Os membros da Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC) do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) reuniram-se por videoconferência, nesta segunda-feira (20), para tratar de assunto de destaque.
Tratou-se de decidir, após a primeira reunião, de 22 de abril, e visita técnica de 2 de maio ao local das obras pretendidas, o posicionamento da Câmara sobre o pedido de outorga de grande porte feito pela empresa Vale S.A. de canalização de trecho do Ribeirão Macacos, condição para descaracterizar a Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ) que atendia à barragem B3/B4 da mina Mar Azul, em Nova Lima.
A B3/B4, primeiro barramento da Vale a entrar no nível máximo de emergência, em 2019, do qual só saiu em dezembro de 2022, teve finalizado o processo de descaracterização determinado pelas legislações federal e estadual, segundo anúncio da mineradora ao mercado datado de 13 de maio. Cerca de 300 moradores do distrito de São Sebastião de Águas Claras, popular destino turístico mais conhecido pelo nome do curso d’água, foram forçados a deixar suas moradias à época. Até ano passado, quase meia centena de famílias ainda não havia retornado.
A ECJ, concluída em 2020, foi concebida para dar segurança à área a jusante da B3/B4, caso houvesse acidentes no processo de eliminação da barragem.
Com a eliminação de B3/B4, a Vale vai dar início à remoção da ECJ para reintegrar a área ao seu entorno e diminuir o impacto visual, recompondo, tanto quanto possível, a topografia original da região.
Parte das obras requer a canalização (aberta) do Ribeirão Macacos por 550 metros e, portanto, a concessão de outorga para intervir em curso d’água.
Análise e debate
O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) analisou o processo 81/2024 e concluiu pela aprovação da outorga, exigindo, como condicionantes, as comprovações da limpeza do trecho de intervenção, com periodicidade mínima de dois anos, e da destinação dos resíduos retirados.
A Agência Peixe Vivo, que presta assessoria técnica-financeira ao CBH Rio das Velhas, também emitiu Parecer Técnico, no qual indica “o deferimento do requerimento de outorga de direito de uso de recursos hídricos, mediante o cumprimento das condicionantes propostas pelo órgão gestor”.
A apresentação preparada pelo coordenador da CTOC, Eric Machado, apontou lacunas no diálogo da mineradora com a comunidade e recomendou “a integração da comunidade às atividades do Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD)”, para a promoção, dentre outras, de ações de educação ambiental, e o exame da possibilidade de inserir, no projeto, “trilhas inclusivas a pessoas com deficiência” (PCD).
Após explicações sobre o projeto adotado pela Vale para a eliminação da ECJ, a cargo de Célio Gomes, Marcus Vinícius Polignano, que já foi presidente e secretário do CBH Rio das Velhas e hoje é vice-presidente do Comitê do São Francisco, declarou: “Foi uma luta ferrenha, do tempo do Mar de Lama. Segurança é tudo, estamos vendo o Rio Grande do Sul… É um alívio esse descomissionamento, um alívio para todos, para a empresa e para nós do Comitê”.
Um aspecto preocupou vários participantes do encontro, e Polignano sintetizou: “Sinto falta de informação dos efeitos no rebatimento da vazão do rio, que incide sobre Bela Fama. Ali é um vale encaixado. Se chegar muita água em Bela Fama, inunda as instalações da Estação de Tratamento”. Ele pediu à empresa cálculos sobre isso por precaução: “Quanto mais seguro for, todos ganham”.
Luiz Figueiredo, também funcionário da Vale, delineou os critérios empregados pela empresa: “A preocupação é não piorar as condições originais [de vazão, por exemplo], mas não resolver o risco hidrológico da bacia”.
Sobre o Tempo de Retorno [TR, período médio no qual um determinado evento hidrológico é igualado ou superado] utilizado no projeto, de mil anos, Gomes explica: “Por conta das mudanças climáticas, aumentamos o TR em 20 vezes, de 50 anos para mil”.
Para o conselheiro Rodrigo Lemos, que já coordenou a CTOC, o “dimensionamento de mil anos é muito bom”. Por seus conhecimentos das “características da região”, não lhe parecer haver “risco de problemas a jusante”.
Participação social
Com forte presença do Subcomitê Águas da Moeda, organismo do CBH Rio das Velhas, em cuja Unidade Territorial se localiza o empreendimento, e de várias organizações da sociedade civil da região, teve lugar algo inédito de construção coletiva em processos de outorga.
Lemos, “feliz de ver o pessoal do Subcomitê, enalteceu: “que bom que estamos discutindo a intervenção no tempo em que ela vai ocorrer, e não depois de tudo acontecido”.
Polignano também fez questão de se dizer “muito satisfeito” e saudou: “O CBH Velhas é um exemplo do que deve ser um Comitê, com embate e debate democráticos”.
Passo a passo, foram se ajustando os itens que figurarão como condicionantes da outorga – que, segundo a Portaria 48/2019 do IGAM, devem se restringir a questões diretamente relacionadas à água – ou como recomendações.
A principal condicionante acrescentada pela CTOC ao disposto pelo IGAM foi o monitoramento com medição mensal da vazão a jusante, com a instalação, pela Vale, de réguas linimétricas ainda dentro do canal a ser construído. Durante a obra, a mineradora vai monitorar turbidez e qualidade da água no ribeirão, de modo a assegurar que as intervenções não resultem em prejuízo ambiental e hídrico.
Diversas recomendações, como o investimento em educação ambiental, a inserção de trilhas acessíveis a PCD e a formalização do Modelo de Compromisso da empresa com a comunidade constarão do documento que será submetido à aprovação da plenária extraordinária do Comitê, prevista para 28 de maio.
Tarcísio Cardoso, conselheiro da CTOC que coordenou a reunião, destacou “a importância dessa participação da comunidade”.
Luiz Figueiredo, representante da Vale, prometeu “levar todos os assuntos para as áreas competentes, em busca de um desfecho cada vez melhor”.
Rafael Aguilar, do Instituto Bacia Viva e conselheiro do Subcomitê Águas da Moeda, deixou seu “agradecimento pelo espaço” e cumprimentou “os companheiros da comunidade que estão aqui presentes”.
Polignano fechou com uma chave preciosa, a que leva ao futuro: “Eu acho que nós estamos num momento da humanidade que não dá mais para se fazer antagonismo entre ecologia e economia. Ou nós nos acertamos ou a conta virá, com certeza. Eu acho que a gente tem que dar realmente um passo em direção ao futuro”.
Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Foto: João Alves