Começou uma angustiante corrida contra o relógio para salvar a Estação Ecológica de Fechos de um desfecho inglório. O que parecia ser a realização de um sonho de toda a bacia do Rio das Velhas e, em especial, da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), após a aprovação, pela Assembleia Legislativa do estado (ALMG), de expressiva expansão da Unidade de Conservação (UC), pode virar pesadelo caso não seja rejeitado o veto do governador Romeu Zema ao Projeto de Lei (PL) 96/2019, de autoria da deputada Ana Paula Siqueira (Rede Sustentabilidade).
A partir da leitura do veto no plenário da ALMG, ocorrida no último dia 19, são escassos 30 dias para que se construa maioria absoluta na casa (39 votos) contra a posição de Zema. Essa empreitada, que à primeira vista pode parecer simples, uma vez que o PL original angariou todos os 57 votos dos deputados presentes à sessão, é sempre difícil, pois se trata de lidar com o peso da caneta do Palácio da Liberdade e com poderosos interesses econômicos.
O Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) integra a frente em defesa das águas e da segurança hídrica. Em sua 124ª Plenária, realizada em 13 de março, definiu: “O CBH Rio das Velhas se manifesta a favor da delimitação da ampliação da Estação Ecológica de Fechos estabelecida no Projeto de Lei 96/2019, que foi aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e vetado pelo Govenador de Minas Gerais. O CBH Rio das Velhas solicita dos senhores deputados e senhoras deputadas a derrubada do veto do Governador.”
Ana Paula Siqueira garante: “Nós vamos trabalhar para sensibilizar os colegas deputados sobre a importância dessa área para a garantia do abastecimento de água para as famílias da RMBH. Vamos cobrar também coerência. Esse projeto foi aprovado em 2º turno por unanimidade, com 57 votos. É muito incoerente você votar favoravelmente e agora manter o veto do governador.”
Ana Paula Siqueira segue conversas com colegas parlamentares para derrubada do veto
Veto e Decreto: dois tiros na segurança hídrica
O PL, aprovado em 19 de dezembro, expandia a UC em 222 hectares e aumentava a proteção da Bacia do Ribeirão dos Fechos, pois incluía 48 hectares de área de recarga do Córrego Tamanduá, do aquífero Cauê.
O córrego que dá nome à UC é o principal manancial fornecedor de água para a região Centro-Sul de Belo Horizonte, abastecendo 280 mil pessoas de 38 bairros da região, 30 na capital e oito em Nova Lima.
Zema, no entanto, não teve pudores de estampar as razões do veto: “a ampliação dos limites da Estação Ecológica de Fechos – da forma pretendida pela proposição ora vetada – avançaria sobre área de grande potencial socioeconômico (…) uma vez que se trata de área com potencial de lavra de 7 milhões de toneladas de minério de ferro por ano”.
Na mesma publicação, Zema alterou, por meio do Decreto 48.760, a área da Estação de Fechos, excluindo o terreno proposto no PL e estendendo-a para uma área de eucaliptos. A região excluída por Zema, note-se, está na mira da Vale desde pelo menos outubro de 2020, quando a mineradora registrou pedido de licenciamento para ampliação das Cavas Tamanduá e Capitão do Mato, vizinhas de Fechos.
Segundo a deputada, “ao alterar as regiões protegidas, Zema exclui aquela de maior valor ambiental. Essa mudança atende aos interesses da Vale, ignorando os estudos técnicos que estabeleceram a área prevista no projeto de lei aprovado pela Assembleia. Isso representa um desrespeito ao processo legislativo e à população que há mais de 14 anos luta pela ampliação”.
Poliana Valgas, presidenta do CBH Rio das Velhas, vê o veto com muita apreensão. “Enquanto Comitê de Bacia Hidrográfica, um dos nossos objetivos é garantir água em quantidade e qualidade para usos múltiplos – seja para o morador dos centros urbanos, ribeirinhos, proprietários rurais, empresas de saneamento ou indústrias. Se não se garante a integridade desse sistema, principalmente na base – ou seja, nas áreas de recarga –, isso pode afetar diretamente a segurança hídrica da bacia. O que possibilita que a água chegue nas casas é a área de recarga. As nascentes são como as torneiras dos aquíferos. Essas áreas deveriam ser intocáveis, porque não há desenvolvimento sem água.”
Camila Carvalhal, conselheira do Subcomitê Águas da Moeda, precursor dessa luta, e integrante do Movimento ‘Fechos, Eu Cuido!’, explica: “Além de deixar de fora da expansão áreas de extrema importância ao abastecimento público, que compõem os hotspots do Espinhaço, com plantas endêmicas e ameaçadas de extinção, o decreto ‘empurra’ o ônus ao IEF [Instituto Estadual de Florestas] de cuidar de áreas antropizadas, de baixa relevância ambiental, que antes eram de obrigação da mineradora. Água não tem preço. Não se troca por tonelada de minério e nem por empregos que desaparecem feito água na peneira quando o minério está em baixa”, conclui.
Poliana Valgas e Camila Carvalhal ressaltam a importância ecológica da Estação
A deputada Ana Paula vai pelo mesmo caminho: “Não há vida sem água. Ninguém bebe minério. As próximas gerações não podem pagar pela ganância da mineração”.
Projetos do CBH
Em 2018, o CBH Rio das Velhas aplicou mais de R$ 530 mil em dois projetos para a região. O primeiro assegurou ações de comunicação e mobilização social e comunitária visando cumprir dois objetivos principais: sensibilizar a opinião pública sobre a importância hídrica da Estação Ecológica de Fechos e fomentar um debate sobre a expansão da unidade.
O outro bancou a elaboração de diagnóstico hidroambiental para caracterizar, cadastrar e propor ações de conservação e recuperação das nascentes, focos erosivos e áreas degradadas nas microbacias dos córregos de Fechos, Tamanduá e Marumbé, na área de influência hídrica da unidade. Para Camila Carvalhal, isso “ajudou a fundamentar a relevância do lugar em relação à quantidade e à qualidade de água, incluindo o que na época era entorno da UC e hoje abriga a área de expansão”.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Fotos: Fernando Piancastelli; Bianca Aun; Gabriel Maciel