Comitê lamenta mortes em enchente na Av. Vilarinho e cobra mudanças

22/11/2018 - 14:19

Mais de 40% da chuva esperada para o mês de novembro concentrada em poucas horas de um único dia, um sistema de drenagem completamente saturado, rios retificados e canalizados e uma massa urbana assentada sobre um território quase que todo impermeabilizado. Essas são as principais causas dos alagamentos que tomaram a Avenida Vilarinho, em Belo Horizonte, na última semana.

Desta vez, porém, os transtornos não se restringiram aos prejuízos materiais com os temporais que elevaram subitamente o nível da água em vários pontos da cidade. As enchentes causaram a morte de pelo menos quatro pessoas na capital, no dia 15 de novembro, e trouxeram de volta à tona um quadro que assombra a população toda vez que chove forte, especialmente na região de Venda Nova.

Lá morreram Cristina Pereira Matos, de 40 anos, e a filha dela, Sofia Pereira, de 6, abraçadas dentro do carro em que estavam. A estudante Anna Luísa Fernandes de Paiva, de 16 anos, morreu perto dali, ao ser sugada por um bueiro que teve a tampa arrancada pela força da água, na Rua Doutor Álvaro Camargos. Ela afundou ao deixar o carro em que estava com o namorado, que ficou com a roda presa na entrada da galeria. O corpo da adolescente foi encontrado no dia 16 de novembro, no Córrego Vilarinho, a cerca de quatro quilômetros de distância de onde a jovem desapareceu. A quarta vítima morreu na ocupação Vitória, na Região Norte. Segundo testemunhas, trata-se de um morador que se afogou ao tentar cruzar alcoolizado uma área alagada. A quinta vítima, Jonnattan Reis Miranda, de 28 anos, teve o corpo encontrado ontem (21). Ele havia se jogado na correnteza na Avenida Vilarinho, na noite de quinta-feira.

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhs), Marcus Vinícius Polignano, lamentou as mortes ocasionadas pela inundação da semana passada e alertou sobre o modelo de cidade que construímos. “É lamentável ver pessoas morrendo pelo modelo de cidade que criamos, desconhecendo a força e os cursos das águas. O modelo de ocupação humana transformou a história dos nossos rios”, disse.

Polignano acrescentou que existe um paradigma de dominação da natureza que moldou os processos de canalização, retificação de cursos d’água, fomentou a construção de cidades com rios invisíveis e, em grande parte, é responsável pelos alagamentos que vivemos em períodos de chuvas. “Isso tudo está sendo trocado por um modelo de compreensão e respeito à natureza das águas, uma vez que temos de respeitar a sua força e não encaixotar córregos e rios. Essa lógica tem prevalecido na União Europeia e na Coreia do Sul. Enquanto isso, aqui continuamos insistindo nas canalizações. Tudo isso tem gerado verdadeiras armadilhas urbanas dentro da cidade”, completou.


À esquerda, enchente na Avenida Vilarinho, no dia 15 de novembro (Crédito: Lucas Franco/TV Globo). À direita, grade de proteção da linha férrea da Estação Vilarinho foi arrancada pela força da água. (Crédito: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)


O engenheiro de produção civil, especialista em hidráulica, saneamento e recursos hídricos, e professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), Daniel Miranda, explicou que um dos principais motivos para as recorrentes inundações em Belo Horizonte é o fato da cidade ser muito impermeabilizada. “O problema é muito complexo e nasceu junto com BH, na concepção de canalização e impermeabilização. Belo Horizonte tem um relevo acidentado e é cortada por muitos cursos d’água. Como em todo centro urbano, o asfalto reduz a absorção das chuvas e, com isso, parte dessa água que infiltraria no solo passa a ser drenada pelas vias ou canais e córregos. Além do mais, por ela ser drenada superficialmente em áreas impermeabilizadas e trechos canalizados, isso faz com que a velocidade de trânsito dessa água seja maior já que são materiais lisos, o que resulta em uma grande vazão. Tudo isso acaba deixando a capacidade das galerias e estruturas de drenagem obsoletas com o passar do tempo. O relevo da cidade proporciona uma grande velocidade da água em direção à macrodrenagem, isto é, aos córregos e rios”, explicou.

A microdrenagem é feita pelas bocas de lobo. “Como a cidade tem um relevo acidentado, a água corre mais rápido e sobrecarrega esses córregos”, complementou Daniel. O nível também baixa rapidamente, uma inundação dura em média 40 minutos.

Marcus Vinícius Polignano também alertou para a importância de haver uma integração entre os Planos Diretores municipais e os Planos Diretores de Bacias Hidrográficas. “As bacias hidrográficas são unidades de gestão, são territórios de água e vida. O melhor caminho é pensar o território de forma sistêmica e de acordo com as bacias. Não dá para desmembrar os dois assuntos. Por isso, os Planos Diretores municipais devem estar integrados com os Planos de Bacia”, frisou.

A Câmara dos Vereadores aprovou, nesta terça-feira (20) o novo Plano Diretor de Belo Horizonte. No aspecto ambiental, o projeto resgata as áreas de proteção e propõe a conexão entre as áreas verdes da cidade, alterando a forma de ocupação dos espaços e aumentando a taxa de permeabilidade nas edificações. Além disso, mantém também o reconhecimento das áreas de interesse especial, assim como a demarcação das áreas de diretrizes especiais.

Prefeito de BH assume a culpa e anuncia obras

O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS), assumiu a responsabilidade pelas mortes e disse que obras serão feitas em Venda Nova. “Então o que eu volto a repetir para a população de Belo Horizonte é o seguinte: a responsabilidade é do prefeito. Ele é o culpado por tudo que aconteceu aqui. Vocês não sabem como dói isso no coração do prefeito”, disse Kalil ao visitar o local da tragédia.

Ele informou ainda, em entrevista coletiva no dia 19 de novembro, que até julho de 2019 começam as obras na região de Venda Nova, que devem ser terminadas até dezembro. Até segunda-feira, não havia sequer previsão do início das obras e a expectativa era de que elas estivessem encaminhadas até 2020. “A previsão é concluir o projeto emergencial até julho para que até dezembro haja tempo de fazer as obras necessárias. O projeto das intervenções é esperado para os próximos dias. O município vai declarar ainda situação de emergência nas áreas afetadas pelo desastre da semana passada”, esclareceu.


À esquerda, o presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano (Crédito: Bianca Aun). À direita, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (Crédito: Jornal Hoje em Dia)


Nove intervenções principais se arrastam no cronograma da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), que vão desde tratamento de fundo de vale à construção de bacias de detenção de cheias e implantação de barragens. Das quatro bacias hidrográficas que cortam a cidade, só a do Ribeirão Arrudas teve obras de grande porte parcialmente concluídas ano passado. As do Onça, Isidoro e Velhas continuam à espera de intervenções. Em Venda Nova, por exemplo, o complexo da Avenida Várzea da Palma e Vila do Índio, que tem prevista, entre outras intervenções, a urbanização e o tratamento de fundo de vale de afluentes do córrego da Avenida Várzea da Palma, tinha início previsto para maio de 2013 e conclusão no primeiro semestre do ano passado, mas foi reprogramada devido a pendências judiciais de desapropriações.

A bacia de detenção do Calafate, que vai da Avenida Tereza Cristina até a Silva Lobo, teve o pontapé dado em 2014, com a publicação de decreto de desapropriação, mas está parada, sem recursos da ordem de R$ 370 milhões. Há ainda 10 outras obras previstas a partir do segundo semestre deste ano. Metade delas não tem sequer projeto executivo ainda – entre elas estão as obras no Córrego dos Pintos, na Avenida Francisco Sá, um dos pontos históricos de alagamento na cidade e uma das mais afetadas na tarde de sexta-feira.

No entanto, os ambientalistas questionam sobre o tipo das obras que serão realizadas pela prefeitura, pois caso continuemos a usar as mesmas técnicas que vem sendo utilizadas a mais de cem anos na capital mineira, o problema de drenagem só tende a piorar.

“Precisamos proibir a canalização de rios, córregos e ribeirões na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A canalização não resolve o problema da chuva. Pelo contrário, só piora com alagamentos e enchentes. Soluções propostas em canalizações torna as remediações mais caras e onerosas”, explicou Polignano.

Belo Horizonte tem 700 quilômetros de córregos, sendo que mais de 200 são canalizados.


Confira mais fotos dos córregos e ribeirões de Belo Horizonte:

Crédito: Acervo TantoExpresso / Alessandro Borsagli / Estado de Minas



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