Cobrança pelo Uso da Água: um instrumento da Democracia

12/04/2024 - 8:30

Instituída pela Lei nº 9.433/97, a Cobrança pelo Uso da Água visa “reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor” e constitui um dos seis instrumentos elencados pela mesma lei para fundamentar a Política Nacional de Recursos Hídricos. Bem de domínio público, a água, no entanto, tornou-se escassa e, por isso, é necessário que seu uso seja regulado para que se garanta seu uso múltiplo.


É por isso que a campanha 2024 do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) escolheu como tema ‘Cobrança pelo uso da água: sua parte faz falta e pode fazer a diferença’: para informar sobre o instrumento e dar publicidade ao uso dos recursos financeiros provenientes da cobrança.

Como funciona?

Tanto a sociedade civil como empresas dos setores público e privado necessitam de água para suas atividades. No entanto, a Lei 9.433 deixa claro que “em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais”. Isto é: em última instância, a água tem a utilidade maior de manter a vida humana e animal.

Nesse sentido, as empresas públicas e privadas que necessitem usar a água dos rios para suas atividades – denominadas como usuários – precisam de autorização expressa do Órgão Gestor das águas – em Minas Gerais, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) – para captá-la diretamente do curso d’água ou dos poços subterrâneos. Essa autorização se chama outorga, e se destina a controlar essa captação a fim de que o uso prioritário da água, definido por lei, seja assegurado.

Dentre os que usam a água, há aqueles cujo volume captado é considerado tão pequeno que não gera grandes impactos na disponibilidade hídrica – são os chamados “usos insignificantes”. Em outros casos, como a irrigação de grandes áreas destinadas à agricultura, ou atividades como a minerária ou a hidrelétrica, o volume de água necessário é tão grande que pode até mesmo secar mananciais caso não seja usado racionalmente. Para isso, o volume outorgado pelo IGAM é acompanhado pela Cobrança pelo Uso da Água. Tendo em vista o impacto causado pela atividade em questão, a cobrança procura induzir os usuários ao uso racional do recurso hídrico, ao mesmo tempo que permite que os recursos financeiros recolhidos possam ser usados em ações que garantam a disponibilidade da água em quantidade e qualidade para todos, incluindo os usuários.

Alguns usuários com representação no CBH Rio das Velhas são a CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais), a FAEMG (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais), a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) e a Vale.


A irrigação e a captação são exemplos de uso da água na bacia


Como os recursos são investidos?

Embora o IGAM seja o órgão responsável por definir quais usos serão cobrados, bem como pelo recolhimento dos valores devidos, não é ele quem define onde, como e quando esses valores serão investidos. Quem faz isso são os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs). E aí é que fica mais interessante: um CBH, como o do Rio das Velhas, possui ampla participação de todos os setores da sociedade que fazem parte do território definido pela bacia hidrográfica: sociedade civil, poder público e usuários de água elegem seus representantes, de forma paritária, para poderem discutir os melhores usos desses recursos, de acordo com as necessidades que cada setor possui. Dessa forma, fica assegurado que os valores provenientes da Cobrança pelo Uso da Água sejam reinvestidos em ações em prol das águas da Bacia – tudo de maneira transparente, participativa e democrática.

Para efeitos jurídicos da administração de recursos públicos e de prestações de contas, quem recebe os valores arrecadados pelo IGAM são as Agências de Bacias Hidrográficas – no caso do CBH Rio das Velhas, a Agência Peixe Vivo. Porém, quem define como, onde e quando esses recursos serão investidos é o Comitê.

Entre 2011 e 2023, o CBH Rio das Velhas, entre outras coisas:

  • construiu mais de 7 mil estruturas como barraginhas e bigodes, responsáveis por auxiliar na infiltração da água das chuvas e na recarga dos lençóis freáticos;
  • ergueu quase 90 quilômetros de terraços em gradientes, que possibilitam a redução da erosão do solo, a conservação da umidade do solo, o aumento da produtividade agrícola e a proteção contra deslizamentos de terra em áreas montanhosas;
  • cobriu 263 hectares com plantio de mudas nativas dos biomas Cerrado e Mata Atlântica em Áreas de Proteção Permanente (APPs), totalizando quase 110 mil mudas;
  • fez quase 1 mil quilômetros de cercas em APPs e Áreas Reflorestadas;
  • revitalizou 19 nascentes urbanas e cadastrou 241 pessoas como Cuidadoras de Nascentes;
  • mapeou 2.665 nascentes no território da Bacia;
  • reuniu mais de 15 mil pessoas em 355 eventos de Mobilização Social e Educação Ambiental.

Construção de barraginhas, plantio de mudas e recuperação de nascentes urbanas estão entre os investimentos, do CBH Rio das Velhas, com recursos advindos da cobrança pelo uso da água na bacia


Quem é beneficiado?

Dado que a Lei nº 9.433 define que o uso prioritário da água é para consumo humano e animal, alguém poderia concluir que, uma vez que empresas não são em si seres humanos, embora sejam atividades humanas, a cobrança seria, para ela, apenas mais um custo no seu balanço financeiro. Sendo assim, por que elas deveriam assumir mais esse ônus, já que os beneficiários seriam os membros da sociedade civil? Michael Jacks de Assunção, da Gerência de Apoio às Agências de Bacias Hidrográficas e Entidades Equiparadas do IGAM, responde: “Porque a água é um dos insumos que o usuário utiliza para atingir o seu objetivo, seja na irrigação, seja na lavagem de minério, seja para fazer o abastecimento público. Se a gente não conservar os nossos corpos hídricos – pensemos no longo prazo –, daqui alguns anos poderemos não ter mais à disposição água em qualidade e quantidade que venha a atender os objetivos sociais. Assim, o usuário deve contribuir com recursos para que possamos garantir a manutenção desses recursos hídricos, não só para a sociedade de modo geral, não só para atender a pauta ambiental, mas, principalmente, do ponto de vista do usuário, para garantir para que ele tenha, no longo prazo, aquele insumo necessário para sua linha de produção”.

Em outras palavras: caso não haja água em quantidade e qualidade disponível para ser captada, as atividades empresariais em geral seriam severamente impactadas, quando não totalmente inviabilizadas.

Mas a cobrança não tem apenas a função de angariar recursos para a preservação dos cursos d’água e mananciais: ela tem também um efeito “pedagógico”, ou seja, de educação do usuário para o uso racional. Em certas atividades não há a necessidade de usar água potável. O usuário, nesse caso, pode contribuir com a preservação ambiental fazendo o reúso da água já captada, por exemplo – diminuindo também seus custos com a cobrança, permitindo, dessa forma, um uso mais racional para um recurso tão valioso.

Mais do que um “custo” para o usuário, a cobrança proporciona segurança hídrica para todos e a oportunidade de exercitar o cuidado e o pertencimento com o Rio das Velhas e seus afluentes e mananciais, fontes de algo essencial para a vida no planeta: água.


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Leonardo Ramos
*Fotos: Alexandre Gabriel; Bianca Aun; Fernando Piancastelli; Ohana Padilha