Carga tóxica cai na sub-bacia do Paraúna e acende alerta sobre necessidade de rede interinstitucional de ação rápida

09/05/2022 - 12:45

Eram 11h da noite de 1º de abril quando um caminhão da empresa Expresso AMEC Transportes tombou às margens da rodovia BR-259, na altura do quilômetro 454, próximo à cidade de Gouveia. Cerca de três quartos da carga de emulsão asfáltica catiônica, ou 18 mil litros, escorreram pelo chamado bueiro de grota, travessia invisível aos olhos dos motoristas, até o Córrego Sepultura, na bacia do Rio Paraúna, um dos mais importantes afluentes do Rio das Velhas.


Josiane Custódio da Silva, coordenadora de Meio Ambiente da Prefeitura de Gouveia, ainda de férias, foi acionada logo no início da manhã seguinte. Foram disparados logo em seguida comunicados pelas redes sociais da administração municipal e pela Kobu FM, emissora local, alertando a população ribeirinha e orientando a suspensão imediata de qualquer captação no Sepultura e a jusante, abrangendo o Córrego do Peixe, o Ribeirão do Chiqueiro e o próprio Paraúna.

Uma força-tarefa entrou em ação, envolvendo as Secretarias de Saúde e Agricultura e Meio Ambiente de Gouveia, a Defesa Civil, a Polícia Rodoviária e o Núcleo de Emergência Ambiental (NEA) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Foram realizados o transbordo da carga que remanesceu no tanque do caminhão, cerca de 6 mil litros, e a limpeza e contenção no leito do córrego, a cargo da empresa Ambipar Response, com sede em São Paulo, especializada em emergências decorrentes de acidentes com produtos químicos e poluentes.

No reino da incerteza

Silva informou que a empresa responsável pelo acidente providenciou a análise da água, cujo laudo atestaria a inexistência de “contaminação grave” e a adequação para consumo, mas a prefeitura não se convenceu: “Ainda não temos certeza. Estamos cobrando mais detalhes da análise”, disse.

Lucas Loureiro, veterinário da Vigilância Sanitária e Ambiental, subordinada à Secretaria Municipal de Saúde, complementa: “Continua proibida a captação nos cursos d’água desde o Sepultura até o Paraúna. O que não deu segurança foram as análises para potabilidade”. No entanto, constata, “tem gente captando para os animais e a agricultura. O consumo humano é coberto por fontes alternativas, minas, nascentes, córregos próximos. É uma região muito irrigada”.

A região afetada abriga uma população aproximada de 600 pessoas, distribuídas pelas comunidades rurais de Camilinho, Raiz, Água Parada e Cafundó/Usina. A atividade dominante é a agricultura familiar. A Expresso AMEC distribuiu cestas básicas e água mineral a esse contingente, além de levar caminhões-pipa para abastecer as caixas d’água, mas já interrompeu o atendimento.

Adriano Gomes, servidor da Emater em Gouveia, explica que “a maioria tem opção de água na altura do Sepultura, mas os ribeirinhos abaixo, nas margens do Paraúna, não têm outra opção”.

Peritos do Ministério Público Estadual e da Polícia Civil, a Fundação Ezequiel Dias (Funed-MG) e a Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais (Fiocruz Minas), vinculada ao Ministério da Saúde, estão às voltas com os exames de água e solo, mas esbarram na indisponibilidade de equipamentos capazes de analisar integralmente os componentes da emulsão asfáltica. A Funed realiza alguns testes, mas não todos, assim como a Fiocruz. A única máquina que poderia fazê-lo, segundo o veterinário Loureiro, é da Fiocruz e está em manutenção. O fato é que, depois de 35 dias, o NEA ainda não tem um veredito sobre os efeitos do acidente e a extensão dos danos.

Gomes critica: “É um processo muito morosos e as comunidades ficam à mercê. Não pode utilizar a água? Então tinha que ter respostas mais rápidas, porque, se não tem outra opção, acabam usando essa água mesmo”.


Contaminação prejudicou captação das águas de córregos da região


Via (e vida) em risco

O técnico em hidrologia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e conselheiro do Subcomitê Rio Paraúna, Franklin de Carvalho, destaca que há 63,6 km de trajeto da BR-259 dentro da sub-bacia do Paraúna, com 31 travessias rodoviárias, entre pontes, bueiros de grota e demais tipos.

“Tem muito tráfego de cargas perigosas para Turmalina, Itamarandiba, Capelinha e outras cidades do Vale do Jequitinhonha, produtos tóxicos para tratar o eucalipto, como ácido bórico, óxido de cobre, trióxido de cromo e arsênio”, explica. Ele prossegue: “Além do transporte autorizado de combustíveis para abastecer a mineração de quartzito, com foco em Gouveia, há o não regularizado, sem sinalização alguma de carga perigosa”.

“A legislação prevê uma série de medidas em acidentes assim”, admite, mas pondera: “O conhecimento da bacia é fundamental, cadastrar as pessoas que vivem lá, para comunicação urgente, dimensionar os danos e possíveis atingidos. Hoje não temos condição de dar respostas imediatas. Nessas situações, quatro ou cinco horas podem ser fatais. É preciso discutir melhor o assunto para verificar o limite das responsabilidades de cada órgão e sua complementaridade. O NEA recebe a demanda, mas não informa, por exemplo, se pode ou não captar a água, e até onde a jusante, por exemplo. O acidente não estava registrado até o dia 28 de abril”, mesma data da última plenária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio da Velhas), quando o caso foi apresentado pelos conselheiros Carvalho e Carlos Henrique Melo, representante da Associação dos Moradores de Extrema.

De acordo com Melo, as prefeituras da região pediram apoio ao Subcomitê. O assunto estará em pauta na próxima plenária do CBH.


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcala
Fotos: Adriano Gomes