhor sua origem”.

O fato, para Polignano, é que “ao fazer o processo de extração, a mineração literalmente rompe o equilíbrio geoquímico que existe ali, retira todos os minerais e seleciona o que ela quer. O ferro não vem sozinho, tem cádmio, manganês, mas se eu só quero o minério de ferro, para atingir o teor necessário eu seleciono e descarto o resto, nas barragens e pilhas de rejeito. Isso fica exposto e assim, com os processos da natureza, vai lixiviar. Ao expor a ferida, a mineração permite o carreamento para o curso d’água”.

Ele considera que “com uma medição esporádica, pontual, não dá para afirmar que a proporção de elementos químicos encontrados causaria danos”. Mas alerta: “Se isso for persistente, pode ter efeitos. Metais pesados como chumbo e manganês têm efeitos cumulativos no organismo; absorvidos de forma gradual, interferem em mediadores químicos e podem trazer consequências para o sistema nervoso”.


Confira fotos da lama e dos desdobramentos das enchentes na cidade de Raposos (MG), em fevereiro deste ano: 


Mar de lama

Sobre a lama, que já causava preocupação nas comunidades atingidas desde janeiro, e que Glauco Gonçalves Dias, do Subcomitê Águas do Gandarela e da ONG Casa de Gentil, de Raposos, via como “muito estranha, espessa, viscosa, homogênea, que parece processada”, Poligano cita ainda outras consequências: “de massa mais densa, essa lama, se você se debruçar sobre a composição, vai constatar a presença de produtos químicos danosos à saúde e ao ambiente. Além disso, invade o patrimônio privado e público com densidade capaz de provocar danos e é absolutamente infértil, improdutiva. Numa plantação às margens do rio, o terreno atingido se torna infértil, sem nutrientes, não permite mais a germinação”.

A Prefeitura de Raposos, que pediu investigação policial sobre os efeitos das enchentes e da lama, aguarda o retorno da Polícia Civil. Segundo a assessoria de comunicação municipal, o Delegado Daniel Balthazar, responsável pelo caso, ainda não tem o resultado das análises, mas prometeu contato com a Defesa Civil Municipal tão logo o processo seja concluído.

Para Daniel Neri, professor do IFMG em Ouro Preto e membro da Frente Mineira de Luta das Atingidas e dos Atingidos pela Mineração (Flama), há uma “ginástica contorcionista (por parte das mineradoras) para reaproveitar o rejeito sem novos licenciamentos e dizer que não tem mais barragem, mas dispõe tudo sobre bacias de sedimentação, como aconteceu na Vallourec”.

Ele exemplifica, com números hipotéticos: “imaginemos que a empresa tem um estudo que fala que a maior chuva em um século terá 500 mm durante cinco dias. Aí isso vai pro pedido de licenciamento. Só que o mesmo autor diz que uma chuva de 1.000 mm pode acontecer a cada 500 anos. Como o cara que fez a pilha sabe em qual intervalo estamos? De que adiantou fazer um estudo para a secular? Ou faço uma estrutura que resista a qualquer chuva ou é conversa fiada, um artifício de retórica que põe a culpa na natureza”.

Os trabalhos da Rede de Monitoramento Geoparticipativo vão prosseguir. De acordo com o secretário do CBH Rio das Velhas, “a tentativa é manter o serviço, um arranjo institucional voluntário para este primeiro esforço, de reunir provas e denunciar publicamente o que pode ter sido potencializado no Velhas e no Paraopeba”. Mas lamenta: “o poder público não tem muita disposição para fazer isso e é difícil conseguir patrocínio, porque esses estudos não interessam a grande parte do establishment”.

 

Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcala
Fotos: Robson Oliveira