Governador de MG veta projeto de lei que estenderia os limites da Estação Ecológica de Fechos

16/01/2024 - 13:21

Em 19 de dezembro de 2023, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou o Projeto de Lei (PL) 96/2019, de autoria da deputada Ana Paula Siqueira (Rede Sustentabilidade), que versava sobre a expansão da Estação Ecológica de Fechos, em Nova Lima, Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. O novo limite aprovado pelos deputados mineiros protegeria 48 hectares de área de recarga do Córrego Tamanduá, bem como o aquífero Cauê. No entanto, na última sexta (12), o Governador Romeu Zema (Novo) vetou totalmente o projeto, com a justificativa de que, nas palavras do próprio Governador, publicadas no Diário Oficial do Executivo de Minas Gerais, o veto se deve ao fato de que “a ampliação dos limites da Estação Ecológica de Fechos – da forma pretendida pela proposição ora vetada – avançaria sobre área de grande potencial socioeconômico, sendo necessário que seja avaliado o risco de esvaziamento econômico e os consequentes prejuízos sociais para a população, uma vez que se trata de área com potencial de lavra de 7 milhões de toneladas de minério de ferro por ano”.


Ato contínuo, na mesma publicação, Zema alterou, através do Decreto 48.760, a área da Estação de Fechos, excluindo o terreno proposto no PL 96 e estendendo para uma área de eucaliptos. É importante lembrar que os novos limites impostos por Zema no decreto são de sugestão da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (SEDE) – proposta essa apresentada em audiência pública no dia 20 de dezembro de 2022 e rejeitada pela sociedade civil. A região excluída por Zema está na mira da Vale, que, em outubro de 2020, entrou com pedido de licenciamento para ampliação das Cavas Tamanduá e Capitão do Mato, vizinhas à Estação Ecológica de Fechos. Os mananciais da região abastecem 38 bairros da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e, caso o terreno em disputa seja explorado pela mineração, haveria um decréscimo de no mínimo 18% na capacidade de recarga de suas nascentes.

Para a deputada Ana Paula Siqueira, a atitude de Zema demonstra seu comprometimento com a mineração em detrimento da população. “A expansão da Estação Ecológica de Fechos é crucial para assegurar o acesso à água potável para a população de Belo Horizonte e região metropolitana, garantindo um direito humano básico. Nosso projeto visa proteger uma área de mais de 222 hectares contra a ameaça da mineração, abrangendo quatro novas nascentes e uma extensa área de cangas e campos ferruginosos. Essa região é extremamente rica em biodiversidade e desempenha um papel essencial na produção de água. Após intensa articulação do nosso mandato e pressão da sociedade civil, conseguimos a aprovação unânime na Assembleia Legislativa. O veto total de Zema evidencia seu comprometimento com as mineradoras, prejudicando a população mineira”, alerta.

Além disso, ainda segundo Siqueira, o decreto do Governador demonstra desrespeito às discussões que vêm sendo feitas há 14 anos com a população. “Ao alterar as regiões protegidas, Zema exclui aquela de maior valor ambiental. Essa mudança atende aos interesses da Vale, ignorando os estudos técnicos que estabeleceram a área prevista no projeto de lei aprovado pela Assembleia. Isso representa um desrespeito ao processo legislativo e à população que há mais de 14 anos luta pela ampliação dentro dos limites originais”. Ela lembra também que “as medidas de Zema ocorrem poucos dias antes de se completarem cinco anos do crime da Vale em Brumadinho.”

Camila Carvalhal, conselheira do Subcomitê Águas da Moeda e integrante do Movimento ‘Fechos, Eu Cuido!’, considera que “o governo entrega de bandeja à mineração o filé mignon e devolve os ossos à população. Zema chama isso de desenvolvimento sustentável e defesa de interesse público. É um deboche a todo o trabalho que foi feito ao longo dos últimos 14 anos em defesa do interesse, esse sim, público, de defesa do direito à água”.

Ela alerta também que o decreto do Zema exime a Vale de responsabilidade quanto à área que se pretende adicionar no documento, ameaçando a biodiversidade e recarga hídrica da região. “Além de deixar de fora da expansão essas áreas de extrema importância ao abastecimento público que compõe os hotspots do Espinhaço com plantas endêmicas e ameaçadas de extinção, também ‘empurra’ o ônus ao IEF [Instituto Estadual de Florestas] de cuidar de áreas antropizadas, de baixa relevância ambiental, que antes era obrigação da mineradora. Água não tem preço. Não se troca por tonelada de minério e nem por empregos que desaparecem feito água na peneira quando o minério está em baixa”, conclui.


Ana Paula Siqueira e Camila Carvalhal se posicionaram de forma contrária ao veto de Romeu Zema


Olhares voltados para o Alto Rio das Velhas

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) tem tido um olhar especial para a região do Alto Rio das Velhas, inclusive com investimentos na produção de água. Essa região é marcada por diversas circunstâncias, como alta densidade populacional e exploração minerária, que impactam a bacia como um todo. Nesse sentido, Poliana Valgas, presidenta do CBH, viu o veto de Zema com apreensão. “Enquanto Comitê de Bacia Hidrográfica, um dos nossos objetivos é garantir água em quantidade e qualidade para usos múltiplos – seja para o morador dos centros urbanos, ribeirinhos, proprietários rurais, empresas de saneamento ou indústrias. Se não se garante a integridade desse sistema, principalmente na base – ou seja, nas áreas de recarga –, isso pode afetar diretamente a segurança hídrica da bacia. O que possibilita que a água chegue nas casas é a área de recarga; as nascentes são como as torneiras dos aquíferos. Essas áreas deveriam ser intocáveis, porque não há desenvolvimento sem água.”, conta.

Ela lembra que, para garantir a segurança hídrica não só da RMBH, como de toda a Bacia do Rio das Velhas, a Estação Ecológica de Fechos e a expansão da Unidade de Conservação para as áreas de recarga e aquíferos é essencial. “A expansão e manutenção da Estação Ecológica possui uma alta relevância ambiental, principalmente no que tange à produção de água. É uma região que mantém o sistema de abastecimento da região metropolitana, além de abrigar grande diversidade de fauna e flora, inclusive de espécies ameaçadas de extinção e garantindo a conectividade entre várias áreas de Mata Atlântica, Cerrado e Unidades de Conservação. Por isso, é importante ressaltar que o CBH Rio das Velhas vem investindo na região alta da bacia e em todas as regiões de produção de água por entender quais são as necessidades atuais. Fechos é uma área estratégica de produção de água para a RMBH e para os 51 municípios da bacia. O próprio Estado, através do órgão gestor de recursos hídricos, tem trabalhado, junto com os comitês de bacias de Minas Gerais, um Plano Mineiro de Segurança Hídrica, e duas das áreas prioritárias para a segurança hídrica são, exatamente, as bacias do Velhas e do Paraopeba. Esse olhar precisa ser coerente com a proposta. Além disso, tivemos nos últimos anos situações de escassez hídrica reconhecidas pelo órgão gestor mineiro em alguns pontos da bacia. Decretos como esse influenciam diretamente na quantidade de água que os usuários podem usar no período de escassez. Esperamos que a questão seja reavaliada por parte do Governador. Sem água, não há desenvolvimento”, alerta Poliana.


Poliana Valgas ressaltou a importância de Fechos para a segurança hídrica da RMBH


Em 2018, o CBH Rio das Velhas aplicou mais de R$ 530 mil em dois projetos para a região. O primeiro assegurou ações de comunicação e mobilização social e comunitária visando cumprir dois objetivos principais: sensibilizar a opinião pública sobre a importância hídrica da Estação Ecológica de Fechos e fomentar um debate sobre a expansão da unidade.

O outro bancou a elaboração de diagnóstico hidroambiental para caracterizar, cadastrar e propor ações de conservação e recuperação das nascentes, focos erosivos e áreas degradadas nas microbacias dos córregos de Fechos, Tamanduá e Marumbé, na área de influência hídrica da unidade.

A Estação Ecológica de Fechos

Criada em 1994 com mais de 600 hectares, a Estação Ecológica de Fechos possui cerca de 15 nascentes. A Unidade de Conservação ainda abriga florestas de Cerrado e Mata Atlântica e rica fauna ameaçada de extinção. Suas águas abastecem cerca de 280 mil pessoas na RMBH. A bacia de Fechos se tornou ainda mais importante para a RMBH após a tragédia da Vale em Brumadinho, que contaminou o rio Paraopeba onde havia uma captação a fio d’água. O primeiro projeto de lei para ampliar a estação ecológica foi apresentado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em 2012, pelo deputado Fred Costa, mas não foi apreciado e acabou arquivado. O PL vetado na última sexta-feira (12) por Zema é de 2019.


Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Leonardo Ramos
*Foto: Fernanda Piancastelli; Bianca Aun