Cobrança pelo uso da água: a parte que faz falta

16/07/2024 - 17:00

A Cobrança pelo Uso da Água é um importante instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos, que dá ao usuário a percepção do real valor dos recursos hídricos e o incentiva ao uso racional da água, bem cada vez mais escasso. Os valores arrecadados pela Cobrança são direcionados aos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) para que possam redirecioná-los para ações de recuperação, preservação, educação ambiental, entre outras.


No entanto, nem todos os usuários têm sido aderentes ao pagamento. Segundo dados fornecidos pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), órgão responsável por conceder outorgas e proceder à Cobrança, em 2023, 28% dos valores devidos não foram pagos, o que corresponde a quase metade de todo o valor destinado à implantação de projetos de recuperação hidroambiental, de recomposição florestal e de contenção de processos erosivos previstos no Plano Plurianual de Ações (PPA) do quadriênio 2021-2023.

A inadimplência no pagamento é a parte que faz falta e pode fazer a diferença para o todo.

Os números da inadimplência

Em 2023, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas deixou de receber quase R$ 3,5 milhões dos valores devidos ao pagamento pelo uso da água. Para se ter uma ideia do valor, em 2019, o Comitê executou um projeto hidroambiental na Unidade Territorial Estratégica (UTE) Rio Curimataí que construiu quase mil barraginhas, mais de 8 mil metros de terraços, mais de 16 mil metros de cercas, plantou mais de 7 mil mudas nativas da região, além de realizar 6 atividades de mobilização e educação ambiental, investindo ao todo cerca de R$ 1,7 milhões. Somente a parte que o CBH Rio das Velhas não recebeu daria para fazer dois outros projetos de mesma dimensão. Todo projeto hidroambiental tem o potencial de beneficiar o usuário, uma vez que água em quantidade e qualidade é essencial para qualquer atividade econômica.

O cenário da inadimplência na Bacia do Rio das Velhas é um alerta. Em termos de valores, para o ano analisado, os usuários mais inadimplentes são aqueles que utilizam a água para fins de saneamento, respondendo por 39% dos valores não quitados na bacia, seguido por outras finalidades (24%), indústria (23%), mineração e rural (ambos com 7%). “Esta categoria [outras finalidades] pode incluir consumo humano, aspersão de vias, lavagem de veículos, entre outras atividades”, explica Thiago Santana, Diretor de Gestão e Apoio ao Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos (DGAS) do IGAM.

Essa constatação impõe uma dificuldade, segundo Thiago. “A inadimplência pela Cobrança pelo uso da água é um grande gargalo. Há situações delicadas. Quando é um abastecimento público, como cancelar a outorga?”

Numa outra leitura dos dados, 66% das intervenções outorgadas não cumpriram com o pagamento em 2023. Nesse cenário, as finalidades de uso da água não especificadas correspondem a 51% dos inadimplentes, seguido por rurais (20%), indústria (15%), saneamento (13%) e mineração (1%). Para Thiago, o dado reflete uma deficiência na percepção do retorno do pagamento que os usuários efetuam. “Os recursos são, em boa parte, aplicados no meio rural, porque é onde há a produção de água. Contudo, nós falhamos em levar essa informação para o meio rural. A inadimplência é um reflexo disso, dessa falha de levar informação ao produtor rural, que é o maior inadimplente em termos de volume de intervenções outorgadas. Nós temos de fazer chegar essa informação de que o recurso retorna para ele num contexto de uma segurança hídrica, da produção de água e da melhora da oferta da água daquele território”, pondera.



A inadimplência nas regiões fisiográficas

Na Bacia do Rio das Velhas, em 2023, o valor total emitido em Documentos de Arrecadação Estadual (DAEs) para a Cobrança pelo uso da água foi de pouco mais de R$ 12 milhões. A partir dos dados fornecidos pelo site do IGAM é possível verificar que apenas a região do Alto Rio das Velhas é responsável por 54% desse valor. A boa notícia é que 95% do valor devido pelos usuários desta região fisiográfica foi devidamente quitado.

Do outro lado da moeda, a região do Médio-Alto é a segunda com maior valor outorgado, perfazendo 22% dos valores da bacia. No entanto, apenas 34% dos valores cobrados foram pagos nesse território. As regiões do Médio-Baixo e Baixo respondem por 12% cada, tendo 64% e 47% de adimplência, respectivamente. Em valores, apenas a região do Médio-Baixo Rio das Velhas deixou de pagar cerca de R$ 1,7 milhões segundo os dados extraídos do IGAM – ou seja, metade do que ficou em aberto em 2023.



13 anos de Cobrança na Bacia do Rio das Velhas

Instituída em 2011 na Bacia do Rio das Velhas, a Cobrança pelo uso da água nem sempre enfrentou altos índices de inadimplência. Até 2018, segundo o IGAM, a taxa de não pagamento permaneceu estável sempre abaixo de 1%. Desde então, a cada ano, a proporção de inadimplentes vem aumentando – acompanhando, inclusive, uma tendência observada nas demais bacias em que o instrumento também foi instituído em Minas Gerais. Essa tendência preocupa, uma vez que os recursos são utilizados na preservação e recuperação do Rio das Velhas e seus afluentes.



Nesses 13 anos de Cobrança, o CBH Rio das Velhas utilizou o dinheiro arrecadado para contribuir com a preservação do lençol freático, fonte de toda água da bacia, através da construção de 5.160 barraginhas (bacias de contenção da água da chuva), além de plantar 110 mil mudas nativas em 263 hectares de área, aumentando a penetração da água da chuva no solo. Tudo isso acompanhado de proteção de nascentes e Áreas de Proteção Permanente (APPs) com quase 1 mil km de cercas, impedindo o gado de compactar a terra próximo aos olhos d’água.

Outra preocupação diz respeito às áreas degradadas. Nesses locais, voçorocas, erosões e solos impermeáveis alteram a paisagem e aumentam as possibilidades de enchentes e inundações provocadas pela cheia e assoreamento do Rio das Velhas e seus afluentes. Algumas regiões da Bacia do Rio das Velhas receberam 2.126 bigodes e 805 lombadas para controle de águas pluviais e mais de 800 metros de mecanismos para a contenção de voçorocas. Áreas degradadas e secas são também locais propícios para grandes incêndios. Para isso, os recursos da cobrança pagaram a construção de 124 mil m² de aceiros de proteção contra o fogo.

Próximo a cidades grandes, como as da RMBH, os impactos ambientais provocados pela falta de saneamento básico e urbanização em encostas e nascentes são enormes. O Comitê atuou como parceiro do Poder público na elaboração de 28 Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB), de um total de 51 municípios da bacia, bem como auxiliou no cadastro de mais de 600 nascentes urbanas na Bacia do Ribeirão Onça, em Belo Horizonte e na revitalização de mais de duas dezenas de nascentes urbanas nas Bacias dos Ribeirões Arrudas e Onça, em Belo Horizonte, Contagem e Sabará.

O todo sem a parte não é todo, já dizia Gregório de Matos. E, em se tratando de proteção ao meio ambiente, a sua parte faz falta e pode fazer a diferença.


Saiba mais sobre a Cobrança pelo Uso da Água na Bacia:


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Leonardo Ramos